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Textos para uso geral de domínio público.

O Vaqueano

Capítulo I - Paisagem morta O inverno desatava as madeixas emperladas de gelo, tão triste que magoava o coração e despertava idéias sombrias, como céus e e terras.
Não sei que íntima e mística afinidade existe entre a natureza e a alma humana, que a morte-cor de uma se reflete na outra como em bacias de límpidas águas, que o múrmur surdo e merencório desta, como num tímpano, encontra ecos naquela.
O inverno é um cemitério! Sazão de morte que não poupa a terna vergôntea, nem as catassóis da asa do colibri! Por isso o calafrio que se sente quando ele se aproxima, o terror que vaga na floresta e na campina, a palidez do manto de verduras, a ausência dos cantores plumosos. . . e depois o minuano! Como é cruel, ele que fustiga a árvore secular, quee aspergia doce sombra no ardor da sesta, até lhe arrancar uma por uma as folhas de seu diadema! Que cresta a várzea há pouco vicejante alfombra! que torna a linfa de onda argentina e anodina, fria como uma geleira, silenciosa como um ermo, ingrata ao lábio na exsicação da sede!
Quem pode amar-te quadra sem sombras, brisas, cantos e flores? Período que espasma a vida e congela a flor das alegrias?
Só quem não sente, alma embotada para as sensações brandas e suaves, que rodeiam a existência de uma gaza transparente e rósea que se chama poesia!
Era no dia 14 de julho.
O sol cambava. O raio do crepúsculo, círio que vela um ataúde, lambia a face da Terra. Expressão de agonia, lampejo precursor da morte, ia deitar-se o pai da natureza.
Quem então o visse diria que buscava o leito de descanso, numa sepultura imensa como ele próprio, às profundezas do infinito. O cenário sobre que pairamos não recendia menos tristeza.
Eram os campos de Vacaria.
Ao norte o rio Pelotas arquejava, descontando, febrilmente um réquiem, ao sul o Taquari o acompanhava em notas não menos lúgubres; de um lado o lombro verde-negro da serra Geral, interceptando o horizonte; do outro o Mato Português, cuja respiração simulava o paroxismo cruel de leviatãs que estrebucham. O teto - o céu, cujas fímbrias eram as brumas alvacentas de leve coloridas.
Ajuntai o efeito dos troncos quase desnudos de roupas em pé no lusco-fusco da tarde, fantasmas dos séculos estendendo longos e musculosos braços para todas as direções, sacudindo, ao sopro do pálido arrebol, as barbas grisalhas e venerandas, ajuntai mais o mio, ora profundo e cavernoso da onça, ora estrídulo e agudo da jaguatirica, o solfejo áspero e atroador do itanha, o piar agoureiro das corujas, o bramido do minuano que fazia ranger os estípites e galhada da selva, que revolvia os capinzais como oceanos, e tereis o quadro senão completo, em miniatura ao menos.
Ali só uma realeza que contemplava outra realeza.
Ali só o urutau sentia efusões, porque ainda tênue dilúculo de luz lhe banhava a retina, embora mortiça e gélida. Feliz vivente que passa os dias de modo tão estranho! Rompe o dia e ei-lo a saudar a aurora, ei-lo seguindo com a pupila ardente o astro-rei no seu itinerário pelos dédalos da imensidade.
Não sei por que, mas amo-te, ave das solidões do meu berço, anacoreta das florestas natalícias.. Talvez traduzas um emblema sublime! ... A noite desceu. O firmamento era um pavilhão de azul semelhante ao das voragens marítimas, os troncos que cercavam os campos da Vacaria eram suas colunas. As estrelas que o esmaltavam encobriam-se por vezes, como em brancas mortalhas, nos capulhos de nuvens que deliravam nos páramos infindos.
Caia neve em flocos. O frio, intenso. O mistério daquela natureza recolhida e inânime, profundo e terrível. Não tinha só a melancolia do deserto, o vago e indefinido, que coam na alma as savanas e matas americanas, tinha mais o tom baço, a desoladora taciturnidade, a paralisia, a inércia, a aparência de cadáver, que ressaltam da quadra hibernal. Só quem viajou por noites assim através do ermo selvagem pode compreender a expressão aziaga que lhe é própria, os sentimentos inefáveis que ele desperta, expressão e sentimentos que jamais a linguagem conseguiria reproduzir, são tão indescritíveis! Então cada folha, cada filamento de relva, cada seixo parece ter um segredo medonho a contar um cochicho de torva ameaça! Tudo se anima, tudo fala.
O rochedo agita-se, caminha, rodeia-nos e solta uma gargalhada de infrene sarcasmo. A árvore tem o gesto iracundo. O
vendaval ruge uma blasfêmia em cada lufada. E o viajante acha-se cercado de calibans e pavorosas lâmias. A noite, o inverno e a solidão o amesquinham à face do mundo e à face de Deus. Ao resfriamento do corpo aduna-se o resfriamento da moral.
O homem é um autômato. Nem o próprio indígena que ali nasceu, vive e há de morrer não se isenta do terror supersticioso;
ele mesmo crê em maus gênios que povoam o sertão. Ele mesmo é um átomo que transcende no pensamento, porém fraco e pueril ante as maravilhas de Deus nos seios da criação virgem e grandiosa.
Capítulo II - A marcha De repente na treva sulcou uma centelha.
Crer-se-ia que fora ferida uma pederneira.
A faísca inoculou-se, tomou corpo, distendeu as formas e logo depois uma língua de fogo serpenteou rápida, crepitou momentos lutando com regelo atmosférico e, ao fim, uma labareda flutuou os ígneos penachos.
Meia hora decorrida a ourela dos matos da serra Geral forma uma faixa luminosa.
Então distinguiram-se vultos que cruzavam o ambiente iluminado.
Acerquemo-nos.
Dois homens estão junto a uma das fogueiras. Tomavam mate.
Um de contornos amplos e estatura regular tinha a fisionomia franca, jovial e insinuativa do campeiro rio-grandense.
Por sobre a farda trazia o poncho de pano azul forrado de baetilha e gola de veludo, que em outro seria agaloada, porém, nele, atenta sua simplicidade de costumes e maneiras, apenas rematava por singelo trancelim. Todavia os alamares eram de prata. E a razão é óbvia: este metal na província não é a insígnia distintiva de certas classes, tanto se o depara na cabeçada do lombilho do estancieiro como na do último da peonada. Ricos e proletários ostentam-no com garridice.
As pratarias constituem o ponto de contato entre uns e outros, o laço de irmandade das diferentes hierarquias.
Cobriam-lhe a perna e o pé altas rossilhonas, que, desfraldadas de sobre o joelho, vinham terminar em vigorosas chilenas também de prata, armadas de farpantes e rufadeiras rosetas.
O outro personagem de porte elevado, porém robusto e esbelto, trazia uma capa traçada na omoplata. Seu rosto não enganava à primeira vista. Parecia destacar duma eterna iluminura, dessas que passam intatas através dos séculos.
Exuberava irradiações deslumbrantes de toda a fisionomia. Era como a personificação, a apoteose viva do gênio da liberdade.
Quando chegaremos? - dizia o último com pronunciado sotaque italiano. - Estou que quanto mais andar, melhor será. O
inimigo não deve acordar antes que cheguemos. Pois em negócios de guerra, penso como Napoleão, a rapidez, o imprevisto, que trazem sempre uns ares de milagre, fazem mais do que os mais bem disciplinados exércitos.
- De acordo, mas você crê então que não vamos de carreira batida? Amigo, vamos que nem chimarrões esfomeados atrás de carneação.
- Não digo o contrário, caminhamos a marcha forçada, bem o vejo; quem sabe, porém, os rodeios que fazemos, quando podíamos encurtar a distância indo em linha reta.
- Aí vem você com suas retas! Não conhece o vaqueano! Guia guapo como ele, não o há em toda a redondeza.
- Realmente; podemos ainda interrogá-lo.
- E já... Vai ver como é aquilo. Não se desmancha nem pelo diabo.
E acenou para um soldado de sentinela.
O soldado achegou-se.
- Chama-me de lá o vaqueano. - E pela vigésima vez encheu a cuia. - O que me admira - ponderou - é como estou verdeando tão maldita caúna. - Momentos depois veio o reclamado.
Não haverá caminho mais curto daqui a Laguna?
O interrogado respondeu com um leve meneio afirmativo da cabeça.
- Por que não o tomaste então?
- Posso ir.
- E por que não foste desde o princípio?
- Perderíamos mais de metade da gente.
- Como?
- Bugres, onças, rios invadeavéis, lagos e correntezas, taimbés, banhados...
- Que tem isto? Chegaremos em menos tempo.
- Mais seis dias, se não houvesse estorvos e embromações; quinze ao contrário.
O primeiro interlocutor refletiu e aventurou mais uma interrogação:
- Conheces bem o caminho?
O semblante do moço passou por súbita metamorfose. As feições contrairam-se e logo por interno esforço distenderam e ficaram imergidas num véu de funda melancolia. Foi efêmera convulsão.
- Se conheço?! - replicou. .. E entre dentes murmurou com voz dolente - Antes nunca o conhecesse!
- Retira-te, estou satisfeito.
- Não te disse, Garibaldi?! Quem lá tem a cabeça do vaqueano? Chuega, é um livro! Até guarda de memória as macegas e pedregulhos das estradas. No sertão não há picada pela qual ele não se meta.
- Do que ele não gosta muito, Canabarro, é de falar. Dá sempre as respostas pelo meio.
- Venetas... É um tanto xucro... Também no mais é um homem, como se deseja.
Os republicanos com grandes vitórias adquiridas em 1838, mormente a do Rio Pardo, em 30 de abril, onde reunidas as forças de Neto, Canabarro, João Antônio da Silveira e Bento Manuel fizeram retirar o exército imperial comandado pelo general Sebastião Barreto Pereira Pinto, quiseram estender a área dos combates, e para tal intuito determinaram tomar a Província de Santa Catarina.
Aí vão eles, agora que os encontramos, executar o plano concebido.
Capítulo III - Avençal José de Avençal!
Quem então o não conheceu, não por semelhante nome, mas pelo de Vaqueano, que vinha da profissão?
Era uma natureza admirável, não tanto pelas amplas manifestações dos músculos de ferro, como pela perícia e inteligência com que guiava os exércitos da República, e a grandeza e bondade do caráter.
Também jamais houvera rio-grandense que, como ele, conhecesse a Província. Não lhe escapava uma jeira de terra, ainda mesmo perdida nos ínvios sertões ou em banhados de largo perímetro. Tinha a memória fiel até para as nugas locais. Era uma verdadeira vocação. Seu calendário de nomes abraçava do capão sumido na campina à restinga do mato ou arroio de exíguos cabedais. Constituía de per si o mais exato arquivo topográfico, um mapa vivo e pitoresco.
Sempre sorria, quando os companheiros, ante a floresta, em que o taquaruçu crescia úmido, atado às árvores gigantes por fortes cipós e entretecido de finas e mimosas enrediças, exclamavam:
- É impossível!
Quando paravam desanimados na presença dos alcantis da cordilheira ou das barrancos de caudaloso ribeirão, ainda repetiam a frase de desalento.
Sorria.
E o sorriso que lhe rugava o lábio era a craveira de sua grandeza e superioridade.
Nos misteres campeiros ninguém o excedia. Iguais os encontrava, melhores nunca. O homem que nas brenhas brincava com o guará, o tigre e o tapir e os subjugava ao braço como tenra criciúma sob a pressão do vento, que receio teria do potro indômito e bravio e do boi xucro e de pontas aguçadas?
Nos manejos de guerra não ficava somenos. A lança de duas braças de longura vibrava o bote tremendo, o pistolão atravessado na guaiaca poucas vezes errava o tiro na andorinha que cortava os ares. Mas quando expandia o rosto era ao ver a rodilha do lago revolutear no espaço e logo como uma jibóia aérea se distender, se enristar, cingir o corpo da vítima, retê-la no ímpeto da carreira, sofreá-la nas contrações da sanha, envencilhá-la em estreito amplexo e estrangulá-la quase, abatendoa, vendo-a humilde render-lhe homenagem; ou quando, as bolas em punho, rodeado de adversários, ia derrubando um por um, a golpes terríveis. Essa arma de nossos camponeses realiza para o homem o que realizavam as batistas e catapultas antigas para as muralhas. Onde batem, fazem uma brecha e há quase sempre uma agonia.
Trazem só uma dificuldade, o saber esgrimi-las, e esgrimi-las não é atirá-las que é de uso ordinário.
Para os companheiros de acampamento, Avençal, o Vaqueano, tinha um bom lote de defeitos imperdoáveis. Não falava senão em caso de extrema necessidade, não bebia, jogava menos e fumava pouco ou nada. já se vê que devia forçosamente ser censurado, vivendo na turba soldadesca, gente que tem por vida o presente como um pêndulo oscilante entre a botija, amante de afagos e sonhos inesgotáveis, e o baralho, distração necessária para espairecimento dos sentidos nas horas vagas.
Mas nem por isto era menos querido e admirado.
Supunham-lhe todos uma história negra, fastos de tempos idos, cujas lágrimas ainda transpareciam apesar da distância;
porque o viam geralmente recolhido em profundas e melancólicas cismas que lhe amarguravam a existência. Não ria, sorria apenas, o que com bem largos intervalos se dava.
Admitiam uma hipótese, e portanto variável como todas as hipóteses, mas a tinham como verdade à luz meridiana.
Teriam razão?
o filósofo feito a formas dialéticas poderia debalde pregar-lhe largo sermão sobre o atentado, pregaria no deserto; que eles, seguindo-o como instinto campeiro, faculdade de longa vista moral que lobriga na treva de, passado e nas névoas do futuro, iriam teimosos após sua idéia.
O pressentimento faro do desconhecido que nos preocupa, tornado certeza por misteriosa elaboração no espírito do homem da natureza, elaboração em cujo processo entra mais o sentimento do que a razão, os camaradas do vaqueano envidavam todos os meios para fazê-lo falar sobre o passado. Quando isto acontecia, viam-no estremecer e barafustar de pranto.
Frustraram-se as mais bem combinadas tentativas. Nos combates era o delírio personificado. Em certo dia, um oficial que o vira lançar-se na peleja dissera admirado: - Aquele homem tem a febre da morte. No entretanto, talvez tanta audácia constituísse um escudo impermeável ao ferro e às balas. Saía sempre incólume, ainda que pesaroso. O leitor pode pôr em dúvida o que levamos dito, julgando fantástica criação que esfrola o cérebro ardente de poeta.
Engana-se.
Os principais traços característicos de fisionomia que esboçamos de leve são tão reais, que os encontramos a cada passo em nossa Província, desde o posteiro até o senhor da estância, desde a existência errante do tropeiro até a existência sedentária do guasqueiro ou trançador de lonca. O que há de mais é a cor do mistério, a sombra da intensa melancolia que o destaca do tipo genérico. Não mais do que a ação de um drama nefasto.
Capítulo IV - A canguçu Sigamos o vaqueano.
Vai cansado da conversação que tivera, ainda que nas respostas denotasse verdadeiro laconismo.
Aproxima-se de um grupo em torno do brasio, aquecendo os membros engelados de frio.
- Que novas? - repetiram quatro ou cinco vozes repassadas de curiosidade. Ele por única resposta encolheu os ombros. Os outros o compreenderam; porque encetaram nova palestra, emborcando de vez em quando uma chaleira na boca de duas cuias que percorriam a roda.
- Chimarrão sem churrasco é laço sem argola ou relho sem açoiteira - ponderou sentenciosamente Manduca Pereira, célebre domador de Caçapava.
Os outros aprovaram com vivos sinais de assentimento e reflexão do companheiro.
- Laço sem argola! Antes mato sem madeira - acrescentou um lenhador que havia trocado por circunstâncias imprevistas o machado do trabalho pelo ferro dos combates.
- Lança sem lançeiro! - regougou enfaticamente um negro, hércules de porte, pertencente à arma citada.
- Deus enfim se amerceie de nós, porque nesse andar morremos de fome antes de lá chegarmos - tornou outro do rancho. -
Pensem vocês o que quiserem, que eu cá, de mim para mim, vejo em tudo isso alguma praga de urubu.
- Não mata cavalo, por Deus, o digo!
- Mate ou não mate, o que é certo é que sete horas vão e nem um naco de charque nos passou pelo gasganete. Chimarrão sem churrasco! E por cima ainda ordem de não sair do acampamento para caçar! - insistia o lenhador.
- Não caçar!
- Hão de ver que lá o general há de ter...
- Cala-te, língua de caramuru - atalhou o Manduca -, não sabes o que dizes.
Um vulto, saindo da sombra, fulminou-os.
- Camaradas, o general não tem maior ração que vocês e, enquanto ele corre o acampamento, o lonqueais sem piedade. O
que não quiser assim, monte no pingo e se vá aos pagos, com os diabos!
O murmurador amergeu a cabeça, corrido e envergonhado do tremendo carão à queima-roupa. E, como não tinha botões, disse aos alamares do poncho: Hépuxa! Se não fosse o general, outro homem não me falaria assim com tanta soberbia. E
amimou o cabo da adaga na cinta.
Ao atravessar, Canabarro vira o vaqueano, e, lembrando uma incumbência para ele no dia seguinte, achegou-se para falarlhe. Ouvira então o que conversavam sobre ele próprio.
- Bem, João de Deus, outra vez o deixo aqui nos bamburrais; e voltando-se para Avençal:
A que distância estamos da estância do finado Juca Capinchos?
O mancebo empalideceu e redargüiu com custo:
- Três léguas.
- Amanhã, você, ao apontar as barras do dia, irá ver trinta cavalos e outras tantas reses de que precisamos.
- Eu?!
Era uma interjeição e uma interrogação dum jato, grito espontâneo arrancado do imo do peito, revelação luminosa que a rude energia moral do campeiro não pôde recalcar e sofrer no momento. A hipocrisia oficial das cidades é que sói bronzear a face na manifestação dos sentimentos.
- Sim - tornou o general, retirando-se, sem notar o efeito que produzira a ordem. Avençal tinha o semblante lívido.
- É impossível, meu Deus! - exclamou fora de si. - É impossível! Não irei... matem-me embora.
Os outros o contemplavam admirados. Viam-no falar sobejante, ainda que não compreendessem o sentido da negativa.
O ambiente glacial daquela zona repercutiu com um berro vibrante e formidável. Era um canguçu atraído, quem sabe, pela fome ou pela iluminação da mata. Eles entreolharam-se.
- Má visita, patrícios.
Uma centelha fugiu dos olhos do vaqueano.
- Quem ousa matá-lo? - perguntou.
Ninguém tugiu.
Até o negro lanceiro se envolveu mais cautelosamente em seu bichará de mostardas.
Ele sorriu com o lábio crispado de insânia. A propósito chegava com dois cães um caboclo de origem charrua, chamado vulgarmente: o Manuelzinho.
