Textos
Textos para uso geral de domínio público.

Redondilhas

Amor cuja providência (1595 - redondilha 038)
Amor que em meu pensamento (1595 - redondilha 032)
Ana quisestes que fosse (1668 - redondilha 033)
Aquela cativa (1595 - redondilha 106)
Aquele rosto que traz (1595 - redondilha 062)
A verdura amena (1598 redondilha 014)
Baixos e honestos andais (1595 - redondilha 081)
Campo, que te estendes (1598 - redondilha 011)
Campos cheios de prazer (1595 - redondilha 051)
Caterina é mais fermosa (1595 - redondilha 060)
Cinco galinhas e meia (1616 - redondilha 101)
Conde, cujo ilustre peito (1595 - redondilha 112)
Corre sem vela e sem leme (1595 - redondilha 117)
Costumadas artes sao (1595 - redondilha 071)
Cousa que este corpo não tem (1595 - Redondilha 063)
Cum real de amor (1598 - redondilha 093)
Da lindeza vossa (1595 - redondilha 026)
Dama d'estranho primor (1595 - redondilha 015)
D'Amor e seus danos (1595 - redondilha 105)
De maneira me sucede (1668 - redondilha 056)
Despois de sempre sofrer (1595 - redondilha 031)
Después que Amor me formo (1595 - redondilha 083)
Desque una vez miré (1616 - redondilha 035) De ver-vos a não vos ver (1595 - redondilha 077)
Dióme Amor tormentos dos (1595 - redondilha 073)
Dotou em vos natureza (1595 - redondilha 007)
Dous tormentos vejo (1616 - redondilhas 004)
É muito pera notar (1595 - redondilha 041)
Eles verdes são (1595 - redondilha 012)
Entre estes penedos (1598 - redondilha 010)
E se a pena não me atiça (1598 - redondilha 085)
Esses alfinetes vao (1595 - redondilha 022)
Este mundo es el camino (1595 - redondilha 115)
Este tempo vão (1595 - redondilha 002)
Eu, pera levar a palma (1668 - redondilha 091)
Eu sou boa testemunha (l595 - redondilha 013)
Falsos loores os dán (1595 - redondilha 048)
Foi a Esperança julgada (1595 - redondilha 065)
Ja'gora certo conheço (1598 - redondilha 088)
Juravas-me que outras cabras (1598 - redondilha 057)
Leva na cabeça o pote (1668 - redondilha 053)
Madre. si me fuere (1595 - redondilha - 089)
Menina mais que na idade (1595 - redondilha 040)
Mi corazón me han robado (1595 - redondilha 068)
Mi nueva y dulce querella (1595 - redondilha 069)
N'alma ua so ferida (1598 - redondilha 086)
Nao posso chegar ao cabo (1616 - redondilha 100)
Não sabendo Amor curar (1595 - redondilha 043)
Não sei quem assela (1598 - redondilha 019)
Não vos guardei, quando vinha (1668 - redondilha 055)
Ninguém vos pode tirar (1616 - redondilha 008)
Nos seus olhos belos (1616 - redondilha 005)
NÜa casada fui pôr (1595 - redondilha 064)
Nunca em prazeres passados (1668 - redondilha 084)
Nunca o prazer se conhece (1595 - redondilha 029)
O coração envejoso (1595 - redondilha 066)
Olhai que dura sentença (1595 - redondilha 042)
Os bons vi sempre passar (1598 - redondilha 116)
Os gostos, que tantas dores (1598 - redondilha 082)
Os privilégios que os reis (1595 - redondilha 052)
Para evitar dias maus (1860 - redondilha 049)
Peço-vos que me digais (1595 - redondilha 020)
Pelo meu apartamento (1616 - redondilha 024)
Para quem vos soube olhar (1595 - redondilha 072)
Perdigão, que o pensamento (1598 - redondilha 092)
Pois a tantas perdições (1598 - redondilha 027)
Pois onde te hão-de falar? (1616 - redondilha 103)
Pois o ver-vos tenho em mais (1595 - redondilha 045)
Por cousa tão pouca (1595 - redondilha 017)
Posible es a mi cuidado (1595 - redondilha 059)
Posto o pensamento nele (1616 - redondilha 054)
Pues me distes tal herida (1668 - redondilha 030)
