Munúsciulo Métrico
Que ao Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor D. FRANSCISCO DA ANUNCIAÇÃO, do Conselho de Sua Majestade, Prior Geral da Congregação Reformada dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, Prelado do Isento de Santa Cruz de Coimbra, Cancelário da universidade, Reitor e Reformador da mesma, na ocasião de ser segunda vez reconduzido ao mesmo Emprego lhe consagrou um ALUNO DA
ACADEMIA COIMBRENSE no seguinte.
ROMANCE HENDECASSÍLABO
Onde, ó Musa, me elevas? Onde sobes, Temerária ambição, se o campo estéril Da infrutífera idéia não fecundam Liberais desperdícios de Hipocrene?
Quebra as elevações; porque se moves As asas da ousadia, em vão pertendes Teus vôos alentar, sem que primeiro Da alta esfera a proporção observes.
E se é tão grande o Herói, que do respeito Nele os olhos fitar-se mal se atrevem, Como a indultos do júbilo se rompe Do sagrado silêncio o voto ardente?
Porém se as qualidades não distingue Do Sacrifício o Nume, não receies As aras perfumar de rude incenso, Que a vítima banhara de cem reses.
E vós, Prelado Augusto, ainda o excesso Do gosto, que me ocupa, não impede Ver que louco me elevo, se suplico Que vosso alento as atenções me preste.
Deixai que em digno apreço humilde possa A indócil oblação ornar alegre, Como ocioso troféu do egrégio Templo, Não o Altar, a planta das paredes Terceira vez, Prelado, ao reto Império, Não o destino, o mérito vos ergue;
Que no prêmio, Senhor, as influências Ser mais dignas que os méritos não devem.
Foi justa ação que o ínclito Monarca?
Terceira vez a vós vos elegesse:
Iguale a recompensa onde a virtude Triplicados os lauros se consegue.
Cálculo universal o confirmara, Se consultar quisera atentamente, Pelo doce escrutínio dos afetos, O ardor que os vossos súditos repetem.
A lísia Atenas o esplendor mais raro Em vós a sorte dispensou alegre, Para vivificar vossa doutrina As produções que nela agora vedes.
Maior ventura nossa hoje pondero;
Porque maior o júbilo se adverte, Sendo o bem estimável, quando ao logro De um largo obséquio liberal se estende.
Não é o excesso quem na dilatada Lisonja sempre o júbilo entorpece:
Vive o Romano de Nestor a idade, Mas não sem pranto amargo a Pátria o perde.
Nos bronzes e no mármore se restaura A duração do Herói, e se o fez breve Do tempo a ruína, o culto o perpetua, Dilatando-o nas cinzas igualmente.
Ilustre desempenho, sábio efeito Da vigilância superior foi este De um Rei, em cujo cérebro Minerva Se produz nos acertos, com que rege:
Quem mais digno que vós? Quem mais preclaro?
Quem vos pode igualar? Não quem excede O Magnânimo, o Afável, o Piedoso, O Ilustre, o Respeitoso, o Excelente?
Amplificar, Senhor, este traslado Não emprendo; que néscio é quem emprende Que no côncavo apenas de uma concha O Oceano vastíssimo se encerre.
Em vós acha o Monarca Soberano Quem de augustas porções o peito alente, Em cujo ardor ao triplicado peso Atlante o brio não declina, ou geme.
Por vós, como em hespérida cultura, Os frutos de Minerva brotam férteis, Áureos partos, que esmalta, e condecora O purpúreo matiz, cândido, e verde.
Quem destro como vós há, que domando Com dócil freio os ânimos rebeldes, Ao brando jugo da obediência atadas, As liberdades ásperas modere?
E porque dos triunfos na vaidade Superior o discurso não se eleve, Do raro Engenho ao decoroso lustre A nobreza do sangue se compete.?
Que florente região, sirte deserta, Doura délfico raio, onde não chegue Dos Saldanhas a glória, honrando a vaga Circunferência do âmbito terrestre?
Do régio tronco rama copiosa, Que o largo giro das idades mede, Melhor que pelos círculos dos anos, Contar os lustros pelas palmas deve.
De um, e outro Rio, nos distantes Pólos, Digam-no agradecidas as correntes, O de janeiro, sólio do regímen, Teatro o Ganges de marciais arneses.
Gravar, porém, nos mapas da memória O nome eterno vossos Ascendentes Não devem mais às durações de Paros, Que ao retrato fiel que em vós se atende.
As raras perfeições epilogando, Que a natureza entre os Heróis dispende, Em cada ação que obrais dais um assunto, Que desbasta Lisipo e pula Zêuxis.
A vossa devotíssima piedade A profusão larguíssima interprete, Com que no largo mar de tanta esmola Aos pobres extinguis mísera sede.
A vossa retidão louvem confusos, No horror de seus delitos, inda aqueles Que pela voz da pena divulgando Vêem a eqüidade com que a destra os fere.
Mas que muito, se obrando nos acertos, A alma de Licurgo em vós parece Autorizar platônico sistema, Que já, mais que persuade, nos convence!
Descobre a aguda perspicácia quanto Os Ciros, os Temístocles invejem;
Do natural benévolo atrativo O africano Cipião é cópia breve.
Na igualmente severa e grata fronte, Um mesmo laço inalterável prende Os lauros, que troféus são do respeito, Os troféus, que do amor lauros se advertem.
Vivei, pois, dilatai, Prelado Augusto, O alento vosso, e Láquesis, que o tece, De ouro o estame vos lavre, porque nunca Nele o curso instrumento descarregue.
Será: porque do fado a lei severa À vida de um Herói jamais se atreve, Que no cálculo faz dos benefícios Nenhum perdido dia se numere Mas quando a lei da Providência intime O decreto fatal, sei que obediente Por dar último crédito à virtude As ondas pisareis do escuro Letes.
Será, porém, sem susto: encomendado À eterna duração vivireis sempre, Trasladado das sombras do Sepulcro Da saudade ao monumento flébil.
Sufocando da mágoa os desalentos, Estímulos serão, que a dor serenem, Em bronze, em ouro, em mármores, em prata, Corinto, Potosi, Numídia, Mênfis.
E aqui, Herói Excelso, consagrando À atenciosa mudez culto decente, Quebra o ardor, rompe o plectro, a idéia estraga, Tíbia a voz, rouca a lira, o engenho débil.
LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Munúsculo Métrico, de Cláudio Manuel da Costa
Edição de Referência:
A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.