- Saíra a tentar a caça.
- Eu iria - disse o índio - se a onça nos desse ao menos um bom matambre.
- Irei só, Manuelzinho, dá-me os cachorros.
- Só, não - acudiram todos. - Vamos acompanhar-te.
- E a ordem do general?
- A fome é lei. Nós havemos de conchavar sem pinotaços.
- Pois bem, prometo que, morta a onça, irei buscar bons assados.
Avençal paupou a faca revesada na guaiaca, tirou-a da bainha e experimentou o fio na palma da mão. Guardando-a, foi junto aos arreios e tomou as bolas de pedra retovadas de pele de lagarto. Estirou os fiéis, reviou-os e viu-os firmes. Para complemento dos preparos, desenfiou o poncho e atou-o à cinta à guisa de chiripá.
Os outros armados de espingardas, pistolões e lanças, o seguiram.
O que é admirável é que tais homens tinham queixas para tudo, menos para o tempo terrível e ao qual pareciam sobranceiros.
Falavam de quaisquer outros incidentes, menos, porém, do frio intenso que cortava.
Capítulo V - Os guaicanâs Pálida e triste ergueu-se a lua.
Entranharam-se na serra.
A fera continuava a estrugir a restinga em pouca distância.
Os cães que a farejaram pressentiam-na.
Estava entre dois galhos que se bifurcavam no cimo de um pé de angico.
Seus olhos fulgiam no obumbramento da floresta como dois carbúnclos.
O sítio apresentava um raleiro de mato, tendo ao lado do angico duas timbaúvas gêmeas, despojadas da folhagem pela bafagem do inverno.
Apenas descoberta, Manduca levou a arma ao ombro; o vaqueano abateu-a, observando.
- Não te pertence, o combate é só comigo.
E galgando uma das árvores fronteiras com a rapidez duma irara foi postar-se em face da alimária cerval, disposta a vender bem cara a vida.
Manduca sentiu calafrios correrem-lhe os membros, vendo o perigo em que se achava o companheiro, ergueu de novo a arma maquinalmente e um tiro reboou. Mas a pontaria feita no meio da cabeça foi ferir uma orelha do animal por culpa do charrua, que pusera a mão, gritando:
- Deixa o vaqueano, homem! Ele sabe o que faz.
A onça soltou um rugido, uma medonha berrançada, diapasão da sanha, fúria e vingança.
Ia saltar sobre o grupo, que já tomava a defensiva. Avençal arrimou o corpo a um galho a prumo, tendo os pés apoiados em dois outros horizontes. Tinha a manica das bolas na mão direita e estas pousadas no peito do pé.
O animal firmava-se para formar o tranco.
Ia devorar a distância. Uma das bolas, impelida pelo pé, sibilou como uma serpe, cruzou o ar como um corisco e bateu-lhe na paleta, no momento de saltar. A fera raivou com a pata suspensa, vacilou, firmou-se nos jarretes que lhe ficavam intatos, endireitou para o moço, rompeu o espaço do angico para a timbaúva. Em meio, antes de atingi-lo, foi um turbilhão. A outra bola célere partiu, alcançou-a, fracassou-lhe as mandíbulas, e ela caiu no chão entre o grupo atônito dos outros soldados.
Avençal, sobraçando a arma fulminante, murmurou consigo:
- Matei-a por defendê-los. Eu devia vir sozinho.
Súbito um vulto deslizou na penumbra. Parecia um réptil. Ergueu-se junto ao canguçu, se debatendo em horríveis vascas, e cravou-lhe uma faca no coração até o cabo.
O movimento foi tão presto que os aventureiros estatelaram. Quando saíram desse estado, torpor d'alma e dos sentidos, estavam presos. Um círculo de índios guaicanã rodeava-os.
- Amarrem - estrugiu uma voz de estentor.
- Moisés! - exclamou o vaqueano.
- Quem me chama?
- José, não te lembras?
- Avençal! - disse e em pouco os dois homens se abraçavam com profunda emoção.
Seus olhos manejavam copioso pranto. Os corações estreitados pulsavam com veemência. Não lhes foi possível articular mais uma palavra.
É que os sentimentos enérgicos, quer de júbilo, quer de pesar, sonegam na laringe as prolações que poderiam traduzí-las.
Capítulo VI – Moisés Moisés era um mulato, cuja vida desde a infância passara na caça.
Não havia na Província mais perito e experimentado caçador. Raro era o mês que não fazia descer aos portos mais freqüentados e comerciais, pelo menos, dez peles, ramo de negócios que, de sobejo, satisfazia as suas necessidades.
Uma exígua e diminuta horda indígena, pálido resto da antiga nação guaicanã, obedecia-lhe como a seus tradicionais caciques, recebendo em retomo da submissão, além da amizade sincera e leal, imensos favores do mestiço. Também ele fazia consistir toda a felicidade e alegria de sua existência naquele mundo à parte que criara para si. Casara há quatro anos com uma das mais gentis índias da tribo, e o novo laço mais reatara as relações que existiam.
Todo o poder de Moisés provinha menos do extremo valor e inteligência superior que incutiam respeito aos índios, que da gratidão pelo amor e simpatia que sempre lhes tributava. Nem há melhores penhores que os das dívidas do coração.
Quando rebentara a revolução, procuraram atraí-lo de ambas as parcialidades; porém, convicto de que os brancos que o desprezariam em qualquer outra ocasião, o chamavam agora por mero interesse ou para constituído ignóbil instrumento de suas lutas, teve a coragem e sabedoria de repulsar os encantos mágicos das promessas.
Respondeu que era bastante rico nos matos para desejar maiores posses e quanto às idéias que se debatiam entre os dois partidos, lhe eram indiferentes: porquanto a cor que trazia no rosto de per si o afastava da comunhão dos brancos, onde seria considerado com desprezo.
As derradeiras palavras aos mensageiros merecem ser rememoradas:
- Liberdade?! Quem é mais livre do que Moisés na serrania, onde não há ódio de raças? Onde o homem domina a terra, onde o amigo não mente ao amigo e a mulher não mente ao marido? Não quero mais liberdade do que tenho. Vede. Desde o cerro ali dependurado até o fundo dos taimbés, isto me pertence. Piso a pedra que traz o ouro e a atiro longe. E é isto que vindes oferecer-me? Parti, adeus. O mulato vive bem nas brenhas.
Eis o estereótipo do novo personagem.
Seu caráter ai se reproduz.
Quando as duas turmas toparam na selva e se seguiu o reconhecimento de Avençal e Moisés, este bradou aos asseclas:
- Soltem os homens.
Feito isto, voltou-se para o vaqueano, dominado por luridas e negras recordações.
- Então, José - pronunciou com carinho e expressão paternal -, como depois de doze anos vim encontrar-te em minhas terras?
- É simples, Moisés, não viste os fogos nas abas da serra?
- Vi e vinha para campear, quando um tiro me dirigiu para aqui.
- Pois são as forças do general Canabarro; faço parte delas como vaqueano.
- E o encontro aqui?
- Não tivemos hoje ração de carne; convidei a meus companheiros para tentarem a caça.
- De tigres?!
- Escuta - e em tom baixo prosseguiu -, o general ia mandar-me amanhã à estância de José Capinchos. Sabes que me era impossível, por isso ataquei a fera com a firme tenção de deixar-me ferir. Nesse estado, outro iria. Devia vir sozinho.
- Caramba! E não pensaste em mim?
- Eu não penso mais, Moisés, desde aquela noite. .. Oh! Não a lembro sem me arrepiar as carnes. Desde então procuro a morte e a morte zomba de mim! Pobre Rosita!
- Não tenhas cuidado, José, ela e o irmão ainda ficaram por cá dois anos; depois venderam campos e gadaria e ninguém mais falou deles, nem soube notícias.
- Nem desconfiam para onde foram?
- Não.
- Rosita deve amaldiçoar-me.
- Qual! rapaz. A doninha por ti era capaz de conchavar alma com o demo.
O caçador, notando que o assunto o mortificava, quis distraí-lo.
- Vamos a meus pagos; distam daqui vinte quadras. Lá temos bons assados de veado, tatu, anta e o mais que queiram.
- Ainda bem, que desde ontem não temos uma rês para carnear - refletiu Manduca.
- Com um tempo assim o gado retirou-se para o mato.
Pouco depois se puseram todos em marcha para a de Moisés.
Demorava a habitação do mulato numa clareira circular, impenetrável e oculta para qualquer outro que não fosse ele ou sua gente. O arvoredo, naturalmente cercado de grossos e longos cipós e pamponosas trepadeiras, tinha recebido retoques artísticos!
Assim, uma cinta de bambus cerrava o âmbito de tal modo que uma saracura ou galinhola com dificuldade romperia o ordume de folhas e espinhos. Em seguida a esta defensão que forrava o exterior, na parte interna via-se uma estacada de paua-pique, cujas extremidades chanfravam, formando perigosas puas.
Também a entrada não era por ali.
Dum lado desatava-se um cordão de rochedos alcantilados. Entre eles destacava uma larga fenda, conseqüência dum raio ou de abalo na crosta do globo.
Parecia sumir-se nas entranhas da terra, mas quem penetrasse por ela depararia um conduto ou via subterrânea de cinco a seis braças, terminando numa rua assoberbada pela penedia, que, de fora erguida a pino, por dentro era acessível e de fácil subida.
Constituía uma trincheira natural e inexpugnável pela qual se ia à clareira.
Aqui se desenrolava a taba, não estritamente como a dos selvagens, aperfeiçoada pela influência do mulato, marco miliário entre a civilização e a barbaria. As choças ou copés tinham janelas e portas e as últimas de altura que não obrigava a abaixarse para entrar, como acontece geralmente nas moradas do gentio.
Farroupilhas e índios entraram e momentos após refestelavam-se em torno dum braseiro, onde o cheiro de apetitosa carne lhes pruria o olfato, prometendo em pouco dar o que fazer ao paladar.
Enquanto não começava o br6dio, foram desentanguindo-se com alguns borrachões de chifre cheios de aguardente de palmito.
O vaqueano era o único que se mostrava sombrio no meio da alegria geral.
Capítulo VII - Os quero-queros Estamos a 22 de julho.
Anoitecera.
A vila de Laguna, à margem oriental do lago do mesmo nome, destacava nas sombras com suas casas que resplendiam caiadas com cal de marisco.
Era um lugar triste sob o céu invernoso, entre os nevoeiros hibernais, uma cena desoladora, uma perspectiva que estringia o coração.
Mal entardecia, o silêncio reinava.
Os balidos do lago e os bufidos do oceano, quase a meia légua de distância, perturbavam somente a mudez que selava aquele como movimento funerário branquejando no escuro da noite.
À borda do lago, na margem oposta, resvalou uma canoa em direção à vila.
Dois homens a tripulavam.
Talvez pescadores, diria quem os visse.
Abicaram à praia em horas mortas, ataram o barco a uma estaca e cautelosos começaram a subir uma cochilha que demora junto à povoação.
Mal haviam dado alguns passos, um bando de quero-queros levantou vôo fazendo desmesurado alarido.
- Diacho! Os malditos vêm até aqui! - murmurou um deles em tom baixo, em que se sentia a modulação trémula da cólera reconcentrada.
O outro enfiou o olhar pela espessa escuridão e respondeu:
- O irmão não receie, o pássaro da campina vela mais que o branco. O branco. O branco dorme.
No entretanto, as aves pervígeis dos vargedos pátrios continuavam a despertar a solidão com o gárrulo e ruidoso acento.
Os dois vultos deitaram-se por terra, por precaução.
É admirável o papel que representaram na revolução os quero-queros. Eram bombeiros que ambos os partidos tiveram sempre a seu serviço.
Os gansos, um dia, salvaram Roma de cair no poder dos gauleses; eles muitas vezes fizeram abortar ciladas e surpresas bem combinadas e amadurecidos.
Quantos que ainda subsistem daquele cataclismo político não se recordam agradecidos dos amigos voláteis que lhes salvaram a vida de traiçoeira emboscada, em que de certo pereceriam?
Quantos não lhes votam ainda hoje uma espécie de culto, como o romeiro árabe ao katã do deserto!
Quantos?
Porto Alegre sitiada, raro era o dia em que na Várzea e caminhos do Meio, da Azenha e outros não houvesse sanguinários tiroteios e correrias.
De parte a parte inventavam meios de destruição. As guerrilhas não cessavam. Os assaltos noturnos e de surpresa, protegidos pelo arvoredo dos arredores, eram diários.
Também ali velavam os pássaros das campinas do sul, como sentinelas incomparáveis que nunca conciliavam o sono.
Eram eles que davam sempre o sinal de alarma, que frustravam os ardis, onde o sangue espadanaria em tufos, e mais algumas vítimas seriam o êxito da empresa.
Os dois homens, quando viram que tudo permanecia no mesmo estado, continuaram em sua incursão.
Num sobrado, nas imediações da igreja de Santo Antônio dos Anjos, por uma vidraça, derramava-se abundante luz.
O que primeiro ouvimos disse:
- Quem está tão tranqüilamente não se teme de perigos. Esta gente não teve aviso.
- Irmão, a macega está sossegada e oculta a jararaca e a jararaca traz a morte no dente. Vou pedir pousada na casa em que vemos luz. Tomarei informações. Antes de amanhecer, virei dizer-te o que há para partires. Se te acontecer alguma coisa, faze-me ouvir o grito da gaivota.
E, dito isso, partiu.
Três vezes agitou a aldrava de uma porta de rótulas, antes que viessem abrir-lha. Uma negra apareceu afinal e, ouvindo o pedido de pouso, retirou-se, mandando-o esperar. A demora foi curta. Voltou logo para fazê-lo entrar.
Capítulo VIII Conhecidos O passageiro penetrou na sala.
Três exclamações rebentaram a um tempo, em coro.
- André! Rosita!
- Moisés!
André Capinchos e sua irmã rodearam o mulato, cuja epiderme de bronze empalidecera, a ficar fula. O destemido caçador tremia, tremia. . . De quê?
Tinha medo, ele que só se arreceava do braço de Deus, ele cujo punho robusto macerava os músculos das garras da onça, cuja clavina não errava um tiro, cuja faca não falhava um pontaço? Ele cuja grandeza o fizera o ídolo de uma tribo?
Não seria funda emoção?
Era tudo simultaneamente.
Travemos agora conhecimento com os novos personagens.
A família Capinchos compunha-se nessa épooa de duas pessoas: André e Rosa, irmãos.
O primeiro tinha uma bela fisionomia velada em melancólico descor, que denunciava uma mocidade abalada por fortes comoções morais. Quando a alma sangra, as rosas dos anos juvenis desbotam; o viço vai-se, resta a palidez da angústia entre os espinhos que pungem.
Então, contava trinta e dois anos.
Rosita era uma mimosa criação rio-grandense, o tipo sedutor da serrana; linda hortênsia como a que desabrocha nas suas florestas natalícias, figura radiante que demonstrava no moreno do semblante a aliança de duas raças, a comunhão do sangue americano e europeu.
Os olhos negros, úmidos de volúpia, eram como dois guabijus nos rocios da madrugada, refulgindo ao primeiro raio do sol;
diziam tanto amor, tanta saudade que mais não!
Às vezes, dir-se-ia, vendo dentre os cílios veludosos fugir rúbea centelha, que uma tempestade rugia em seu coração. Então o rubor que lhe purpurava a face, esvaecia em ténue vapor, e o corpo, de contornos de uma estátua helena, sentia como lhe passar o fluido da morte.
O que era?
Deus e ela o sabiam, e quem sabe se ninguém! Há tanto mistério e incoerência numa compleição feminil, que mais vale atingir as raias do infinito, contar as areias do fundo do oceano que lhe profundar os pensamentos.
Há 12 anos, depois que perdera o pai, se um sorriso vinha engastar em seu lábio mórbido, distendia as pétalas da melancolia.
Parecia trazer lágrimas de imenso infortúnio.
Choraria de constante aquela moça?
O que significavam as lívidas olheiras, mergulhando em sombras os lindos olhos?
Há arcanos num quarto de virgem que nenhum profano ousará jamais devassar.
Talvez chorasse por noites em que a imagem de uma saudade se reclinasse no seio túmido de suspiros, quando em ermas insônias uma visão deslumbrante lhe passasse pela mente, como uma estrela à face do céu, como uma pluma de colheireiro à flor do lago; talvez chorasse um passado que foi e não há de voltar.
Nós, os homens, naturezas graníticas, quantas vezes não folheamos o livro da florida razão da existência, enviando-lhe um temo saudoso, saturado de pranto que embarga a voz e nos faz descrer do futuro? Há momentos em que o passado resume todas as venturas da vida; porque o presente é uma agonia, o futuro, um mausoléu. Então ele vale mais que uma recordação agridoce, soberba flor do cacto entre os acúleos, sentimento que só o lábio luso derrama nesta harmonia: Saudade! Saudade!
Por que Rosita na vigésima-sétima primavera não terá também uma história - compêndio do sorriso que se entrelaça à lágrima? Ilha de delícias num mar de procelas?
O coração de uma moça, desde que atinge a nubilidade, enceta um romance, às vezes, rico em episódios, raros, quase excepcionalmente pobre de sentimento.
Capítulo IX O caracará e a juriti Moisés - dizia André -, sete anos lancei-me em busca do assassino de meu pai. Eu havia jurado uma vingança se, parelha...
Hépuxa! se lhe boto a mão! ... Queria estaqueá-lo durante dois dias, insultando-o, cuspindo-lhe às faces. .. E depois?! Ah!
Ah! Pôr-lhe-ia a marca da vítima, o ferro em brasa no rosto...
E fez breve pausa para rir como não ri um ente humano. Estranho rir, mefistofélico e divino! onde à ironia adunava uma dor profunda, ao ódio a grandeza de um sentimento santo, onde o céu e o inferno pareciam fazer a mais incrível das alianças!
O mulato sentia gelo até a medula dos ossos.
Rosita empalidecera. Um busto de lioz não tinha a brancura dela: mas também despedia do olhar rútilos do jaguar ferido.
Semelhava uma camada de gelo em cujo seio ebulia um vulcão.
- Que tens, irmã? - perguntou com acerbo sarcasmo.
- É horrível! É horrível - e ocultou a fronte entre os braços.
- És muito piedosa! - e tinha tal expressão no cenho carregado, onde condensava uma tempestade que arrancou um grito involuntário a Moisés.
Voltando-se para este, prosseguiu:
- Não é nada ainda, Moisés. Descansarei por alguns dias. Vendi todos os meus cabedais para campeá-lo, semanas, meses, anos e séculos, se fora possível. Dobras, as tenho de remanescente. Depois das estacas o ataria ao palanque, e o laço havia de vergoar aquele corpo infame. Ah! eu não o ter, não poder executar meus planos!