Quando me quer enganar (1595 - redondilha 023)
Quando vos eu via (1595 - redondilha 003)
Que diabo há tão danado (1616 - redondilha 109)
Quem no mundo quiser ser (1595 - redondilha 108)
Quem põe suas confianças (1616 - redondilha 036)
Quem quer que viu, ou que leu (1595 - redondilha 099)
Quem tão mal vos empregou (1595 - redondilha 079) Quem viveu sempre num ser (1595 - redondilha 080)
Querendo Amor esconder-vos (1668 - redondilha 039)
Querendo escrever um dia (1595 - redondilha 006)
Quererdes profano Amor (1595 - redondilha 107)
Reinando Amor em dous peitos (1595 redondilha 090)
Se de dó vestida andais (1595 - redondilha 061)
Se derivais de verdade (1595 - redondilha 018)
Se de saudade (1595 - redondilha 021)
Se desejos fui jà ter (1595 - redondilha 076)
Se me for e vos deixar (1598 - redondilha 087)
Se na alma e no pensamento (1598 - redondilha 097)
Se não quereis padecer (1595 - redondilha 113)
Se só no ser puramente (1595 - redondilha 034)
Se trocar desejo (1595 - redondilha 025)
Se vos quereis embarcar (1668 - redondilha 050)
Sem olhos vi o mal claro (1598 - redondilha 098)
Sendo os restos envidados (1595 - redondilha 114)
Senhora, se eu alcançasse (1595 - redondilha 001)
Sepa quién padece (1616 - redondilha 095)
Sôbolos rios que vôo (1595 - redondilha 118)
Só porque é rapaz ruim (1598 - redondilha 094)
Suspeitas que me quereis (1595 - redondilha 016)
Tanto maiores tormentos (1595 - redondilha 028)
Tem tal jurdição Amor (1595 - redondilha 046)
Tenho-me persuadido (1595 - redondilha 070)
Tiempo perdido es aquel (1595 - redondilha 047)
Todo o trabalhado bem (1595 - redondilha 044)
Trataram-me com cautela (1595 - redondilha 075)
Tudo tendes singular (1616 - redondilha 009)
Üa Dama, de malvada (1595 - redondilha 067)
Üa diz que me quer bem (1595 - redondilha 078)
Ved que enganos señorea (1595 - redondilha 058)
Vêm-se rosas e boninas (1616 - redondilha 104)
Vendo amor que, com vos ver (redondilha 037)
Vi-o moço o pequenino (1595 - redondilha 074)
Viver eu, sendo mortal (1595 - redondilha 111)
Vossa Senhoria creia (redondilha 110)
[Vós] sois ua Dama (1668 - redondilha 096)
-Vuelve acá, no estês pasmado (1616 - redondilha 102) 38.
Glosa a este moto alheio:
Sem vós e com meu cuidado olhai com quem, e sem quem.
Amor, cuja providência foi sempre que não errasse, porque n'alma vos levasse, respeitando o mal de ausência quis que em vós me transformasse.
E vendo-me ir maltratado, eu e meu cuidado sós, proveio nisso, de atentado, por não me ausentar de vós, sem vós e com meu cuidado.
Mas est'alma que eu trazia porque vós nela morais, deixa-me cego, e sem guia;
que há por milhor companhia ficar onde vós ficais.
Assi me vou de meu bem onde quer a forte estrela, sem alma, que em si vos tem, co mal de viver sem ela:
olhai com quem, e sem que 32.
Glosa a este moto seu (acróstico):
A morte, pois que sou vosso, não na quero, mas se vem, [h]a-de ser todo meu bem.
Amor, que em meu pensamento com tanta fé se fundou, me tem dado um regimento que, quando vir meu tormento, me salve com cujo sou.
E com esta defensão, com que tudo vencer posso, diz a causa ao coração:
não tem em mim jurdição A morte, pois que sou vosso.
Por exprimentar um dia Amor se me achava forte nesta fé, como dizia, me convidou com a morte, só por ver se a tomaria.
E, como ele seja a cousa onde está todo o meu bem, respondi-lhe (como quem quer dizer mais, e não ousa):
não na quero, mas se vem...
