Visão
Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Por entre as galas, no fervor da dança, Vi passar, qual num sonho vaporoso, O rosto virginal duma criança.
Sorri-me - era o sonho de minh'alma Esse riso infantil que o lábio tinha:
- Talvez que essa alma dos amores puros Pudesse um dia conversar co'a minha!
Eu olhei, ela olhou... doce mistério!
Minh'alma despertou-se à luz da vida, E as vozes duma lira e dum piano Juntas se uniram na canção querida.
Depois eu indolente descuidei-me Da planta nova dos gentis amores, E a criança, correndo pela vida, Foi colher nos jardins mais lindas flores.
Não voltou; - talvez ela adormecesse Junto à fonte, deitada na verdura, E - sonhando - a criança se recorde Do moço que ela viu e que a procura!
Corri pelas campinas noite e dia Atrás do berço d'ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do caminho...
Cansei-me a procurar e não vi nada!
Agora como um louco eu fito as turbas Sempre a ver se descubro a face linda...
- Os outros a sorrir passam cantando, Só eu a suspirar procuro ainda!...
Onde foste, visão dos meus amores!
Minh'alma sem te ver louca suspira!
- Nunca mais unirás, sombra encantada, O som do teu piano à voz da lira?!...
Setembro - 1858