A raiva o sufocava, parou e tomou fôlego.
- Em continuação, cerceando a mão direita, mandaria queimá-la em sua presença, mão maldita, que, por Deus, hei de topá-la ainda! Ainda, Moisés, nova parada para tratá-lo. Quem assim sabe poupar o inimigo, torna mais doce a vinganga. E o fim?
Coepuxa! Que bonita charqueada! Carneava-o vivo.
O caçador em pé, aterrorizado, tinha uma das mãos na cadeira, em atitude de fugir. Os cabelos encarapinhados estavam hirtos no pericrânio como os espinhos na palma da urumbeba.
A moça erguera o porte. O colo arfava ofegante. A cólera bulhava; das pálpebras chispavam incêndios. A fronte altiva derrubada sobre a espádua cingida de uma auréola rubra e luminosa era a mais sublime idealização do desafio. A destra erguida radiava uma provocação:
- És um miserável! - exclamou. E na frase que soltara espargia todos os estos do coração, todos os eflúvios da alma... Aquela frase queimava mais que a lava candente.
O irmão caminhou com passo lento, tomou-lhe o pulso, o constringiu a roxear, sem que ela mostrasse nos músculos a menor crispatura espasmódica de sofrimento, sem que soltasse um só gemido.
André disse com inflexão lúgubre:
- Rosa, eu quero vingar nosso pai. Ouviste?
- Mentes... Eles cruzaram as armas. .. Mentes, covarde! Não ousarias afrontar José, face a face.
André apertou-lhe o pulso com mais força. O sangue golfou em jorro. Ela desmaiou.
- Mulheres?! Audácia e fraquez!I Nódoas numa família!
Abandonou-a.
Seu rosto readquiriu a impassibilidade habitual. As rugas distenderam. Procurou Moisés. Desaparecera durante a última cena. O mulato saíra alucinado. Só ao transpor a soleira da casa, sentindo a baforada fria da noite, voltou a si e pôde refletir.
A caminho, veio-lhe mentalmente a comparação do homem que deixara, com tão agradável conspecto, ocultando um coração pervertido, e os animais que caçava constantemente. E em sua consciência decidia que se o houvesse morto teria feito um grande bem à humanidade. Veleidades teve ele de retroceder para satisfazer a inspiração de momento; mas a comissão que desempenhava o retinha, bem como a espécie de terror que lhe incutia o adversário.
- Caramba! Ver a pequena assim aperreada e consentir que ele fizesse o que não deixo um caracará fazer à juriti!
Teve medo... Ninguém dirá...
E assim ponderando, lembrou-se do guaicanã: - Que a erva tranquila escondia a jararaca.
- E quem mata uma jararaca não tem lá nenhum crime - continuou a falar de si para si. - Valia a pena lhe destroçar a cabeça.
Não sei mesmo que diabo tive; foi uma nuvem que me passou cá pela vista...
O grito da gaivota penetrou o silêncio da noite.
Moisés parou o passo e o cogitar. Arrastado pelo monólogo, abalado pelo que assistira, e quase de corrida, esquecera o companheiro.
O índio encostado a uma moita adormecera. O filho da selva tem o sono leve como os quero-queros da campina. Acordara às compridas pisadas do caçador. Lobrigou o vulto na penumbra, e em distância não pôde reconhecê-lo. Atirou o nariz ao espaço; três minutos depois recebeu emanações que o fizeram desconfiar, e, para certificar seu perigo, deu o sinal convencionado.
Outro grito da gaivota repercutiu.
Um corpo serpenteou na escuridão como um reptil e foi deter-se junto a Moisés.
- Então?
- À canoa, depressa.
Capítulo X - Regata noturna Acanoa deslizou na superfície arrepiada da laguna sem fazer bulha. Ia remando a voga surda o índio.
Mal haviam arrancado da praia, os quero-queros desprenderam o clamor de desperto no descampado.
O irmão acordou o branco. E, suspendendo o remo, debruçou meio coreto à borda da popa, com o ouvido inclinado para a terra.
- Que vês? - perguntou Moisés.
- O capim estala às passadas do inimigo. O vento traz algumas vozes.
- Quantos julgas?
Sobresteve por instantes na mesma atitude, distendendo finalmente a mão e mostrando os cinco dedos.
- Vêm perto?
- Sim, e a cotia não anda mais ligeira nas folhas secas do mato.
- Partamos, não há tempo a perder.
E o mulato, engatilhando a clavina, que depositou sobre o joelho, travou com rapidez de um remo.
A pequena nave arquejou e rompeu o seio das águas, deixando após si uma esteira espuma. Jamais o biguá sulcara a onda do lago tão ligeiro como o leve lenho.
O mulato procurava adivinhar os motivos de semelhante perseguição. Enquanto os braços se esforçavam na retirada, o pensamento passava por laboriosa gestação. Quem o perseguia? - perguntava. Não cria que o tomassem por bombeiro dos farroupilhas. Na vila ninguém mesmo os supunha capazes da inaudita audácia de invadirem uma província comarcã.
Concluíra isto da conversação que tivera com André, antes do último episódio a que assistimos.
Quem sabe se o próprio André, como ele fora testemunha da cena com Rosita, não queria envidá-lo? Daquele homem tudo era fácil de esperar.
- Moisés! - rugiu uma voz sobre a margem. Era ele. O caçador, como ferido por uma pilha elétrica, notou sobre se devia responder. Resolveu calar-se.
Uma descarga de fuzilaria fez reverberar fosforescentes as águas que despediram feixes de centelhas, ao clarão inesperado.
Uma bala assoviou junto à face de Moisés, que, tomando a arma, a desfechou em direção ao ponto de onde atiraram. Um gemido anunciou-lhe que a carga fora bem empregada.
O guaicanã travara do arco no fundo da canoa e fizera também voar duas flechas, cujo sibilo foi abafado pela voz de Capinchos, ordenando aos seus:
- Depressa ao bote, tragam-me o negro morto ou vivo.
- Aos remos! - gritou Moisés.
- Aos remos - repetiram os outros como em eco na lezíria.
Sucedeu-se então uma cena cheia de movimento, uma regata a vogas forçadas, onde cada qual punha todo o cometimento, uns em tocarem a terra, outros em alcançarem a canoa.
Expliquemos os motivos que obrigaram André a seguir as pegadas do hóspede arredio. Quando o procurou e achou-se a sós, suspicaz como era, dominado por uma idéia fixa e invariável de sangue, natureza felina sempre preparada ao salto, teve um pressentimento ominoso. Ligou certos acidentes, a principio despercebidos, como o ar assustadiço de Moisés, o recato em dar informações quando ele as pedira, e tomou a resolução de, a todo transe, sondar a suspeita que pungia.
O mais já desfilou nas peripécias referidas.
Não lhe restou, porém, mais dúvida quanto às más intenções do mestiço, desde que o viu embarcado e fugitivo. Chamou-o, e não obtendo resposta, mandou seis dos peões ou capangas, que o seguiam, atirarem, fazendo-os incontinenti embarcar. Um destes caiu-lhe ao lado e ele mesmo sentiu a pluma de uma taquara titilar-lhe a pele. Não se intimidou, pelo contrário, o ataque exacerbara-o mais. Ter agora o inimigo sob seu guante ferro, sob sua vontade inabalável, era não só urgente, mas necessário, impreterível. Os meios não os considerava ele, ex-estanceiro de baraço e cutelo, o homem que respirava pelo pulmão do crime, movia-se pelo nervo do ódio, não pensava senão pelo cérebro da vingança. Todos os meios eram possíveis, legítimos; o mais escabroso não era justificá-los, a dificuldade residia na execução. Também a ela punha ombros com afinco desesperado. Assim havia 12 anos que procurava Avençal, sem desânimo e fadiga; havia 12 anos que a contrariedade lhe desenvolvia de dia para dia o plano cruento em germe, o fazia abrolhar mais robusto e vivaz, ajuntava mais alguns apêndioes terríveis, mais se radicava em sua natureza, consubstanciava o próprio homem.
Não são apenas as grandes idéias e os nobres e acendrados sentimentos que granjeiam fanáticos; os instintos grosseiros, a causa do mal e da perversidade arrastam-nos também a seu carro de triunfo. Com Sócrates vem Anito, com o Nazareno a seita farisíaca, com Galileu a inquisição. Maxêncio sorri. vendo a extenuação da vítima ligada aos cadáveres; Nero depara um devaneio de artista no incêndio de Roma.
Numa esfera mais obscura e menos esplêndida, porém não menos verdadeira, destaca Avençal a par do vulto de André. A
diferença repousa na distância da história ao romance. A lógica das paixões é idêntica.
Capítulo XI - Pechada morruda O tiroteio marítimo continuou talvez pelo espaço de duas horas sem a gente de André, apesar da superioridade do número e do batel o conseguir dar abordagem ao fraco toro de timbaúva concavado, cuja tripulação resumida e em retirada não entibiava de ânimo. A canoa ricocheteava salpicando o ar de gotas por miríades à contadora quilha. Os remeiros tinham a vertigem de vôo.
O leve madeiro semelhava à ave aquática abrindo as asas e esvoejando à flor das ondas.
Os mercenários peões não puderam nunca romper e ganhar terreno nas 50 braças que os distanciavam, nem poupavam balas que, sempre desviadas do alvo, indicavam os braços servis que as atiravam.
O céu, entretanto, embruscou-se, a frouxa claridade das estrelas começou a empanar pela carneirada de nuvens que uma brisa do sul arreganhava.
A escassez de luz protegia a Moisés e a seu companheiro, tornando-os menos visíveis; contudo não se embeveceu com o auxílio quase providencial, viu que o perigo não era menos iminente. Com o pensamento em atividade, os pulsos em motocontínuo, a pupila acesa na treva espessa da noite, o suor a filtrar em bagas, não confiava muito em milagres, sem esforço individual. Vislumbrara-lhe a doce esperança numa sombra projetada na face cintilante das águas. Há muito a contemplava com olhar magnético. Era uma grande ilha de aguapés que boiava na rota seguida.
Quando se avizinhou dela, achegou a boca ao ouvido do índio e disse em tom baixo e incisivo, indigitando-a:
- Ali.
Ergueu o talhe robusto, sepultou a clavina no fundo do pego. O outro, que logo lhe compreendeu o Pensamento, tomou o arco.
Ambos segurando as folhas da planta marinha, impeliram com os pés a borda da canoa que flutuou em direção norte, quando eles com bracejo surdo arrastaram a salvadora cesta de nenúfares à margem meridional, e só perderam um pouco de terror misterioso que os dominava, depois que ouviram mais ao longe o ranger dos toletes às remadas no bote.
O estratagema iludiu perfeitamente os contrários.
Mas qual não foi a admiração e pasmo destes quando se viram no triste ludíbrio de uma ilusão ou de um acontecimento fantástico, deparando com a canoa vazia. Interrogaram-se mutuamente com os olhos, com a palavra e os esgares.
Oscilaram alguns instantes duvidosos sobre o rumo que tomariam. Ao fim com o instinto de feras esfaimadas foram no encalço certeiro. Verdade é que os perseguidos lhes davam lampas, além da circunstância de terem desaparecido de um modo estranho e sobrenatural.
O mulato e o guaicanã apojam à praia, galfam o solo, entre a rama miúda e rúla dos sarandis. Ladeiam alguns momentos o lago e internam-se numa ponta de mato, onde haviam deixado à soga dois cavalos. Parou de súbito Moisés e levando as mãos à cabeça:
- Aquele homem! Aquele homem! Sempre que o encontro uma desgraça me acontece.
O outro curvando-se e examinando um arbusto donde pendiam ainda os fragmentos de duas rijeiras de guasca, disse com gravidade:
- O guaraxaim protege o inimigo, irmão. Os cavalos voltaram ao acampamento.
Sem trocarem mais uma palavra, ambos sumiram numa densa reboleira do matagal.
As nuvens caliginosas distenderam e o céu começou a peneirar fina garoa que, condensando, cobriu a terra de um manto inconsútil, alvacento e imenso, como o espaço que o olhar abrangia.
Deus velava por eles.
A cada passo os interceptava à perseguição.
Meia hora escoara. Moisés e o guaicanã caminhavam calados e tristes, tendo na passagem sérias precauções para evitar que encontrassem a trilha percorrida por eles. Nenhum sinal até então indicava que os sicários de Capinchos os fariscavam.
Súbito o indígena estremeceu, abaixou-se, colou o ouvido ao chão e sacudiu a cabeça.
- O que há?
- Eles!
- Caramba!
Trazem cachorros.
A brenha era cerrada. De instante a instante o latir dos cães aproximava. A folhagem ramalhou. O índio embebeu uma seta no arco, a qual sibilou e deitou por terra um bugio. Também, sem demora, cingindo um tronco, trepou por ele acima. O
mulato fez outro tanto. Ambos começaram a saltar de galho em galho como dois quatis que fogem à sanha dos caçadores. A
viagem aérea foi de pouca duração, no espaço de menos de uma quadra.
O guaicanã calculara que os seguiam pelo rastro. Matreiro como um veado que conhece o olfato da raça canina, extinguiu todas as emanações que pudessem traí-los. E para ganhar tempo e deter os cães, abateu o bugio que tivera a imprudência de vir espreitá-los.
Enquanto uns assim exauriam os recursos de defesa, a peonada de André, tão prática e conhecedora de semelhantes meios como eles próprios, não os economizava para alcançá-los.
-Desembarcando, conheceram logo o desastre da perda dos cavalos e concluíram que fugiam a pé. Puseram, pois, os animais à pista.
- Furtam-nos a volta - disse um, parando ante a presa que agonizava atravessada de uma flecha. - Vamos negaceá-los de outro jeito. Dividiu a gente em duas turmas e cada uma tomou diferente caminho com o propósito de se reunirem numa campina fora do mato.
O mulato e o companheiro, saindo do bosque, entraram num descampado, onde agachados entre as macegas prosseguiam rápidos na retirada. Ali encontraram uma partida volante de farroupilhas. Criaram alma nova e, em vez de recuarem, avançaram, esperando a pé firme. O inimigo não tardou muito. Vinha a marcha forçada. Além da cerração, o auxílio que viera como caído das nuvens deu a Moisés o condão de fazer prodígios. E os fez. Quando a gente de André pensava agarrálos e conduzi-los como terneirinhos à mangueira, sofreu tal refrega, que nenhum conseguiu escapar; uns mortos, outros prisioneiros.
- Caramba! - rugiu o mulato - que pechada morruda!
Capítulo XII - A estância de Gil Devemos algumas explicações ao leitor.
Quais as relações do vaqueano com o caçador?
Por que o último resolvera tomar parte na revolução, relutando ao princípio em acompanhar quaisquer das parcialidades?
Lancemos uma vista de olhos ao passado, onde se descortinam as peripécias de um drama congênere do que vamos esboçando.
Em 1813, Gil de Avençal, descendente de uma antiga família de vicentistas, que no começo do século 18 viera em demanda de novas terras, vivia na Vacaria, feliz e abastado. Menos inquieto que a raça ciclópea de onde provinha, raça que vencera todos os obstáculos e dotara o Brasil das fronteiras atuais. Gil sentara a tenda sedentária no sertão e deixara a vida deslizar como tranquilo regato à sombra do arvoredo. Deus lhe dera para cúmulo de venturas uma terna mulher e quatro loiras crianças, prole mimosa e gentil em que remoçava e a cujos sorrisos transparentes de candura desfranzia o cenho de natural carregado.
Possuía uma estância de seis a sete léguas.
Quem no pino do dia contemplasse seus dilatados domínios, os imensos plainos a perder de vista, teria um espetáculo digno de recrear-se. A úbera savana semeava a uma alfombra de turmalina com os mais variegados recamos, formados pelos reflexos de pêlos dos inúmeros rebanhos. Ali as reses não se contavam senão nos apartes. Se havia necessidade de carnear uma, dois laços iam procurá-la, um a enlaçava pelas aspas, e outro a pealava; e a abundância era tal que levavam apenas a porção mais preciosa. O que largamente remanescia deixavam para repasto dos urubus aninhados nos calvos mamilos dos cerros ou aos maracajás e cães selvagens, de espreita no debrum das selvas.
Nesta terra abençoada onde a charrua do progresso só há quatro séculos começou a rotear, todos têm o seu quinhão na distribuição dos bens; ainda a esfinge da miséria e do infortúnio sem nome não atirou aos ângulos do espaço um enigma desolado que faz aborrecer a vida e blasfemar de Deus. Ninguém morre de fome. Os frutos prendem das árvores seculares, a maniva rebenta por mil estolhos do terreno inculto, os campos pejam-se de armentio sem conta. Parecem dizer: "Pássaros do céu, habitantes das florestas e das campinas, vinde, isto tudo é vosso". O colono deixa a pátria, e das praias ultramarinas vem faminto, sequioso, desesperado ao éden do Colombo, à luz de um sol que alenta e não mata. A Europa é o Prometeu mítico, em cujas vísceras o bico de um abutre trabalha sem cessar: a comuna que há de arrojá-la moribunda às portas do futuro. Às vezes, o homem aqui mesmo arranca um grito de angústia, rola na degradação de sua própria entidade... Por quê? Porque herdamos com uma civilização estranha, importada diariamente, seus vícios orgânicos.
Esquecemos a originalidade que nos era própria pela cópia servil que nos mostra contrafeitos. Devíamos ser para imitar e não imitadores.
Deixemos, porém, a digressão e voltemos ao remanso da felicidade. Falemos de Gil.
Além dos cabedais mencionados, dizia-se que ele tinha em cofre riquezas fora de toda a estimativa, ouro que minerara em época remota nas lavras de Santo Antônio, perto de Caçapava.
O maior amigo do estancieiro era José Capinchos. Ocupava um dos principais postos da fazenda e era pago como nenhum posteiro do tempo. Recebia mensalmente quatro dobrões, três reses para alimentação, uma ração de tudo que se consumia em casa, devendo juntar-se a tais vantagens a permissão de criar numa sesmaria de campos e matos que lhe fora doada.
Capinchos tinha rara habilidade para insinuar-se no ânimo do amigo, que, em qualquer negócio, por mais íntimo que fosse, o consultava, fazendo sempre prevalecer sua opinião.
Maria, a mulher de Gil, via seus conselhos bons e santos, como o coração que lhe pulsava no seio, destruídos ao influxo de um estranho, a quem desde o princípio votara desconfiança, e para o qual sentia tão instintiva aversão, que procurar extinguila foi sempre lhe dar incremento.
Era um anjo Maria. A asa negra dos pressentimentos tocou-lhe o cristalino lago da alma, riçou-lhe a superfície serena.
Entristeceu a olhos vistos. E a prevenção em que estava para com o posteiro fizera-a, por vezes, como entrever planos tenebrosos que, incubados silenciosamente no cérebro, vinham refletir-lhe na fronte sombria. Mas calava tudo, recolhia-se merencória e resignada no santuário de suas virtudes, no amor de seus filhos. Não queria que o mais tênue laivo de dissabor anuviasse o céu do lar, onde jamais cruzara o losango de tempestades domésticas.
