Sempre sonhos!...
Se eu tivesse, meu Deus, santos amores, Eu m'erguera cantando essa paixão, E atirara p'ra longe - sem saudade -
Este véu que me cobre a mocidade De tanta escuridão!
Eu que sou como o cardo do rochedo Quase morto dos ventos ao rigor, Encontrara de novo a minha vida, O sol da primavera e a luz perdida, Nos braços desse amor!
Minha fronte, que pende sofredora Acharia, meu Deus, inspirações, E o fogo que queimou Gilbert e Dante Correria mais puro e mais constante Na lira das canções!
No mundo tão gentil dos devaneios Minh'alma mais feliz saudara a luz, E apagara, Senhor, num beijo puro A dor imensa da perda do futuro Que à morte me conduz.
Por ela eu deixaria a voz das turbas E esta ânsia infeliz de gloria vã;
Na vida que nos corre tão sombria Eu seria, meu Deus, seu doce guia, E ela - minha irmã!
Eu velara, Senhor, pelos seus dias, Como a mãe vela o filho que dormiu:
Se um dia ela soltasse um só gemido, Eu iria saber porque ferido Seu seio assim buliu!
Como à sombra das árvores da pátria S'embala a doce filha dos tupis, A sombra da ventura e da esperança Embalara, meu Deus, essa criança Nos cantos juvenis!
Como o nauta olha o céu de primavera, Eu, sentado a seus pés, ébrio de amor, Espreitara tremendo no seu rosto A sombra fugitiva dum desgosto, À nuvem duma dor!
Eu lhe iria mostrar nos hinos d'alma Outro mundo, outro céu, outros vergéis;
Nossa vida seria um doce afago, Nós - dois cisnes vogando em manso lago, - Amor - nossos batéis!
Se eu tivesse, meu Deus, santos amores, Eu deixara este amor da glória vã;
Nesse mundo de luz, doce e risonho, A pudibunda virgem do meu sonho Seria minha irmã!
.... - 1858