Uma tarde Capinchos saíra com Avençal a uma correria na selva. Dizem que voltara sozinho.
No dia seguinte, a casa do estanceiro era um lúgubre cenário, no quadro de horrores. Maria e três filhos tinham sido assassinados. O marido, ninguém sabia dele, bem como o primogênito das crianças.
Num ápice fora consumada uma tremenda tragédia!
A morte selara tantos lábios cintilantes da vida e inocência! Almas cândidas e puras o braço do crime abriu-lhes as veredas celestes, correu-lhes a cortina dos horizontes intérminos, atirou-as aos braços de Deus.
Quem desfez o idílio da ventura?
Que ave maldita soltou o pio agoureiro sobre a mansão plácida e risonha, o retiro campestre sumido e obscuro na imensidade dos desertos americanos?!
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Foi o ninho do beija-flor no sarmento da mucunã. O pampeiro veio e levou-o.
Capítulo XIII - A lenda O posteiro estava desesperado, chorava sobre os cadáveres da inditosa família e, na exaltação de seu ressentimento, acusava o mulatinho Moisés do horrendo crime.
A dor que lhe arrancava lágrimas e suspiros em borbotões tinha tal caráter de sinceridade, que ninguém poderia duvidar da amizade que ele tributava a Gil de Avençal.
Mas foi injusto em suas recriminações contra Moisés.
O que então era este da casa? Que papel representava na família?
Nascera de uma escrava e fora liberto na pia batismal. Nas senzalas afirmavam que era filho do estanceiro. Faltavam as provas e quem as pudera apresentar, sua mãe, morrera na ocasião de dá-lo à luz. Todavia o fato da manumissão, sem motivos plausíveis, mormente nesta época, deixara entrever, porventura, alguma coisa de verdadeiro no boato espalhado pelos negros da fazenda.
Quando se consumou a catástrofe sanguinária, ele estava ausente; saíra a tropear, fato que ou Capinchos desconhecia na acusação que lhe fez, ou então de que quis aproveitar para distrair a atenção de sobre si.
De volta, encontra de pé a calúnia, apesar de o defenderem todos os escravos de Gil, e diante da imputação de crime tão horrendo desvaira, foge, busca os sítios mais impérvios da serra, quando poderia demonstrar sua inocência com o depoimento das pessoas entre quem se achava, quando se dera o acontecimento.
Só um ano depois, serenado o espírito, deseeu dos retiros onde convivera com indômitas feras e a já minguada tribo dos guaicanã, procurou a justificação que devia lavar a pecha infamante atirada a seu nome.
Pela ciência criminal a evasão agravaria o suposto delito. Pobre ciência, pois vê no rosto conturbado um documento comprobativo! Pobre ciência que não tenta sondar o oceano dos fenômenos morais, que afasta de si, repele com ar severo e movimentos ríspidos o testemunho da fisiologia! que admitiu uma craveira invariável para o gênero humano, como se todos os corações fossem vazados num mesmo molde e todas as naturezas tivessem idêntica manifestação do sentimento! que, enfim, não deduz dos fastos dos tribunais a luz da verdade que deve conduzi-la e aclará-la, e onde, no entretanto, a face de Lacenaire desorienta os juizes pela cínica cotagem e doce placidez que a reveste, e o inocente Lesurques estremece, titubeia, desmaia ante o aparato e espetáculo da vindita social!
Por ela Moisés fora um sicário, sofreria a última pena; para a consciência do mulato, e para Deus a justiça da terra cometeria a mais clamorosa das iniqüidades. Felizmente, nos tempos que iam, a vítima da caluniosa imputação saiu sã e salva. A ação judiciária não chegava senão tíbia a lugares distantes; até garantia a impunidade. Ninguém, portanto, teve a lembrança de fazer averiguações relativas aos verdadeiros culpados. O ano decorrido começara a apagar a triste impressão, e o pó do esquecimento depusera a primeira camada sobre a tela de horrores.
Moisés tinha lá consigo desconfianças pouco mais ou menos verossímeis. Recaíam de cheio em José Capinchos. O posteiro tornara-se dono da estância, senhor opulento que trajava como o mais guapo monarca das cochilhas, despendia à larga e pretendia os foros de caudilho, quando não havia muito arrastava as chilenas à sombra de Gil. Fortuna e maneiras tão de rebate faziam-no refletir, mas na falta de um indício veemente, que o guiasse à verdade, recalcava na alma a suspeita e suspendia os juizos.
Soube então que o filho mais velho de Avençal conseguira escapar milagrosamente ao ferro homicida. Era José. Procurou-o.
Três anos despendeu ele em pesquisas infrutíferas, até que foi depará-lo numa distância de cem léguas. Foi nessa ocasião sabedor do que ignorava a respeito dos episódios da noite do ano de 1813. O pequeno José fora deitar-se e uma negra, que servia na casa de mucama e o estimava como filho, o entretinha antes de conciliar o sono com um desses contos que todo o mundo relembra saudoso dos dias da infância. O menino a escutava preso da atenção que se lhe difundia na pálpebra largamente descerrada.
A história, vamos reproduzi-la pelo caráter peculiar de pertencer à Província e mais certo ao Brasil inteiro. É uma lenda que suaviza o cálice amargo da escravidão, grinalda de odorosas flores entrelaçados às algemas, bálsamo anódino sobre a úlcera que sangra no peito do cativo. Ai vai. Falta-lhe em nosso estilo o pitoresco da linguagem e a fidelidade no desenho dos costumes; resta-lhe, porém, a verdade de fundo:
O RESSUSCITADO
O pai Curruira, filho do reino de Benin, acaba de morrer com 93 anos pelos cálculos de seus companheiros. Morreu, e a tristeza não se estereotipa nos rostos azevichados da cafraria; a angústia e o alarido de carpideiras não cercam o corpo do finado, como última homenagem a seus restos. Ao contrário, o urucongo e o bujamé despedem sons festivos. Cada matrona e cada rapariga se enastrou do melhor que pôde. Colares e manilhas de missangas de coral e vidrilho com caurins entremeados ou pendentes lhe cingem a garganta e os pulsos, fazendo ao reflexo variegado realçar o ébano da cútis. O
candombe deslaçado em meneios lascivos, o canto de diapasão áspero e monótono formam o cortejo mortuário em roda do cadáver.
Presidia a festa, que simulava estranha macabra de vampiros ou bruxas, Maria a Conga, a quem a senzala venerava como rainha ou fetiche de um culto profundo.
- Mãe Maria - perguntou um crioulo vivo e esperto como um demônio traquinas como todo moleque -, por que o branco chora quando morre um dos seus e o negro ri?
- O negro - respondeu a respeitável veterana, passando a masca de fumo de um lado para o outro da bochecha - morre aqui para viver na África. Vai ver o berço em que nasceu debaixo das tamareiras e abóboras, vai correr as areias em que brincou em tempo de criança, vai ver a pátria.
O crioulo arregalou ao princípio os olhos, pensou por instantes e, em seguida, coçando a cabeça, a sacudiu em ar de dúvida.
- Quem morre então vive depois? - ajuntou.
- Não crês, menino? Vou contar o que aconteceu ao irmão de Inhabané.
- Mãe Maria vai contar uma história! Hih! Hih! Hih! Venham ouvir.
E de contente saltava como um cabrito. Logo um cardume de cabeças infantis e alegres, mostrando os dentes alvos como as presas do elefante, com as pupilas de gazela avivadas pela curiosidade, ferveu em torno da velha negra.
Músicas, cantos e danças sustaram.
Todos quiseram ouvir a palavra do oráculo de suas crenças, da pitonisa africana que guardava no coração as memórias da pátria distante. Mãe Maria tomou um cepo junto ao fogo. Os mais cruzaram as pernas no chão de argila pousando o cotovelo sobre elas e a face sobre a mão. É a atitude de quem quer ouvir atentamente.
Em pouco nem o mais leve ruído saía do círculo, de gente, cujo centro era a venerando Maria. Até a respiração parecia estar sufocada.
Ela começou pausada como a prudência, solene como um mistério:
- Muitos anos já vão, filhos, desde o tempo em que Inhabané, junto às águas de Cuanza, fazia guerra aos homens do outro lado do mar! Muitos! Quantas vezes já as árvores não despiram as folhas?
- Quem era Inhabané, Mãe Maria? Quem era Inhabané? - interrogaram em coro.
- Rei e senhor de Cassange... A velha que fala agora não era como vêem. Hoje está curvada ao peso dos anos, não caminha, nem pode trabalhar... Oh, naqueles tempos ! Bons tempos em que tinha por cama finas esteiras de Loanda, e vestia lindas roupas de pele e tinha os caurins do mar e pisava o tibar, ambição do branco. Então meu corpo era direito como a palmeira, ligeiro como o gamo dos montes de Kong... Ah! Bons tempos de Cassange que Maria há de tornar a ver!...
- Bons tempos de Cassange! Bons tempos! - repetia multidão com a fidelidade de um eco quando ela curvava fronte senil no seio das recordações e nas saudades do berço.
Depois de instantes de místico recolhimento, prosseguiu:
- Os homens do outro lado do mar venceram a Inhabané, o guerreiro, o valente, a esperança de Cassange. Ele foi preso, ligado e vendido para as terras dos Brasis.
- Mau branco! Mau branco! - rumorejavam os ouvintes com assomos de ódio.
- Inhabané teve um ruim senhor que amou a mulher do cativo e quis tomá-la. Era Kuniah, formosa entre as formosas. E
Kuniah resistiu, porque tinha um coração que não era dela, era de Inhabané, seu senhor e seu rei e pai de seus filhos. Kuniah resistiu e teve o corpo cortado ao açoite e foi vendida longe dos filhos e do marido, alegria e sol de sua vida.
- Que dor, Mãe Maria! Que dor! - gemia a turma.
- Inhabané teve uma tempestade aqui - e a velha pôs a mão rugosa sobre o peito -, feriu o perseguidor de Kuniah. Pobre rei!
Foi levado ao tronco como o último dos servos, o laço regoou suas carnes, o sangue do príncipe de Cassange ensopou a terra do cativeiro.
Ah! quizília de branco! - E a cafraria saltava de pé, trêmula e fula de cólera, o olhar ardente e sanguíneo, as crispadas pelo ódio e desejo de vingança, o gesto saturado de ameaças.
- Filhos, silêncio! - E desatou um ademane imperativo para que sentassem.
Tudo voltou à imobilidade das cariátides no sopé do antigo monumento.
- O rei de Camange sofreu muito. .. muito! Desonrado procurou um jerivá que recordava a pátria em suas palmas, subiu até o olho do coqueiro, atou um cipó e enforcou-se.
- Pobre Inhabané! - murmuraram em tom pungente.
- Feliz! feliz! repeti, filhos. . . - E atirava longe de si a masca com um movimento de inspirada.
Todos a fitaram pasmados, Ela continuou.
- Ninguém viu dependurado o príncipe, sem chorá-lo. Quando foram no outro dia buscar o corpo para enterrar tinha desaparecido.
- Tinha desaparecido!? - perguntaram boquiabertos.
- É verdade, Inhabané tinha dormido nas terras do cativeiro para acordar nas terras da pátria.
- Quem viu? - interrogou o crioulo que der, motivo narração.
- Maria viu, menino. Era de madrugada. Maria inda era livre, ia banhar-se nas águas do Cuanza. Então Inhabané saíra dentre as palmas de uma tamareira, contemplava como num sonho o país que há tanto deixara e vinha de novo possuir.
Desceu e começou uma guerra de morte contra os inimigos. Esperemos, filhos. O pai Curruira foi hoje, amanhã nós iremos.
Quem diz é Mãe Maria.
- Amanhã iremos... nós iremos - repetiam profunda fé.
Por momentos trataram do caso, sem comentários, e em seguida foram renovar com mais entusiasmo as festas em tomo do finado.
Eis o que a escrava narrara ao pequeno José Avençal, pouco mais ou menos.
Era uma cena a que havia pouco assistira nos galpões da senzala.
Capítulo XIV - Amaral Mal terminava, ouve um grito tremendo, seguido de gemidos dolorosos. Corre a ver o que era.
Na varanda, à luz de uma candeia de garavato, cujo eslabão fora torcido com grande esforço para arrancá-lo do muro, onde estava pregado, presenciou um quadro, que a pena não traça com suas mais negras cores, e compreende-o só quem pôde assisti-lo.
Sobre o soalho estorcendo-se em cruas vaseas, Maria, a esposa de Gil; junto um homem degolando o filhinho que a desventurada mãe amamentava. A miséria toda retalhada de golpes, rotas as artérias, arquejante, ainda tinha forças nas derradeiras convulsões da vida para erguer o corpo a meio e pedir com palavras, que vinham em ondas de sangue, pela inocente vítima. Sublime arranco da maternidade! ...
A escrava não pôde reconhecer o assassino, pois estava envolto num imenso poncho talar e mergulhava o semblante nas largas abas de um sombreiro. Recuou espavorida, voou ao quarto de José, fechou a porta por dentro, tomou o menino ao colo, e, abrindo uma janela que dava para o campo, vingou-a de um salto. De passagem incorporou à fugida três companheiros que encontrara, contando-lhes o ocorrido em frases rápidas e interjectivas.
Depois, como caminheiro que embebe sob as patas do cavalo, cochilhas, canhadas, sangas e várzeas, fugindo aos olhos azuis dos boitatás, eles atravessaram durante meses larga extensão da capitania, tendo o cuidado de evitar os povoados.
Grandes e nobres romeiros!
Quando podiam quebrar os grilhões da servidão, faziam timbre em mantê-los, guardando a infância do único senhor com todo desvelo, todo o amor capaz de conter o coração humano para um filho, todo o culto, que se derrama nas aras divinas!
Não digam que era a fidelidade do cão! Não, por Deus! Onde há uma alma livre, uma consciência, só pode haver sacrifício e abnegação, nunca o rastejar do animal que é servil, submisso, feliz atido ao jugo, porque não concebe a liberdade e muito menos pode aspirá-la.
Detiveram os passos numa casa nas imediações do sítio em que hoje existe a freguesia de Taim.
Pertencia ao cavalheiro de Amaral, que, em conseqüência de uma série de duelos contrários às disposições da Ordenação, fora obrigado a expatriar-se de Portugal. Nobre pela ascendência, como pelos sentimentos que o exornavam, tivera até o momento em que embarcara ocultamente para o Brasil uma existência agitada e cheia de dissabores, pelo caráter independente que manifestara sempre, como por dissensões com outra família do reino. Então casado e sem filhos, feliz e tranquilo num recanto da América, era um verdadeiro filósofo a ver os dias deslizarem sem nuvens e tempestades, a pensar cotidianamente sobre o homem e a natureza, modificando assim idéias errôneas e grosseiros prejuízos que a educação e determinadas circunstâncias conseguiram inocular-lhe no espírito. Entre os últimos sobressaíam duas estranhas teorias sobre as raças e sobre os castelhanos, mormente estes, que por meio de alguns falsos raciocínios ele chegava a separar do gênero humano.
Não tinha outros senões. Quanto aos motivos que lhe impuseram o voluntário desterro, ninguém os sabia nem mesmo os dizia ele, evitando com desgosto pronunciado a conversação sobre semelhante assunto.
Eis a nova personagem em breve bosquejo.
Quando Amaral ouviu o acontecimento relatado no estilo rústico da negra, conveio de si para si que a catástrofe era extraordinária e deliberou tomar averiguações. O que feito, confirmou-se a verdade.
O tópico final, a salvação da criança, que lhe sugerira a mais tenaz objeção, pela gente que a tinha realizado, veio trazer alguma mudança em sua maneira de pensar.
Foi a ocasião de admirar as frontes cafres, aureoladas da estema de uma realeza que eclipsava o ignóbil ferrete da escravidão.
Pela primeira vez, sugeriram-lhe pensamentos, os quais a educação do tempo e os preconceitos sociais não haviam ainda provocado. O negro deixou de ser o orangotango, o ente inferior julgado não só incompleto e defeituoso pelas formas, como pela inteligência que lhe transparecia do crânio. O pobre pongo, o poleá da colômbia terra, a seus olhos começou a reassumir os direitos que lhe negavam por aferro de opinião ou torpe especulação de negreiro; desde então merecia para ele o título de homem. Ponderou com justeza que a inteligência e virtude não se tornavam privativas de uma espécie da grande família humana, e recebeu a caravana de infelizes com os braços abertos e o mesmo entusiasmo que manifestaria por qualquer dos seus.
Trabalhou, enfim, para descobrir o motor de tantas desgraças, porém, como era de esperar, a distância neutralizou a boa vontade e o empenho empregados.
Capítulo XV - À sombra do umbu José Capinchos, com faro de tigre que pressente a vítima, muito antes de Moisés, descobriu o esconderijo do mísero arpão.
Uma tarde, Amaral recebeu três hóspedes. Eram o capataz e dois asseclas do antigo posteiro. Vinham em embaixada para reclamar a criança.
O cavalheiro recebeu-os com altivez, sem quebra das leis de hospitalidade.
- Dize a teu amo que o menino me pertence, já o estimo muito para privar-me de sua companhia. Sou casado e não tenho filhos. Vou instituí-lo meu herdeiro. Não duvido, quero crer mesmo com toda a lealdade que ele fosse amigo dos pais; no entretanto, devo recordar-lhe o abandono e menosprezo lançado ao último descendente de uma mal-aventurada gente, pois deixaram-no de tão longe vir bater à minha porta.
Quis insistir o capataz. Ele fê-lo emudecer pelo tom em que continuou:
- Porfiar é inútil. Disputá-lo-ei como a um lance de cenas. Agradeço as boas intenções, sem todavia aceitá-las. Patenteia a teu amo os respeitos e estima de que lhe sou credor, desde que se interessa tanto pelo filho do finado Avençal.
O mensageiro enfiou e retirou-se murcho e cabisbaixo qual raposa apanhada por galinhas. Planejara contudo o rapto da criança e o pusera em prática, se no dia seguinte não vira no curral possantes e rápidos ginetes prontos à menor eventualidade, como peões armados de ponto em branco, na casa, nos campos, por toda a parte, enfim.
Amaral tivera um pressentimento ou o raio do crepúsculo lhe foi bom conselheiro.
Refletira que, para de tão longínquas terras virem em demanda do órfão, era necessário um grande móvel, por isso pusera desde o cambar do dia em armas toda a gente de que dispunha.
Adivinhara. O enviado de Capinchos teve de voltar, abanando as mãos, e com reconcentrado despeito contra o providencial protetor do menino. Meses mal passados surgiu Moisés.
- Venho visitar o pequeno Avençal - disse logo de entrada.
O cavalheiro franziu o sobrolho e perguntou com presteza:
- De onde vem?
- Da Vacaria.
Visos de cólera reverberaram-lhe de todo a fisionomia.
- É muito teimar - disse.
- Como?
- Como?! - E a voz estremecia-lhe nas arcas do peito com estranho rumor. - Ninguém o vê com mil diabos!
- Ninguém o vê! - repetia o outro já meio quente com os modos de Amaral.
- Ninguém o vê o repito. Minha casa é franca para todos, menos para habitantes da Vacaria. - E ia virar-lhe as costas com medo de si mesmo.
- Quem deu ao senhor tal direito? - exclamou o mulato com sobranceria.
- Quem me deu, vilão?! E vens perguntar a mim que stou em meus senhorios? - E o diapasão de estentor casou formidável como o estrondar de rochas que despencam e embatem no declive dos morros.
- E eu reclamo meu irmão - saltou o outro com esfuziada de pampeiro.
A tempestade já desfeita na alma do cavalheiro esvaeceu como um manto de brumas à luz do sol.
- Seu irmão?! ... - E a interjeição prolongou-se semelhante ao som nos acidentes do terreno derramado em despenhos e montes.
- Seu irmão?!!... - E procurava associar no pensamento duas coisas que ele separaria em outra qualquer ocasião, como impossíveis de liga, harmonia ou de qualquer laço de relação. Ainda o prejuízo não desvanecera inteiramente. A intervalos voltava.
Dentro de pouco foi ciente de tudo.
O caçador não ocultou a menor circunstância, concluindo assim:
- Uma coisa peço a vossa mercê, não lhe diga jamais que o mesmo sangue, nos corre nas veias. Pode algum dia envergonhálo.
Amaral contemplou aquela fronte bronzeada, com admiração. Uma só frase não lhe ocorreu de momento. Apertou com força a mão do mestiço. Tinha dito tudo. Com mais eloqüência falavam as pálpebras rorejantes ...
Nessa noite tornaram as considerações sobre as raças, ficando indeciso sobre qual delas obteria a primazia. Relativamente, pondo em conta a objeção a que estava votada a negra, a balança de seus juízos propendia contra a branca.
- É admirável! - acrescentou. - Se estivesse em Portugal, juraria por todos os santos do calendário que um filho da África valia tanto como um macaco! Até Moisés, criação híbrida, mescla de diversos sangues, nos atos é um gentil homem de boa estofa!
No dia seguinte, vamos encontrá-los em animado colóquio. O sol sumia a fronte no arrebol auri-róseo da tarde.
Em face à vivenda, anoso umbu espalmava os galhos. As raízes erguidas em socalco formavam cômodo assento. Numa delas está sentado Moisés com o pequeno de Avençal sobre os joelhos. Ao lado Amaral numa dessas poltronas clássicas de espaldo elevado, forradas de couro lavrado de São Vicente, com tabões amarelos e as pernas em cruz.
A réstia loura de crepúsculo dourava a paisagem.
Era um soberbo painel.
De vez em vez Moisés osculava a face do pequerrucho adormecido, em cujo sorriso se adunava o tênue raio da tarde e o raio da inocência.
- A vingança é doce, mas os frutos são amar. Eu quero diga o quanto custa. Não fossem uns endemoninhados botes de espada, estaria a essa hora tranquilo no solar de meus avós.
- Mas... isso de matarem crianças como a perros... Caramba!
- É horrível, é! ...
- Só tigres! Só tigres! ... José deve ser forte, valente guapo, manejador de toda a casta de armas: flecha, pistolão, mosquete, adaga, lança e mais coisas ainda; deve atirar o laço desembaraçado e reter o mais xucro dos novilhos, jogar bolas de maneira a não perder um tiro. Seus inimigos, pelo que penso, são todos campeiros.
- Enquanto ao que sei, homem, bem ou mal há de sair-se, mas lá da flecha, adaga, bolas e laço... Cáspite! Não sei por onde as tomar.
- Não dê cuidado a vossa mercè; aqui passo um ano e... caramba! Verá que o muchachito se tira melhor que o mestre.
- E os adversários?
- Irei desencavá-los, ainda que nas bibocas do inferno.
- E se o matarem, o que não é difícil de prever em negócios assim...
O mulato sorriu e ajuntou.
- Matarem o menino! Deus não seria Deus, e poderiam dizer que Moisés mal avisado andou, quando tomou a espingarda para viver nos matos. Se me chamasse Moisés de Avençal não esperaria tanto tempo, em pessoa iria buscá-los um por um e esmagar-lhes a cabeeça... raça de cobras!
Capitulo XVI - Volta aos pagos O menino cresceu. O rebento fez-se tronco. Mas a harpa fremente de seu coração vibrava a uma idéia fulminante, fibra por fibra estremecia a uma só palavra do vocabulário das paixões humanas: - Vingança!
Vingança?! Vertigem do ultraje, ebriez de sangue, desforço da honra e simultaneamente justiça fora dos códigos.
Vingança?! Mancenilha - pomo de ouro no galho, no lábio fel e veneno!
Vingança?! Abraço da alma sorridente num sonho e da alma esmoída ecúleo de angústia!
Vingança! És tu também uma das sombras a embruscar os traços magistrais do caráter rio-grandense, falha que ninguém pode, nem deve ocultar. Que importa no entretanto?!
Talvez seja o quinhão ou partilha dos povos cavalheirescos, a quem a hospitalidade, a lhaneza, a honra e a lealdade parecem antes virtudes inatas do que obediência às leis do dever ou o resultado de obrigações morais. Lá no fundo de seu deserto envolto no largo cafta, como o árabe se assemelha contigo! Como a própiria generosidade, que tanto o distingue, pare arrancar-lhe do imo do peito o grito de ódio e morte, quando foi cruelmente ofendido.
Avençal, rota a crisálida da puerícia, não via outro fanal nos horizontes da mocidade. Crescera dado a um sentimento que tudo fazia recordar, ora a voz insinuativa e grata de Amaral devassando-lhe os segredos da esgrima, ora a solicitude maternal de Moisés, preparando-lhe o braço nos rudes manejos do campo.
Infante, não teve outra balata acalentando-o no berço; homem, não tinha outra rota a seguir. Era a fatalidade de uma romagem: a herança que o punhal do assassino codicilara na garganta ensanguentada de seus pais.
O céu diria a ele pela voz do Evangelho: - O perdão resgata o crime.
A lógica das paixões dizia-lhe: - Nódoa de sangue lava-se com sangue.
Fora forçoso obedecer aos próprios pensamentos pessoais, e aos ditames de uma educação recebida e conforme às leis que todas as idades têm chamado de honra.
A vingança o armara, ela só devia desarmá-lo um dia.
O cavalheiro nada descurou; mais previdente que o caçador, juntara aos predicados corporais os predicados do espírito.
Iniciou-o nos conhecimentos a seu alcance. Deu-lhe mesmo uma tintura da arte heráldica, que enfim de nada servia para o moço mas que satisfazia um dos gostos especiais do preceptor evocando recordações européias.
Quem censurará o esmero e cuidados para lance tão tremendo? Quem? Se a própria história louva em Amílcar o ódio que perpetuou no filho desde tenros anos? Que tamanha diferença existe entre pátria e família, dúplices origens de sentimentos idênticos e fecundos, focos luminosos na esfera da vida social, cujos eflúvios se embebem, amalgamam, liquescem confundidos e se entornam na mesma âmbula - o coração?
Arranquem a víscera que o produz, e, morto o homem, ei-lo destruido para sempre nas desoladoras ruínas da humanidade.
Então - vingança -, como todos os sentimentos bons ou maus, sublimes ou repugnantes, não será mais que uma articulação sem sentido, acordando o silêncio de um ermo, o hieróglifo estampado na pirâmide de uma raça extinta.
José de Avençal atingira os 18 anos.
Em casa de Amaral havia grande rebuliço. Corriam daqui para ali em contínua dodadoura. Ajoujavam bois, enfreavam cavalos, carregavam carros, os homens de guerra poliam as armas. Balbúrdia por toda a parte. Dir-se-ia que marchavam à grande expedição como um magote de bandeirantes em véspera de partir.
Afinal saiu a caravana.
A mulher do cavalheiro, a negra que salvara o moço e os escravos que a auxiliaram também seguiam na comitiva.
Decorreram muitos sóis em viagem.
Uma manhã foram surpreendidos por Moisés, que trazia o concurso de seus guaicanã.
O que era? Para que levantar tantos escarcéus? Iam instalar Avençal nos seus domínios como "legítimo senhor de juro e herdade" na frase da antiga etiqueta mantida por Amaral no bando que mandou deitar entre a gente reunida.
Chegaram em pouco na estância que, se com a catástrofe de 1813 ficara durante dois anos uma tapera, depois pelos cuidados de Moisés prosperara mais que em mãos do primeiro dono.
À chegada, festas e bródios, "arruídos e folgares", como dizia esfregando as mãos jovialmente o cavalheiro autor de tanto barulho.
Avençal não sentiu alegria, como era natural. Abalou-o funda comoção apenas viu o teatro do sanguinolento drama, onde pais e irmãos haviam sucumbido sob o punhal vibrado por mão covarde, traiçoeira, infame e anônima, pois nem tivera a coragem de deixar um sinal, a assinatura que se a reconhecesse!... Seu peito arfou semelhante à primeira mareta formada ao cair da tempestade, Soltou das arcas um gemido, de cruciante mágoa e desespero. .. Foi laboriosa a sístole, sufocava-o, todo o sangue afluíara em tufos ao coração.
Quis falar... nenhuma palavra!
Acudiu-lhe aos olhos copioso pranto, refluxo salutar do sofrimento, rocio vivificante na extenuação da vida, que, como a aura suave e o orvalho das névoas erguendo a flor debruçada no hastil, ergueram sua fronte pendida.
- Dize onde o encontrarei, Moisés... Dize e irei buscá-lo além do mundo.
O caçador já desesperava por essa época de levantar o véu ao misterioso acontecimento. Todavia tinha esperança de, mais dia menos dia, descobrir um só vestígio e tanto bastaria para achar o resto. Era o seu fio de Ariadne.
Conversando consigo, sempre repetia entre dentes:
- Deixa estar, teatino fuá, hás de dar a mão e depois corcoveia... e verás!
Capítulo XVII - A gavota fatal Seguiu-se um baile.
A família de Capinchos compareceu com outras dos arredores. Rosita tinha então 15 anos.
Jamais pubescência radiara com tanto viço e frescor ao sol da vida. Não era dessas figuras aéreas de nossas cidades, que tão apropriadamente os poetas de hoje, sem o saber, chamam visões vaporosas. Não, nela havia a beleza física em toda a plenitude: contornos cheios, guardando a mais exata euritmia em suas partes e a flexibilidade da criciúma num porte de palmeira. A fina cútis transparecia reflexos róseos e não o mórbido palor que hoje faz o encanto de tantos olhos degenerados e míopes. Era uma criação que destacaria esplêndida do cinzel de um Scopas ou da tela de um Praxiteles; o tipo da serrana rio-grandense que traz em si a pureza de linhas no perfil como o ar que se respira nas cordilheiras.
Mas nos olhos é que ela vivia e reconcentrava toda a alma, inteligência, graça, pudor, donaire e vida, nos olhos tão meigos e melancólicos, velados pela sombra de uma cisma, quando vagueavam após o indefinido e dúbio de um sentimento que ela ainda não conhecia; tão mimosos, castos, risonhos e travessos entre as galas florescentes dos 15 anos, tão esmagadores, soberanos, terríveis e deslumbrantes se traduziam as tempestades de seu coração!
Valia a pena possuí-los!... Quem não amaria o poema cujas estrofes fossem dias de ventura? A cadeia cujos elos fossem grinaldas de balsâmicas flores?
Eis a linda moça com que já ao princípio travamos conhecimento! Quão diferentes não são os períodos?! Que distância entre ambos?! Como a vemos e como a vimos?! Aqui ala nas asas douradas de um sonho para as devesas do infinito, o porvir é a nuvem rosicler que balouça à viração matutina, a existência um sorriso de anjo; lá o coração geme ao peso de uma realidade tremenda, desabrido tufão encapela o temporal num céu de bronze, a esperança aponta-lhe um túmulo, como o marco de repouso.
A história de sua felicidade foi curta.
O baile estava animado. O véu da tristeza, se velava ali algum semblante, breve caiu.
A dança, porventura, espedaçou-o em seus vórtices rápidos e doidejantes.
As violas, machetes e duas flautas espaireciam os ânimos em cada retornelo, em cada nota desferido. Os tocadores gradativamente foram tomados de entusiasmo e arrancavam à porfia dos rudes instrumentos melodias em delírio.
Campava o fandango em suas múltiplas espécies e, como novidade de época, a gavota, que nascera na ópera francesa no século anterior e fora depois preparada para os salões por Gardel. Quando a Europa cansara de ouvir e ver a interessante combinação coreográfica, ela fez sua entrada na América.
O baile, em que todos tomavam parte, interrompia-se, só o cavalheiro e a dama, que iam executá-la, ficavam no meio da sala.
Avençal, dançando-a com Rosita, tivera uma noite de triunfos.
Que lindo par - disseram a uma voz, quando os viram a primeira vez.
Como todos os olhares que convergiram sobre eles os devoravam!
E como iam bem, encetando-a com o passo de minueto grave e tristonho, seguindo de um movimento ao princípio lento, aumentando pouco a pouco até o meneio delirante a floresta febril, a alegria no auge!
O moço, naquele momento, esquecera as idéias sinistras que o preocupavam, de ordinário, para voar no turbilhão da insânia!
Os ódios do mundo esvaeceram para fazê-lo gozar fruições celestes, raras na existência, por isso mesmo as mais preciosas.
Ambos no arroubo dos sentidos se agitavam em louco prazer. A face ardia-lhes purpurada pelo exercício, os seios arquejavam de fadiga voluptuosa.
Durou um quarto de hora.
Quando terminaram, cobriram-nos de aplausos.
Só Moisés não buliu.
A um canto vira com maus olhos o que o próprio Amaral aprovava.
O mulato não abandonara de todo as suspeitas sobre o ex-posteiro. Se nunca as comunicara a outrem, retido pela dúvida, não era porque a mesma antevidência não lhe sombreasse a fronte. Uma voz íntima lhe dizia: se algum dia descobrisse o bandido que trucidara a família de Avençal, não seria outro senão Capinchos. Talvez prevenido, porquanto este o fizera alvo de análoga acusação.
O rapaz é capaz de arrastar cambão pela Rosita - refletia Moisés -, e se o pai é o tratante do assassino, ele a refugará ante a idéia de matá-lo como diante de um casamento. Careço de afastá-lo de tal gentinha de minha quizília; trago-a sempre pelo gasganete...
Terminado o sarau, quando preparava o arrazoado para indispor o moço contra Rosita, uma índia veio referir aos guaicanã que a taba tinha sido assaltada na véspera, por uma tribo do Norte, que lhes levara os utensílios, mulheres e filhos.
O grito de guerra dos selvagens soou, e o mulato teve que partir com os irmãos da floresta.
Quase um mês decorreu até a volta.
O que desconfiava aconteceu.
José do Avençal e Resita amavam-se até o delírio. Rútila inflorescência que viçava com toda a seiva do afeto, toda a vitalidade da paixão naquelas almas virgens e inocentes!
Atração que os unia uma vez para não os separar jamais, amor primeiro e único que devia ser infeliz pelos erros dos antepassados!
Amavam-se, consubstanciavam-se numa s6 entidade, viviam por um mesmo pensamento, as mesmas aspirações e sonhos!
Pobres crianças!
A primavera é bela mas o futuro é negro!
Enquanto as nuvens pressagas, donde pende o tufão, não o desprenderem, aproveitem as migalhas da ventura, corram o prado da vida, colham suas flores, entrancem-nas aos cabelos...
Amanhã será tarde, o vento virá e hão de vê-las esfolhadas em volutabros, tristes e flácidas!...
Pobres crianças! Nem vêem o que já se passa em torno!
Capinchos, cujo rosto à chegada de Avençal ficara anuviado e taciturno, agora andava satisfeito. já falava no próximo casamento de ambos, afirmando que semelhante aliança constituía para ele a suprema felicidade na Terra.
Moisés não menos sombrio.
Felizmente, vendo os negócios mal parados, não quis turbá-los nos castos devaneios.
Poupou-lhes por algum tempo o travo da taça amarga que tinham de prelibar.
Em retorno exigiu um juramento sobre uma sepultura.
Foram testemunhas no ato terrível e solene: Deus, e consciência, o mulato e os espíritos evocados da outra margem da existência - a eternidade.
- Juro - pronunciou calmo e firme - que esta mão, meus queridos pais, meus inocentes irmãozinhos, não desposará Rosita, o que mais amo na Terra, sem tê-la levado a uma nódoa.
- Basta.
E ambos se abraçaram.
Em seguida, vergaram o joelho sobre a terra da campa e os lábios pronunciaram fervorosa oração, enquanto as pálpebras instalavam fio a fio serenas lágrimas de saudade.
Pelo dorso da mata perpassou um arrepio.
Um caboré, cortando o ar, soltou um guincho dolente.
O mais continuou como sempre.
No mesmo dia chegou um mensageiro da parte de Amaral.
O cavalheiro enviava muito saudar e a recomendação especial de não aviar com os negócios da família, sem que ele tomasse parte ao menos como testemunha.
Os negócios da família eram a vingança há tanto preparada.
Capítulo XVIII - A marca dos Capinchos Estava-se em 1827.
Era por uma noite de procela. O ribombo dos trovões aumentava de intensidade nas cavernas e profundezas seris, a chuva caía em grossas bátegas, que iam açoitar freneticamente a casa da estância, e a rajada do vendaval tinha escassas intermitências. A terra convulsava ao clarear incessante dos relâmpagos. Era a epilepsia da natureza!
O pandemônio transmudado para a Vacaria!
Torrentes espúmeas, levando de envolta troncos e rochas, despenhavam pela rampa dos morros, coleavam em catadupas pelos couvales e desfiladeiros, e frementes e rápidas arrojavam as vagas da inundação sobre as ubérrimas pastagens.
A abóbada do céu era de uma fosforescência deslumbrante e assustadora, Cuspindo, a raros intervalos, um chuveiro de faíscas elétricas.
No entretanto, um homem desvivia fora daquele túmulo. Na sala, recostado à mesa, alheio a quaisquer sensações transmitidas do exterior, em íntimo recolho da alma, ele transbordava de prazer na contemplação de urna imagem que se havia encarnado em sua pessoa. Ele com os cílios semicerrados em doce languidez a via destacar dentro da retina; a sentia unida a seu coração, tão unida como dois cactos gêmeos, como dois raios de uma mesma estrela, duas pétalas de uma mesma flor.
A imaginação o arrebatava do mundo em suas asas coloridas e o deixava entrever uma mansão de felicidade celeste ao lado do anjo que lhe absorvia todos os sentidos.
Bateram de rijo à porta, e antes que o despertassem, foi necessário repetir as pancadas por várias vezes.
Ergueu-se ao ruido, sacudiu os anéis de cabelo derramados sobre a testa e foi abrir.
- Que noite horrível! Quem será capaz de andar a tais desoras e com um temporal destes?
Correu os ferrolhos.
A lufada escancarou os batentes.
O mulato, que há muito não lhe aparecia, surgiu entre os umbrais, entrou e arremessando de si o ponche talar impregnado de água, cingiu com ternura o mancebo.
- Com tal tempo, Moisés?
- Cumpro um voto, Avençal - respondeu com solenidade.
- Qual?
Não obteve resposta.
- Eu te quero como um filho.
- Tenho bem vivas provas...
Ele atalhou-o:
- Isso não! Que não pude dar ainda como sinto, aquilo - e pôs a mão sobre o peito. - Sabes o que recorda esta sala?
- Um crime que clama vingança.
E uma ligeira sombra turvou-lhe o rosto.
- Pois bem, pé no estribo e avante!
- Descobriste? - interrogou com impetuosidade.
- Sabes que teu pai, se morreu, foi fora daqui.
- Sei.
- Amanhã, antes que as barras do dia apontem, estaremos de marcha.
- Uma viagem?
- Perto, umas 50 quadras.
Com escuro partiram. O tempo estiava e prometia um dia bonito.
Breve deixaram o campo e sumiram-se sob o dócil da folhagem pendente em laçarias que gotejavam brilhantes à luz matutina.
Iam silenciosos, embebidos em negros cogitares.
Em torno tudo respirava alegria.
Após uma noite tempestuosa, nada há de comparável ao albor da bonança. A vegetação, que abatera, retoma mais viço e esmeraldino esmalte, mais espalma e estende as ramas; o chilro dos pássaros tem mais frescura e melodia; é o idílio grandioso da natureza, que se expande depois de um espasmo de terror.
O sol já mareava seis horas, quando chegaram junto a uma cajarana secular.
- Aqui - disse o caçador.
Pararam.
No chão havia grande parte de um esqueleto. Faltava-lhe o lado direito desde o fêmur.
- Eis os restos de teu pai.
O moço curvou-se reverente. Orou.
Moisés fez outro tanto.
Igual motivo os unia.
A prece no sertão é sublime. Parece que Deus deve ser mais visível no espetáculo maravilhoso de criação. Crer-se-ia ali que cada folha, cada brisa, cada volátil murmura seu nome em místico segredar, cada gota espelha sua imensidade. Quantas vezes o homem, a sós, no regaço da floresta, não ouve ruídos indefiníveis, que ele não pode adunar no espírito a coisa alguma conhecida? Ora suave cicio como a nota de uma harpa eólia a lhe prurir a alma; ora um som profundo e misterioso a premarlhe o anélito no lábio? Sempre como uma voz que faz vibrar-lhe as fibras do sensório, uma por uma, chamando-o a cogitações transcendentes sobre imaterial?
Quem fala nas solidões?
De onde vem o mistério que recolhe a alma nas mais recônditas dobras de sua essência?
Por que essa espécie de respeito, melancolia e terror, que nos possui sob o pavilhão viridante das selvas?
Não será a intuição do infinito?
O mesmo fenômeno moral que observamos nos vastos plainos do mar, quando aos pés temos os abismos imperscrutáveis das águas, e sobre a fronte os abismos sem fim do firmamento?
Por isso, cremos que não há templo onde a oração seja mais sincera e mais ouvida.
Em nossas cidades, estábulos em que se embotam as santas Crenças e os ternos sentimentos, o lábio balbucia geralmente o que não sente o coração. Dos fiéis que enchem o recinto de uma igreja, poucos rezam com unção, os mais satisfazem as conveniências sociais, cumprindo automaticamente as fórmulas de uma etiqueta. O culto das cidades, nos tempos que vão, é uma mentira, uma profanação, conseqüentemente. Também o Senhor não se mostra nos focos de egoísmo e hipocrisia; não, tendo levitas, nem adoradores, deixa os rebanhos contaminados pela febre da ouro, pelo vírus de interesses reprovados, e deixa-os para não os ver escravos de si, dos vícios e do crime...
Vai receber o voto das almas como Avençal e Moisés.
Ergueram-se os dois homens bastante comovidos.
Moisés mostrou uma verônica de metal no torso do esqueleto.
- Eis como o conheci. Sabes onde foi ferido? No coragão, traiçoeiramente. E tirou dentre as duas costelas uma faca cravada até o cabo. Apenas saiu este, o ferro estava carcomido pela ferrugem.
- Enterremos os ossos - e mostrou a Avençal uma cova feita.
O moço preencheu para com os despojos paternos as últimas honras fúnebres, resoluto, porém, sem dizer palavra. O mulato afastou-se por espaço, voltando logo. Trazia o fêmur e a ossada da perna e do pé.
- Alguma fera os levou, de certo, para longe.
Cheia de terra a cova, puseram sobre um cruzeiro tosco de madeira, de antemão preparado.
Avençal estendeu o braço para o símbolo das redenções e deixou cair com ligeira emoção estas palavras:
- Meu pai, mais três dias, o teu assassino não verá o sol nascer.
Voltou-se para Moisés.
- Agora partamos. .. Antes, dize quem foi ele... Quem foi?
- Vês isto? - E indigitou-lhe um isqueiro meio soterrado no solo e oxidado pela ação do tempo. Tomou-o do chão e entregou-o juntamente com o cabo da faca, que era de chifre com rudes lavores.
- Então?
- Continuemos.
- Moisés?!
- Ainda mais provas hás de ver. Continuemos.
Devoraram mais algumas dez braças.
Moisés parou. Fez-lhe ver um novo objeto que, pelos vestígios, mostrava ter estado também encravado na terra. Era uma enorme chilena de prata.
Entregou-a ao moço, que a contemplava como quem não o compreendia.
Retrocedeu, sem lhe responder à muda interrogação do gesto, e em igual distância da cajarana, na parte oposta, colheu um fragmento de pau, um tanto eivado e sem cor distinta.
- Era de cotia - disse -, foi cabo de relho, a açoiteira apodreceu, eis o buraco em que entrava o tento e ali está a argola. Gil de Avençal foi batido primeiro com isto... aqui. A bordoada atordoou-o e depois chegou a vez da faca. . . Sim, foi aqui, pela banda de lá, fugiu. - E emudeceu vergando a fronte.
- Ainda não?
O caçador falou grave e pausadamente:
- Há cinco dias fiz a descoberta que vês, meu amigo, meu filho. Passei muito por perto desta árvore e nada via... As provas do crime estavam escondidas debaixo da galheira seca e troncos atravessados. Descobri por um bambúrrio. Eu corria uma anta. O animal na carreira desembestada levou a madeira por diante e deixou-me ver a ossada. Mas eu tremo em dizer o nome de quem...
Foi interrompido por uma explosão:
- Não sou nenhuma criança, Moisés! Se vivo, sabes bem para que é.
- Então...
E vacilava.
- Oh fala, por Deus!
- Tens na mão o nome... No cabo da faca e do relho, no insqueiro e na chilena... Olha a marca... Coragem, meu irmão!...
O moço reparou, desprendeu um grito desesperado e terrível, abraçou-se ao estípite de um coqueiro, porque os olhos se empanavam na vertigem ao estalar do coração, e caiu nos braços de Moisés.
A marca era a mesma que tinha o gado de José Capinchos.
Capítulo XIX - A cajarana funerária Três dias depois vamos encontrar Avençal, pálido como um morto, em sua estância.
Era uma múmia do que fora.
A comoção moral o transformara em curto lapso. Há um quê de avelhentado naquele corpo no esflorir da juventude, uma ou outra plica já se esboça nos traços ontem cheios de frescor e vida, hoje sombreados por um desalento precursor da morte.
As velhices prematuras são como os frutos lampos, trazem no seio acético amargume, que transparece no palor da epiderme.
O moço está à espera de alguém.
Pelas quatro horas da tarde ouviu-se o chouto de um cavalo. Ele chegou à janela. Um ancião de barbas brancas e longas, cútis tostada com vincos profundos e verticais no esvão da sobrancelha, olhar viperino, nariz adunco como o do caracará, apeou-se do animal, onde os arreios desde a badana até a carona iriavam mil fulgores de finas pratas. O rabicho, freio, a testeira e as canas das rédeas de delicada lonca não carregavam menos tesouros.
Era José Capinchos.
Fizeram mútuos cumprimentos.
- Entonces, que retirada da nossa casa, Avençal. A Rosita não está muito às boas contigo. Não queres deixar mais a querência?
- Não é; vou partir. o cavalheiro Amaral está em perigo de vida. Inimigos poderosos o rodeiam. Vou partir e quem sabe se voltarei! Moisés acompanha-me, por isso retiro-me entregando-lhe a administração da estância.
- Mas que tu tens lá com os negócios dos outros?
- Amaral foi um pai que encontrei. Minha vida e haveres pertencem-lhe, desde que os queira.
- Faz o que te bacoreia o coração; porém, o casamento?
O moço empalideceu, mas com esforço heróico respondeu sem titubear.
- Nada arreceie. Um tesouro oculto ali confiá-lo ...
- Um tesouro?! - e os olhos lampejaram.
- Ouro em pó - e fitou-o com penetração.
- Em negócios de viver e morrer...
- O senhor ficará meu herdeiro universal... Espere-me enquanto vou desenterrá-lo.
- É longe? - perguntou.
- Não muito, uma légua.
- Vou contigo.
- Para que se incomodar!
- Vou, é perto. Era boato antigo que teu pai tinha panelas enterradas com imensas riquezas.
- Sabia?
- Por ouvir dizer.
O espírito do ex-posteiro sofria uma revolução que se revelava nos traços e lhe fazia ir maquinalmente afagar o cabo de prata de uma faca terçada na cinta.
Miserável criatura! Talvez estivesse pensando em matar o filho de sua vítima, algoz desapiedado.
Ambos montaram a cavalo. Avençal carregava uma enxada. Chegando na ourela da mata, apearam-se, puseram a maneia nos animais e desapareceram.
O moço percebia nos gestos de Capinchos maus desígnios, precedeu-o, mas guardando distância.
Pararam. A noite havia descido. O velho sentia calafrios, os cabelos se lhe eriçavam na cabeça.
Avençal fez ponto de respaldo no tronco da cajarana, arrimou-se a ela com o coração aos ímpetos.
Capinchos, tateando a treva, tocou a cruz. Estremeceu e perguntou em tom de terror:
- Onde estamos, José?
- Sobre a sepultura de meu pai, salteador!
A floresta iluminou-se de súbito aos clarões de muitos fachos. Ninguém apareceu; no entretanto, se fossem procurar encontrariam no cimo das árvores, nos esgalhos, atrás dos troncos, acocorados em touceiras de arbustos, suspensos em cipós, deitados no chão, índios cujos arcos alvejavam o peito de Capinchos.
Na penumbra da cajarana havia um vulto em pé. Seu braço apontava um mosquete na mesma direção, sua pálpebra não interceptava o raio visual, parecia a de uma estátua de mármorre.
Era Moisés.
- Lembras-te deste lugar?
- Queres enxugar-me - dizia sufocando o medo para travar do acicalado ferro.
- Quatorze anos há que meu pai caiu à traição! Tu, seu amigo, foste o autor de tão negro crime! Não quero assassinar-te, velho, quero matar-te junto desta cruz... Vês? No chão há armas de toda a sorte. Escolhe. .. Devia tratar-te como um perro...
O outro retrucou com audácia:
- Como me trouxeste até aqui, caborteiro, senão por embustes?
- E crês que uma vingança não é um tesouro? Pesado, velho, bem pesado! Fez estar-me o coração.
Capinchos ia dar um bote como uma caninana enfurecido.
Um grito terrível abalou a floresta.
- Tento, Avençal! Não brinques com a cobra. Basta de negacear.
Era tão oco o subterrâneo que se diria sair da terra.
Era o caçador.
Capinchos saltou sobre uma espada e enveredou para o mancebo; este aparou o golpe que resvalou pela enxada e, com um movimento rápido abaixou e tomou a outra.
As lâminas cruzaram.
- Por minha mãe - e fustigou-lhe a face.
Ele caiu de joelhos.
- Em nome de Rosita não me mates... Sou um infame, mas perdoa-me. Perdão! Moço, não queiras glória sobre um homem morto quebrado - pelos anos. .. Sim, José... Pelo amor que tens a Rosita. . .
Avençal arremessou a espada para longe de si.
- Não posso, não posso!
Moisés apareceu terrível como uma borrasca.
- José, que fazes?! - bramou.
- Moisés, não posso. ..
- Então... Também eu tive um pai; vou vingá-lo, porque tremeste, irmão branco!... O filho mulato fará o que não fizeste...
O ex-posteiro aproveitando o colóquio que apartava a atenção dele ia atirar-se sobre eles, quando se ouviu o ciciante estridor como de um bando de pássaros ao levantar o vôo. Era uma chuva de flechas que foram embeber-se-lhe no pleito.
Estava morto sem exalar um gemido.
Os guaicanã mostraram a face de cobre por toda a parte.
O caçador contemplou o cadáver nas últimas contorções, com desprezo.
Tinha tantas flechas que um índio o comparou a um coandu.
- Enforquem-no no galho por cima da cruz. Amanhã os urubus terão pasto, se quiserem comer carne tão ruim.
Os selvagens obedeceram em silêncio.
Voltou-se para o irmão, que assistia ao espetáculo sem consciência.
- Se te ofendi, José, perdoa-me.
O outro lhe caiu nos braços desfeito em soluços.
- Moisés, eu parto, vou morrer por aí caminhando... Fica com os meus cabedais.
- Estás louco?! Sou rico demais, sou senhor dos matos.
- Então reparte com os meus escravos. A vida é insuportável. Quero morrer.
- Não partirás...
- Oh, Rosita!... Rosita!...
E chorava como uma criança no estiolar das doces ilusões e sonhos queridos.
O mulato sacudiu a cabeça com tristeza e monologou mentalmente:
- Aquela gavota botou tudo a perder! Eu bem pensava mal que batesse palmas o bem falante do cavalheiro.
Capítulo XX - Vaqueania No dia seguinte André recebia um bilhete deste teor, pouco mais ou menos:
"Em combate frente a frente comigo teu pai morreu.
Descobri nele o assassino de minha família; as provas aí vão. Fui eu, eu só, não culpem outro; também morri para o mundo".
Rosita teve uma súplica verbal: que rezasse por ele pois o que ele sofria só Deus era sabedor.
E sumiu-se da Vacaria.
Desde então viveu a caminhar. E caminhava de sol a sol!
Vinda a estrela do ocaso, desencilhava a cavalgadura, estendia por terra as coronas e a manta, debruçava a fronte exausta sobre o lombilho, rude travesseiro do rio-grandense em viagem, e dormia!
Ninguém lhe invejasse o repouso.
Que de efialtas medonhos o recordo do passado lhe sugeria à imaginação livre, sem peias na síncope do sono?!
Sopitava o corpo quebrado da árdua provança do dia, a alma agonizava no martírio devorador de anos.
Mal o frouxo clarão da alvorada comegava de jaspear o horizonte, verão ou inverno, e ei-lo de pé, e de novo a volver às vertiginosas marchas, a buscar perigos, a exaurir gota a gota o alento exuberante de sua compleição atlética. Não o perdia, no entretanto; algumas horas de descanso durante a noite renovavam a força perdida. Antélio de um suplício sem nome apenas tocava a terra, remoçava; a própria febre do desespero o nutria. A revezes escoou-lhe pelo cérebro o suicídio, como a única tábua de salvação; recuava, não por medo, mas porque o assemelhava a um desertor, pecha para ele mais aviltante que a morte.
- Cumpra-se o mau fado - dizia.
E caminhava adiante.
Corria do Prata até a feira de Sorocaba, das courelas do litoral às fraldas dos Andes. Não havia trilho em tão larga área que ele não tivesse pisado, torrão de que na memória não guardasse os delineamentos do perfil.
Não tinha pouso certo e nunca acontecera ficar duas noites a eito num mesmo sítio, sendo raramente nos povoados, cujo rebuliço o inquietava. A campanha imensa, ondeando em cochilhas, salpicado de capões, como oásis do deserto, o cerro empinado entestando as franças com os céus davam alguma trégua à mágoa que o flagelava. A solidão da natureza consorciava-se à solidão de sua alma, compreendiam-se, talvez.
Uma trazia a expressão indefinida da criação depois de muitos cataclismos, a outra o selo de uma agonia sem termo. Sob o manto verde do campo e sob o peito do homem sentiam-se dois infinitos intraduzíveis, duas almas cheias de vida, porém numa luta titânica com os invólucros que as revestiam. O globo e o homem são uma série de revoluções. Os séculos as assinalam em camadas e gerações.
José de Avençal, apesar do gênio que lhe era peculiar e o isolava do mundo, não havia quem o não conhecesse.
Como Bento Gonçalves, a glória tradicional do Rio Grande, como Cláudio, o Contador, a maravilha de olhar de Iynce, como Quadrado - nosso Demócrito, e tantas outras popularidades da época, onde passava, o apontavam com o dedo.
A profissão que escolhera ainda mais aumentava a celebridade.
O que é a vaqueania senão a variedade de conhecimentos e relações a cada instante, nas viagens e trajetos?
O que é um guia, o cicerone de estradas, páramos e desertos, senão o homem de todo o mundo, a quem procuram para as peregrinações e mudanças, a quem confiam vida e tesouros por ermos campos e bravios sertões?
E a ele podiam entregar-se em corpo e alma. De mais fiel e seguro condutor não se sabia.
Ahasvero do infortúnio, não era por cobiça de salário, nem pela mera ambição de acumular fortuna, ceitil a ceitil, que errava sobre a terra. Outro móvel o impelia às imensas jornadas, outra lei levava o pálido caminheiro a longos estirões. Buscava afogar no cansaço do dia as atribulações do espírito.
Dinheiro?! Tais naturezas não roçam na moeda que azinhavra, podiam corromper-se ao atrito. Não são feitas para a craveira das mediocridades, rebanhos de misérias brotadas em cada ângulo, como a má erva. Apuraram-se no cadinho do sofrimento, despiram o manto enlodado para revestir a túnica de Cristo, auréola da apoteose.
Dinheiro?! Não o recusava, no entanto, o vaqueano. Era uma propriedade adquirida pelo trabalho; aceitava-o do rico e ia de passagem com ele enxugar a lágrima do pobre.
Para si não carecia. Viajor da fatalidade tinha bastante no cavalo, fido companheiro das lidas, e nos arreios, camilha da noite.
O mais encontrava em qualquer choupana hospedeira.
Contavam o seguinte a respeito do desprezo que votava ao metal, único rei da sociedade humana.
Guiava, por exígua e sombria picada do rincão da Cabeça Funda às margens do arroio Colorado, um negociante em viagem de Bajé a Caçapava. A picada esmorecia num fachinal.
Ao chegarem ali, dois vultos erigiram o porte dentre os raleiros de folhas; um desfechou a pistola, cujo balazio esfloreceu face ao viajante, o outro não teve tempo para fazê-lo. A faca do vaqueano, como alada jitiranabóia, cortando os ares, se lhe embebeu na garganta, e um corpo mediu a terra redondamente. O primeiro vendo frustrada a tentativa fugiu em direção à água, porém a armadilha do laço de Avençal, tomando-o pela cintura, reteve-o na carreira. Isto foi obra de minutos. Fora uma espera armada em conseqüência de um litígio de terras.
Chegados em Caçapava, o homem de trato derramou a guaiaca de onças nas mãos de Avençal, que recusou ofendido a recompensa.
- Não foi do conchavo, amigo.
- Veja que me salvou a vida!
- A vida vale mais do que uma ponchada de onças. Aceito o reconhecimento - e repeliu com a mão o ouro para sobre uma mesa.
Partiu para São Gabriel.
A algumas léguas um próprio veio encontrá-lo; entregou uma bolsa de couro e, sem mais explicações, dera de rédea.
Abrindo-a viu o dinheiro. O negociante resistira em galardoá-lo. Apresilhou a um tento a bolsa e prosseguiu na tirada.
Quando atravessava a cochilha do Fidélis teve de parar num rancho na orla da estrada. Ali vivia um hábil lombilheiro e trançador, com 36 anos e numerosa prole.
O artífice trabalhava junto à banca, à sombra de uma árvore, nos botões de um boçalete.
Ele esteve contemplando a delicadeza de filigrana, e observou depois de alguns momentos de silêncio:
- Por que não vai para a cidade? Faria mais.
O outro levou-o para casa.
Havia 17 pessoas num largo alpendre, a mãe, 12 filhos e só quatro crianças de menor idade. Uns preparavam o tenro couro do portilho ou o desfiavam em tentos, outros traçavam os filetes da alva lonca ou o manufaturavam em obras.
- Vê? Na cidade como poderia viver com este mundo de povo?
O argumento calou no ânimo do vaqueano, que sobresteve pensativo, tirou uma palha do bolso, cortou-a, picou um pedaço da torcida de fumo, fez o cigarro, feriu a pederneira sobre a isca de pita, e fumou; e durante que passeava, soltando imensas baforadas ao lado do guasqueiro, já de volta ao serviço, seu espírito passava pelas crises de uma imensa elaboração. Pensava em proteger o operário inteligente, sem ofendê-lo. Preparou o cavalo e foi ajustar umas rédeas com ele, recebendo-as por módico preço.
Uma menina apresentou-lhe uma cuia de mate.
- Agradecido, minha filha, tenho pressa de chegar a São Gabriel, leve a seu pai esta bolsa, é o dinheiro da compra.
E cavalgou como uma seta pela estrada.
O ato traduz o homem.
Talvez fossem os únicos instantes de alegria, no correr de dias amargurados, que passava!
Teve que suportar, no entanto, um golpe terrível, meses depois deste fato.
O Brasil abriu a campanha contra seus vizinho do Sul.
Avençal estava longe, mas corre para deixar honrosamente nos campos de batalha uma vida que lhe pesava. já se havia empenhado a ação do Ituzaingo, e quando chegou foi para chorar a morte de Amaral, que ali acabara, trocando uma existência inútil pelo sangue de oito perros, como ele mesmo dissera antes de expirar.
Capítulo XXI - Rosita Moisés, que recusava tomar parte na revolução, resolvera afinal acompanhar o vaqueano, com o contingente de quase todos os seus guaicanã.
Eis por que o encontramos na Laguna.
O exército republicano ficara a três léguas, nas abas do morro de Santa Marta, e ele viera ver, como bombeiro, o que faziam na praça.
No dia 23 de julho, o estandarte de cores amarela, encarnada e verde da República de Piratini flutuava sobre a vila, desfraldado aos ventos da vitória.
Fácil vitória sem derramamento de uma lágrima, sem a troca de um tiro.
Canabarro tratou logo de se precaver contra qualquer eventualidade. Levantou na barra uma forte-bateria em defesa do porto e fez armar quatro embarcações para o corso.
Garibaldi não só bom soldado, mas excelente marinheiro, pois na marinha piemontesa galgara até o grau do segundo-tenente por mérito, foi nomeado chefe de esquadrilha.
Também em pouco infestou a costa, e raro era o dia em que não fazia presas consideráveis de navios mercantes do Império, requintando de audácia até o ponto de aparecer em frente à cidade do Desterro e de ameaçá-la com um canhoneio.
Canabarro, no continente, não descansava; os planos de hostilidades abrangiam a Província inteira. Esperava em breve ocupar toda a ilha de posições tão importantes, que o tornariam formidável por terra.
Enquanto não chegamos a sérios e culminantes combates, voltamos aos nossos conhecidos.
O vaqueano e o caçador gozavam de privilégios - na turba-multa soldadesca. O primeiro não era mais que o guia do exército, e, se tomou parte nas lutas, sempre foi espontaneamente; o segundo não quis soldo, para obrar em liberdade, dando contudo dez homens para o serviço de guarnição, e pronto a tomar parte em qualquer ocorrência perigosa. O mulato fez todos os esforços para afastar Avençal do teatro da guerra, onde então se achava seu figadal inimigo. Supunha-o capaz de qualquer crime, mormente depois do que com ele praticara, vindo bombear a vila, e da perseguição de que fora alvo. Ouvindo a proposta, o moço encolheu os ombros.
- Já morri uma vez, Moisés. Que importa agora que me maltratem o corpo, quando já me machucaram o coração. A morte, negaceio-a, não lhe volto as costas.
- Mas...
- Basta, afliges mais minha pobre alma - redarguiu com ligeiro assomo de impaciência.
- Está bom, irmão. Não é para te zangares...
Levantaram um arranchamento na coroa da colina. Moisés, aventando os desígnios de André, cuja sanha já conhecia pessoalmente, chamou três dos principais guiacanã, e assim lhes falou:
- Irmãos, a vida de vosso irmão caçador está em perigo. O inimigo o olha de perto. Se quereis que vosso irmão viva, rodeai as ocas de cuidados.
Os selvagens responderam com a habitual gravidade:
- O irmão descanse nos arcos dos guaicanã. Os guerreiros da serra têm a vista do urutau que encara o sol, e a vigilância do pássaro da campina; têm o faro do urubu e o ouvido do cervo.
Desde então o arranchamento, numa área de quarenta braças, ninguém transpunha, além da companhia que encontramos na Vacaria. Às vezes, um transeunte distraído ia passar pelo outeiro e saía-lhe do chão um bugre carrancudo e torvo com enorme clava em punho, desviava e mais adiante entrevia um cano reluzindo entre a rama de uma moita de guaximas; fazia um novo circunlóquio mental a que correspondia um novo circunlóquio dos pés. Mas, prosseguindo, encontrava a alguns passos uma bola que, ao vê-lo, distendia com espantosa elasticidade como uma serpente, e mostrava o arco com a flecha embebida. E, como a prudência é uma virtude nos próprios generais, estabelecendo premissas e uma conclusão de lógica de ferro, o nosso caminhante estugava a passada em longo rodeio, cujo termo era na vila.
Canabarro uma noite saíra da tenda e viera falar ao vaqueano.
Mal quis vingar o perímetro guardado, um vulto se lhe opôs, e o general, furioso e admirado, arrancou da espada. O grito do carancho soou. Era a senha, e, como por encanto, viu-se rodeado de tantos homens, num momento, que, de 40 que eram, julgou divisar um exército nas sombras flutuantes da hora. Os guaiacã levaram-no prisioneiro ao chefe.
Moisés sorriu, quando reparou no preso de tão alta categoria.
- Chega, Moisés! Que diabo de costume é este?
- Não recebo a pessoa de um general sem cortejo - disse gracejando.
E contou-lhe então os motivos por que assim procedia.
- Se ele não estivesse alistado em minha gente mandava prendê-lo; mas, vocês, por que não vêem lá se podem acomodá-lo?
- General, dois dos meus índios não deixam aquele demônio noite e dia. Se quiséssemos fazê-lo estender o molambo, por Deus! que não nos incomodaria mais. Eu cá pensei, mas o vaqueano não quer. ..
- Está bem, arranjem como puderem... Onde foi o vaqueano? Ando pensando que temos chamusco mais dia, menos dia.
- Os caramurus querem corcovear?
- Pior! Querem-nos pôr carona e boçal.
Armemos um pealo e zás! Serão eles os emboçalados.
- Ficaram desbarrigados depois do Rio Pardo, e agora pedem desforra. Hão de ver como os desabusamos, bagualada do rei.
Alguns dias depois os ranchos estavam vazios.
Os índios apreenderam um soldado que - por força queria falar com Avençal e trouxeram-no para as habitações onde o retinham, sob guarda rigorosa. Era de noite. Ele entrou na peça principal e sentou-se num cepo perto de alentador braseiro, sem pronunciar palavra. Não se lhe enxergava o rosto na penumbra do chapéu desabado. Silencioso e sombrio pousou a barba nas mãos, mergulhando em funda cisma. Sua imobilidade o assemelhava a esses guerreiros americanos acocorados nos camucins da derradeira morada.
A ampulheta do tempo vazava hora por hora sem que ninguém aparecesse.
Só a sentinela guaicanã descansava sobre o arco quase da longura de um corpo de homem. Parecia adormecida e, no entretanto, na atitude de estátua, era a personificação da vigilância. Imperturbável como a penedia ereta tinha cem olhos de argos, não perdia o menor acidente do teatro em que se achava; o ouvido era uma acústica viva, o argueiro que tombava, o zumbido do noctívago inseto nele repercutiam.
Avençal, Manduca, Moisés e outros entraram, já sabedores da prisão efetuada em sua ausência.
Seria meia-noite.
O soldado, ao vê-los, soltou um grito e caiu nos braços do vaqueano.
- Avençal! - murmurou.
- Rosita! - exclamou ele.
Largo espaço estiveram unidos, seio contra seio, os olhos debulhados em lágrimas, os lábios exaustos de carinhos.
Numa exclamação tinham dito tudo.
- Avençal e Rosita!
Que mais poderiam dizer?
Aqueles dois nomes para eles não constituíam uma religião, um poema de amor, a imensidade do infortúnio de duas almas nutridas dos mesmo sentimentos, refociladas na mesma crença ao pungir da mocidade? Que se fundiam na mesma aspiração? Tão irmãs como duas flores de um corimbo, como duas asas de beija-flor?
Culto grandioso e sublime de dois corações que se amam, de Romeu e julieta, malgrado os ódios de raça!
Em suas irradiações parecem superiores à natureza, ao espaço e a Deus, embora caiam inânimes na luta!
Quem lhes bradará: - Suspendam!
Vã tentativa! A pira recebe alimento, mais cresce a paixão a cada óbice, a labareda corre como na queimada devoradora e rápida, e torna-se como a entranha da terra; quanto maior pressão, mais a cratera vulcânica fumega, arde, extravasa, vence, mata!
Reprimiram afinal os ímpetos do peito.
- Avençal, fujamos daqui. Amanhã será tarde... Meu irmão procura-te, Avençal... Foge, eu te acompanho. Irei aonde fores. .
. - E travava-lhe das mãos com ar súplice.
- Também enveredo - disse o mulato.
- Fugir?! Não, não posso...
- Partamos... - renovou com o peito partido por um soluço. - Queres morrer! Não vês que nossa ventura deixará de ser uma mentira?
A imagem de José Capinchos, pedindo-lhe a vida em nome da amante, destacou-se no cérebro do mancebo. Esta recordação repassou de amargume o júbilo que por instantes lhe inundara a alma.
Tornou-o forte contra a tentação.
Falou consigo resoluto: - Cumpra-se o fado! - E a ela:
- Nossa ventura, minha Rosita... - e volveu os olhos para o céu... - Só lá!...
André, apenas chegara o exército da República, fora apresentar-se ao general para prestar o auxílio de que ele carecesse, e, de fato, prestou valiosos serviços, já em gente sua reunida ao exército, já em dinheiros. Não fora o amor à causa que o guiara.
Foi o pressentimento do ódio. julgava encontrar não só o caçador, mas também o inimigo do íntimo, mas a hora da vingança, hora há tanto almejada e estremecida.
Acertara.
Deparou ambos.
Captara o reconhecimento de Canabarro. Podia operar livremente. Pôs-se em cama. Mas a sanha do tigre teve de quebrar contra a fera têmpera dos aborígenes dedicados até a heroicidade. Moisés, de seu lado, também o pressentira e opusera a única força capaz de resistir-lhe, o único elemento de fidelidade a toda prova.
André queria tomar Avençal, a imaginativa deu-lhe o recurso de mil planos e emboscadas, malogrados sempre pela vigília eterna do gentio. Uma ocasião, no auge do desespero, estrangulou um destes. Outro apareceu, depois um outro e, por fim, turmas que iam aumentando progressivamente como onda após onda na fola dos mares. Fugiu. A irmã, ao vê-lo chegar em casa com as feições decompostas, abrigou-se no quarto. Tinha também feito um plano. Suas faculdades estavam reconcentradas num só ponto: a salvação do amante. Queria vê-lo e confiava em arrastá-lo longe da Laguna. Anoitecia. A
hora era propícia. O silêncio reinava em torno da morada. Abriu a rótula, e, disfarçando o sexo nos trajes de homem, saiu.
Com o passo apressado e trêmula foi dar no arranchamento como vimos. Não notara que dois vultos a seguiam de longe:
André e um peão.
Quando voltara com o desalento e o desespero na alma e a intuição de uma próxima desgraça, ao transpor a janela, viu destacar tremenda nos umbrais a figura do irmão, lívida de cólera, porém calma no exterior, como a face do oceano antes do furacão.
Ligeiro arrepio frisava-lhe a espaços os traços, e um som cavo e profundo regougava surdamente nas faces prestes a escancarar-se.
- Onde foste, Rosita? - perguntou.
- Que me queres? - respondeu, medindo-o, alucinada, da tartaraúna, como o leite da guararema, espadanou e foi borrifar a face da mimosa donzela.
- Que te quero ! Vai dizer tuas últimas rezas. . . E depois... irás contar a nosso pai o que fizeste por aqui esta noite... infame!
Rosita sentou-se à borda do leito e mergulhou a mão sob as roupas, que oscilaram por momentos.
E, plácida e radiante, a fronte como o lago em tarde serena ferido dos resplendores do ocaso, esfolhou um sorriso como pétalas de rosas, como acentos de harpas eólias, como dunas seráficas:
- Eu te amo, Avençal... Adeus!
Foi um sussurro... O adejo do espírito que foge do corpo.
Estava morta. Tinha uma adaga cravada no coração.
Capítulo XXII - O corredor do pangaré Manduca e João de Deus ataram uma carreira entre um alazão-ruano e um pangaré.
Logo no acampamento formaram partidos, apenas feito o atilho, e a parada subiu a trezentos patacões.
O vaqueano era o corredor do alazão.
Do outro não se soube até o dia. Os dois pujantes animais, tratados a palha de jerivá e bem amilhados, apareceram na raia.
Havia ali um mundo de gente toda agitada, soltando alta grita, a efervescência da arraia miúda preparada para uma grande festa.
- Paro três doblas no ruano - bradava um. - lsto é que é ginete, pelichou de dias e já fino na raia como uma seta. O alazão não reserva tiro nem parada em cinco quadras... Coepuxa! - E sacudia o relho com ar provocador.
- Sente-se no tiro, e a parada morta - disse outro. - Não um salta-pedras que dá pancas.
- Envido, amigo - retorquiu.
- Reenvido...
Rebentou sáfara pocema.
Um aderente do pangaré, que não vira com bons olhos a provocação do primeiro interlocutor, também rugiu-lhe aos ouvidos:
- Aquilo é um matungo, patrício! Um reúno!... Largo-lhe na cola a tiro de bola e ainda vou tomar-lhe o boçal.
- Helá! Este potranquilho agora desponta o colomilho e já no partir mata o pangaré a sacar de paleta...
- De fiador...
- Nem de orelha...
- Eu torno a repetir que cem léguas em derredor não há cavalo mais monarquiador, voluntário e parelheiro...
- Basta de levantar polvadeira! Não é só a boca que faz jogo, é a raia que há de fazê-lo. Não é por escarcear que se conhece o pingo. Num prisco do pangaré vai tudo raso.
- Qual pangaré, nem meio pangaré! O ruano, sim, é que voa, nem risca o chão!...
- Por Deus e um patacão! Ao heu da carreira o bagual do ruano se desmancha. .. E se há quem diga o contrário pise-me no poncho, que verá como o corto de arreador. E, desenfiando o poncho, e o revoluteando nos ares, arremessou-o por terra.
Num minuto facas despiram as bainhas e rebenques alçaram as açoiteiras. Era iminente um grave conflito, se não fosse a intervenção de Moisés e outros, que interceptaram e fizeram abortar furiosas agachadas.
São prelúdios das corridas.
- O que não dirá o general - advertiu o mulato -, se sabe que no brinquedo houve rusgas? Sosseguemos, se não queremos conselho de guerra e fuzilamentos.
Aplacou-se a conflagração.
Ao tumulto sucedeu o murmúrio de vozes comentando baixinho o sucesso.
Decorridos instantes um ponderou em tom alto:
- Com o diacho! Onde está o corredor do pangaré? Esperam que caia ali da carapuça do morro? - disse aludindo à névoa que coroava o cume de Santa Marta.
Era motivo para novo distúrbio, porém João de Deus apaziguou-o.
- Há dias veio um sujeito falar-me para corrê-lo, afirmando que ganharia e ao contrário pagaria o dobro. Às duas horas ele vem. Prometeu. Moisés teve apreensão tão repentina que bradou:
- Vamos lá esperar!... Corro eu com o mesmo conchavo.
- Não queremos. Não queremos - tomou em coro um sem-número de vozes. - Esperemos nosso corredor.
O mulato sobresteve fulo de cólera.
Depois achegou-se ao vaqueano e pronunciou mansinho: - Abandona o alazão, quem corre o outro é André Capinchos.
O moço encolheu os ombros com indiferença.
- Por Deus o digo, José!
O mesmo movimento.
Moisés mostrou impaciência e foi até o arranchamento aconselhar-se com os índios.
Às duas horas viram um cavalheiro a toda a brida.
Chegou.
Era André.
Avençal nem de leve se fez surpreso.
Os corredores puseram-se em mangas de camisa, ataram um lenço nos cabelos, tomaram dois talos de jerivá e montaram os cavalos em pêlo.
A carreira era de quatro quadras. Os julgadores nomeados foram para a raia. O poviléu apinhoscara em duas imensas turmas.
Começaram a partir.
- Assassino - dizia entre dentes, André -, hoje não tens um velho... Covarde!
As faces de Avençal carminaram levemente, porém não respondeu.
O outro prosseguiu:
- É necessário que eu te corte a cara, para te fazer falar?
Ainda o mesmo silêncio.
Quem os visse, diria que conversavam. Só Moisés adivinhava o que se passava, acariciando a coronha dum pistolão.
Na quarta vez, cerraram pernas e saíram. Os animais dilataram as narinas, distenderam o talhe esguio. Assemelhavam dois dardos num arremesso violento à flor da terra. Os dois homens, inclinados sobre as crinas dos briosos ginetes, com a respiração difícil na vertigem do galope a toda a rédea, devoravam o lançante do cerro com a velocidade do corisco...
Segui-los com os olhos, fitá-los era crer nos centauros míticos, era sentir as fontes latejarem no ourijo do pensamento.
O alazão começou a cortar luz de fiador. Capinchos aproveitou a ocasião, levantou o braço, ia ferir na face a Avençal... Uma flecha silvou dentre a rama dum salgueiro e arrancou-lhe o talo da mão erguida.
O fato produziu tão profunda sensação, que por momentos paralisou todas as línguas. Depois uma tempestade.
Moisés foi abraçar com entusiasmo o guaicanã de vista certeira. Os julgadores, em vista da ocorrência, anularam o que se tinha feito.
Avençal na velocidade em que ia não vira o que passara.
Mal deram a assentada, pularam dos cavalos.
André esbravejou:
- Houve trapaça de pés e mãos, e meteram caboclos no meio...
O vaqueano não pôde conter-se.
- Mentiste, perro! - bradou.
Duas facas lampejaram.
Muita gente rodeou-os.
Moisés acercou-se dos grupos e disse com voz de trovão:
- Deixem-nos brincar.. . São contas antigas... Caramba! Deixem-nos, ou então faço saltar os miolos do último dos Capinchos, raça de matadores... E tinha na destra o pistolão engatilhado, e o cenho ameaçador.
- Querem pelejar, rapazes? - refletiu um capitão da República, testemunha ocular do combate entre Bento Gonçalves e Onofre e muitos outros. - Eu os arranjo, venham cá. E voltando-se para o ajuntamento, cuja maioria era composta de soldados:
- Retirem-se, ou mando convidar o pelego do que não obedecer.
As mós do populacho pouco a pouco se rarefizeram, ainda que com murmúrio de descontentamento.
No dia seguinte vamos encontrar o referido capitão, os dois adversários e Moisés na costa dum rincão. Iam atirar a faca numa distância de 15 passos. O capitão quis sorteá-los, em conformidade das leis da honra.
O vaqueano com o habitual sangue-frio e indiferença da vida e, quem sabe, por desprezo do antagonista deu-lhe a primazia.
Este aceitou com um sorriso, onde transluziam íntimos júbilos, reflexos da alma que ia saciar a sede de sangue, alastro de ódio profundo. Tomaram os lugares.
Só o mulato tremeu diante da resolução do amigo, mas não ousou fazer a menor consideração deixou a Deus o desfecho do drama negro em que ele figurara entre as principais personagens.
André empalmou a faca, ficando o cabo para fora e a ponta da lâmina estendida sobre a parte interna do braço. Pinchou-a em direção ao peito de Avençal. Ia feri-lo no coração. Mas antes que o ferro o tocasse, este arredou o corpo e tomou-a no ar pelo cabo.
- Bravo! - exclamou o capitão, esfregando as mãos de contente. Isso é que é furtar a volta!
O filho de Capinchos empalideceu. Avençal fez o mesmo movimento, no entretanto com admiração de todos não fitou o adversário.
- Capitão - disse ele com voz onde o sarcasmo palpitava -, vê aquela lixiguana na ponta daque galho?
Todos olharam, viram a faca transpor um intervalo de 40 passos e vibrar encravada no centro da abelheira, a qual o mais que tinha era um palmo de diâmetro.
Era a soberania do desprezo.
André rugiu ao novo insulto, e, travando do pistolão na cinta, desfechou-o; o tiro seria mortal se Avençal presto como o galheiro não se inclinasse ... Num salto de rara agilidade coseu-se com o competidor, cingiu-o pela cintura, ergueu-o do chão e fê-lo rojar por terra como um brinco. Pôs-lhe um joelho no peito.
- André, vê? Podia matar-te. . . Não quero.
- Mata-me, que não perdoarei nunca a morte de meu pai.
- E quem assassinou os meus e a meus irmãos, roubando-lhes suas riquezas? Foi José Capinchos, amigo da casa. Fiz o que devia... Devia ter feito o mesmo em tua família, olho por olho, dente por dente. Não quis... entendeste? Deixa-me, não me procures mais ou então...
- Mata-me - repetia o outro -, venceste, salteador, tens direito... Não te pouparei se me deixas a vida.
- Vai-te, não temo os tigres.
O outro montou a cavalo ralado de raiva. Avençal foi buscar a faca na colméia. O capitão fez-lhe os maiores elogios. Só Moisés resmoneou entre os dentes:
- Aquela gavota. Aquela gavota, que tanto apreciou o cavalheiro de Amaral! - O mulato entendia que, se o irmão poupava André, era por causa de Rosita.
O vaqueano e o caçador, quando chegaram ao acampamento, foram rodeados dos populares, o capitão narrou o combate com todas as particularidades. Produziu hurras e algazarras formidáveis o acontecimento.
A popularidade do moço atingiu mais alguns furos.
João de Deus bebia como um inglês. Dizia ele satisfeito:
- Por Deus! Isto me livra dum peso de cem arrobas. Fui eu quem fez o amigo vaqueano ter a pendenga.
E os martelinhos de vinho se sucediam uns após os outros.
Capítulo XXIII - A cabeça de um anjo A noite reuniram-se na bodega do Bino Capenga, homem que seguia o exército com negócio.
Moisés convidara seus amigos para uma patuscada, donde excluiu a dança, porque desde certo tempo lhe votava singular ojeriza.
Havia com que molhar a palavra, cartas e violas. Bastava.
Avençal, como sempre, triste.
As violas tangiam.
- Lá vai verso, disse um guasca, tipo de cheripá, calças franjadas e chapéu de barbicacho.
Era um belo moço que aborrecia a estada em Santa Catarina, a ponto de sofrer de terrível nostalgia.
Começou:
Já não ando enrabichado, Não arrasto o meu cambão!
Aos bamburrais da tristeza Foi-se o pobre coração.
Que de saudades que sinto Das cochilhas lá do sul, Dos campos onde escarceia Meu parelheiro taful!
Ai vida longe dos pagos, Vida tirana, por Deus!
Quem não gosta da querência, Da querência que é dos seus?
Abombado, cabisbaixo Ando nas terras de cá, Deixo as bolas, deixo o laço, Deixo o pingo, tudo já.
Boi xucro que vai de tropa, Não chora o que eu já chorei;
Ai saudades de meu peito, Saudades do que deixei!
Vem-me tudo na memória:
As tronqueiras e o curral, A estância com seus potreiros, O vargedo e o macegal!
Vem-me a casa da Marucas, junto ao cerro do Baú, Marucas, a morenita, Sem parelha no tatu.
Ó tempos que eu roseteava Com Marucas no sertão, Chilenas finas de prata Repenicando no chão!
Adeus, barrigas-verdes, já vou a monarquiar, mosto mais do meu churrasco Que desses bagres do mar.
Dos campos do meu Rio Grande Muito quero e até demais;
Eu como dos seus rodeios E bebo dos seus ervais.
Volto à cancha dos amores, A cancha do meu viver, Que só lá posso chibante Estar com meu bem-querer.
Eh! muchacha, se me viras, Juraras que não sou eu, Pois vou-me desbarrigado Como quase quem morreu.
E juraras por teu rosto, Encarnadinho como uva, Que fiquei sem pelego E tornei-me boitatá?...
Heu! Heu! o meu cavalo Epuxa! que vou partir! ...
Risca a raia e teu relincho Novamente faz ouvir.
Salta sangas e Porteiras Que depressa já me vou Pouco rodar e planchar-me A campeiro como sou...
Retovei as boleadeiras, Nova ínhapa o laço tem.
Heu! Heu! a toda a rédea Prisco a prisco rompe além ...
Vamos, pingo, terra fora, Feia terra que pisei!
Ai saudades, ai saudades, Saudades do que deixei!
Terminou.
Os aplausos choveram sobre o trovador, cujas pálpebras umedeciam de pranto.
- Isto sim é botar versos! Senti cá por dentro não sei quê! Parece que o coração também me chorou...
- A quem toca?
- A mim.
E assim prosseguiram nos descontes, acabando pelo hino a Bento Gonçalves, cuja primeira estrofe é a seguinte:
Bento Gonçalves da Silva Da liberdade é o guia É herói porque detesta A infame tirania.
Todos o entoaram, exceto Avençal.
Enquanto uns jogavam a primeira, o trinta-e-um e a manilha, outros estalavam a língua nos sorvos da aguardente que chamavam a patrícia, e do vinho do reino, e alguns outros dedilhavam nos instrumentos os clássicos Anum, Tirana, Chimarrita e Tatu, além dos improvisos, toadas e canções da época, ele em seus pensamentos, isolado da reunião, ia longe refestelar o espírito numa imagem pura e santa, aurora que nos primeiros anos lhe sorrira com tanta volúpia, que ele pudera esquecer em muito tempo de adversidade e esquecimento de si próprio, mas que ao tornar a vê-Ia, fazia como reviver todo o passado risonho, toda uma paixão nascida para ser logo sufocada nos braços da consciência.
Na atmosfera de tristeza e infortúnio onde respirava, cria entrever uma luz... miragem do náufrago no meio do oceano! O
mundo não tinha mais um raio para fecundar a esterilidade de um semelhante coração. A alma humana exposta a um longo período de angústia suprema, queda como o rochedo do mar batido pelo vagalhão. Aquela não tem mais germe de crenças fundas, e como este não tem mais germes de vegetação, a não ser pelas fendas uma ou outra radícula moribunda.
Um guaicanã entrou. Entregou ao caçador uma caixa, dizendo:
- Irmão, trouxeram.
- Quem? - perguntou Moisés.
- Não sabe o guerreiro. Entregou a caixa uma mão estranha, que desapareceu ligeira como a nhandu do campo.
- Vamos abri-la.
Todos, salvo Avençal, rodearam, açulados pela curiosidade.
Mal o tampo ligado com uma corda de imbé cedeu à mão de Moisés, um grito de terror partiu de todos os peitos, os cabelos ouriçaram em cada fronte.
Havia uma cabeça de mulher.
Era a de Rosita.
O vaqueano despertou da cisma, ergueu-se e veio ao grupo.
Ficou estátua.
- André Capinchos! - vociferou Moisés, quase branco de fula que estava.
- E não o mataste, quando hoje o podias, amigo! - E voltando-se para o índio:
- Os guaicanã sigam o inimigo, tragam-no vivo... Caramba! Hei de fazer o que ele me ensinou uma vez.
E para os outros companheiros da tasca: - A cavalo, patrícios! Temos rebentona.
- A cavalo, patrícios! Temos rebentona. armas à cinta.
A sala esvaziou-se. Só José Avençal ficara.
- Pobre Rosita!
E o moço estreitou com veneração aquela cabeça ainda mais bela depois de morta, pálida como um busto de lioz com os cílios entreabertos como faria ainda uma vez ver o amante, com os lábios que pareciam nas inflexões em que congelaram estar pronunciando um só verbo: Avençal.
Ele beijou-a em delírio.
- Vítima de meu infortúnio, perdoa-me, perdoa-me...
Breve serei contigo.
E chorava, chorava o pobre moço.
Capítulo XXIV - Pavilhão tricolor O governo central assustou-se com a tomada da Laguna, viu a ilha de Santa Catarina ameaçada de próxima invasão, como os navios mercantes apresados por um inimigo cuja audácia e valor não tinham limites e chegavam até as fortificações de Tamarim e Ratones.Resolveu pois acabar com tão precária situação.
Nomeou no intuito o marechal Francisco José de Souza Soares de Andréa comandante das armas da Província invadida, e chefe de uma força naval o capitão-de-mar-e-guerra Frederico Mariath.
No dia 15 de novembro de 1839 entre imperiais e republicanos ia renhir-se porfiada luta, em que ambas as facções tinham de cobrir-se de memorável glória.
Canabarro campava na bateria que defendia o porto. Garibaldi com a esquadrilha em ordem de batalha.
Rompeu o fogo...
Quantas façanhas, quantos atos de bravura e heroismo não ficaram sepultos nesse dia em nuvens de fumo, no fundo das águas e no estrupido da peleja?
Como Canabarro e Garibaldi sorriam jubilosos, sob um céu de metralha e fogo! Leões da guerra, colunas avançadas da liberdade, cederam; mas, quando o exército dizimado por forças superiores constituiu num pugilo de bravos, quando da flotilha se viam apenas fragmentos boiantes sobre as ondas, cederam, é certo, ao número de recursos poderosos, não ao esforço e bizarria. Grandes na vitória e no infortúnio. Grandes na derrota, porque tinham no coração as lágrimas do desespero!
Derrota?! Não... Retirada grotiosa, ressaca de vagalhões que imprimiram o selo de sua pujança onde bateram, fracassando.
Senão, por que não os seguiram aqueles que cantavam os hinos triunfais? Por que os deixaram voltar sem oferecer combate, quando eram senhores da liça?
Razão intuitiva. A natureza do lugar, sem amplo desenvolvimento de fortificações, deslocou-os, não os venceu. O riograndense confia mais em seus braços do Briareo e em seus ombros de Atlante do que nos recursos oferecidos pela engenharia militar.
Retirando-se, poucos na verdade, ainda infundiam terror nas hostes contrárias, imobilizavam-nas.
O reduto fora arrasado. As pedras do parapeito atulhavam a berma, ostentando calva a banqueta onde pisavam tantos valentes, onde ainda alguns davam o último arranco de vida pela República.
Mariath varava a barra.
A bandeira tricolor flutuava na haste, crivada de balas, porém, como sempre, medindo altiva a bandeira do Império.
- Colham a bandeira! - bradou Canabarro, rubro de cólera, trêmulo de desesperação. . . - Coepuxa! Que é impossível estacar mais um momento! A posição vai ser tomada...
E de fato vários destacamentos vinham em direção.
- General, deixe-a - disse o vaqueano -, eu fico, vou dar-lhe uma lição. O chefe o conhecia muito bem para lhe confiar o estandarte, sem susto. Não quis saber mais, abraçou-o.
Tocou-se a retirada.
E partiram tantos heróis ainda com ímpetos de retrocederem, se a voz do chefe ordenasse.
Quantos naquele momento não preferiam ter ficado na arena da batalha, ouvindo o som estridente das cornetas? Quantos não seguiam constrangidos? O contrário, no entretanto, era impossível.
Mas o campeiro onde é que vê impossíveis, ele habituado às intempéries, vencendo dia após dia a natureza selvagem?
Partiram.
Avençal, só, ali se conservava. Por minutos desaparecera na casamata. Quando voltou trazia na mão um morrão aceso. As feições, há tanto contraídas pelos sofrimentos, difundiam-se numa alegria íntima e inefável. Volveu os olhos para o céu e pronunciou:
- Rosita, espera... é um instante.
Os imperiais aproximavam-se.
Ele espalhou um rastilho de pólvora através do terrapleno, da casamata até o mastro em que desfraldava o pavilhão. E
sentou-se junto dele num cômoro de ruínas.
Os legalistas galgaram a posição, julgando-a abandonada, com tanta rapidez que nem viera a lembrança de retirar a bandeira.
Vinham desprevenidos, porém mal o viram as armas procuraram a pontaria.
Não tiveram tempo.
Avençal bradou:
- Viva a República! - E seu braço abaixou o morrão; o rastilho incendiou e... uma detonação horrenda, nuvens de fumo, espadanas de fogo!
Quando o ar desanuviou, viu-se que o pavilhão da República não costumava render-se, ardia com seus inimigos.
.........................................................
Em frente à barra da Laguna ou do Tubarão demora a ilha dos Lobos. Enquanto o combate seguia as diversas evoluções, ali, sobre um penhasco, um homem contemplava impassível a cena. O fresco do mar açoitava-lhe a fronte e as ondas marulhavam-lhe as plantas, sem demovê-lo.
Tinha a fisionomia carregada de ódio. Parecia o ideal do mau gênio assistindo ao espetáculo da destruição entre os homens.
A rocha que lhe servia de pedestal não era mais imaleável, áspera e dura do que a têmpera de seu caráter.
Viu a explosão.
O lampejo de um pressentimento iluminou-lhe a alma. Sorriu como Caliban ou Mefistófeles! Instilação de fel e veneno!
- Meu pai - exclamou, gesticulando para o céu - estás vingado!
Meia hora depois um cadáver surgiu ao longe. O sangradouro o vomitava ao oceano. Ele, em cima do rochedo como o abutre farejando a preá, estendeu a vista e estorceu-se no acesso de uma gargalhada.
- É ele! É ele! - fremiu.
E arrojou-se ao mar após o corpo do morto...
Este homem era André Capinchos...
.........................................................
Moisés chorava no acampamento.
O caso era virgem, por isso mesmo teve o respeito de todo o exército.
Naquele dia que ia finar, perdera o querido irmão e quase todos os índios, seus fiéis companheiros.
Os guaicanã desapareciam para sempre da Terra. Entravam no domínio da posteridade, como uma tradição. Alguns 20 sobreviviam feridos e mutilados; poucos para representarem sua tribo guerreira.
Mas não era só a face do mulato que rorejava.
Todos que conheciam o vaqueano, ainda que muitos lhe invejassem a morte, o choravam. É que o pranto é sempre o epitáfio da saudade numa ruína onde vicejam flores olentes.
Porto Alegre, 1869.
Capítulo XXV - Epílogo Que tal tchê? Te agradou o livro?
Meio rebuscado com um linguajar da época e floreado pra mais de metro, mas... ainda assim, segundo a introdução que pudeste ler, o primeiro romance regionalista de nossos pagos!!! E um livro difícil de encontrar uma barbaridade!!
Eu espero que tu te cadastres na lista de distribuição de novidades da Página do Gaúcho, que pode ser acessada diretamente no seu menu principal, por que em breve estarei avisando aos inscritos a disponibilização de novos livros.
Valeu!!
Obrigado por prestigiar a cultura gaúcha!
Cordialmente Roberto Cohen Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2000


Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:
Página do Gaúcho - O maior site sobre a cultura GAÚCHA na internet

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas.



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