Não disse mais, porque então entendeu quanto me toca;
e se tinha dito o não, muitas vezes diz a boca o que nega o coração.
Toda a cousa defendida em mais estima se tem:
por isso é cousa sabida que perder por vós a vida [h]a-de ser todo meu bem.
33.
A B C em motos AAAA
Ana quisestes que fosse o vosso nome da pia, para mor minha agonia.
Apeles, se fora vivo e a ver-vos alcançara, por vós retratos tirara.
Aquiles morreu no templo, contemplando de giolhos;
eu, quando vejo esses olhos.
Artemisa sepultou a seu irmão e marido;
vós a mim, e a meu sentido.
B
Bem vejo que sois, Senhora, extremo de fermosura, para minha sepultura.
CC
Cleópatra se matou vendo morto a seu amante;
e eu por vós, em ser constante.
Cassandra disse de Tróia que havia ser destruída;
e eu por vós, d'alma e da vida.
DD
Dido morreu por Enéas, e vós matais quem vos ama;
julgai se sois cruel dama!
Dianira, inocente, da má morte causadora;
vós, da minha, sabedora.
E
Eurídice foi a causa de Orfeu ir ao Inferno;
vos, de ser meu mal eterno.
FF
Fedra, só de puro amor, morreu por seu enteado;
eu, morro de desamado.
Febo vai escurecendo ante vossa claridade;
e eu, sem ter liberdade.
GG
Galateia sois, Senhora, Da fermosura extremo;
e eu, perdido Polifemo.
Genebra, que foi rainha, se perdeu por Lançarote;
e vós, por me dar a morte.
HH
Hércules, uma camisa de chamas o consumiu;
minha alma, dês que vos viu.
Hébis e Dido morreram com origor da mudança;
eu, vendo vossa esquivança.
JJJJ
Judit, que o duro Holofernes degolou, se viva fora, mate lhe déreis, Senhora.
Júlio César conquistou o mundo com fortaleza;
vós a mim com gentileza.
Júlio César se livrou dos imigos com abrolhos;
eu, não posso desses olhos.
Jazia-se o Minotauro preso no seu labirinto;
mas eu mais preso me sinto.
LL
Leandro se afogou e foi sua causa Hero;
e a mim o que vos quero.
Leandro se afogou no mar de sua bonança;
eu, no de vossa esperança.
MM
Minerva dizem que foi, e Palas, deusas da guerra:
e vós, Senhora, da terra.
Medeia foi mui cruel, mas não chegou a metade de vossa grã crueldade.
NN
Narciso o siso perdeu em vendo a sua figura;
eu, por vossa fermosura;
Ninfas enganam mil Faunos com seu ar e fermosura;
e, a mim, vossa figura.
OO
Os olhos choram o dano que em vos verem sentiram, mas eu pago o que eles viram.
Orfeu com a doce harpa venceu o reino de Plutão;
vós a mim, com perfeição.
PP
Páris a Helena roubou, por quem Tróia foi perdida;
e vós a mim, alma e vida.
Pirro matou Policena, perfeita em todos sinais;
e vós a mim me matais.
QQ
Quanto mais desejo ver-vos, menos vos vejo, Senhora:
não vos ver milhor me fora.
Querendo ver a Diana, Actéon perdeu a vida, que eu por vós trago perdida.
RR
Remédio nenhum não vejo que romedeie meu mal;
nem crueza à vossa igual.
Roma o mundo sujeita com armas, saber, temor vós a mim só por amor.
S
Sirena, na mor fortuna com enganos vai cantando;
e vós, sempre a mim matando.
TT Tisbe morreu por Píramo, a ambos matou o Amor;
a mim, vosso desfavor.
Tisbe pelo seu amante morreu com amor sobejo;
mas eu mais morto me vejo.
WW
Vénus, que por mais fermosa lhe deu Páris a maçã, não foi quanto vós louçã.
Vénus levou a maçã por vós não serdes, Senhora, nascida naquela hora.
XX
Xpõ vos acabe em graça, e vos faça piadosa tanto, quanto sois fermosa.
Xantopea tornou atrás por Apónio a invocar;
e vós não, a meu chamar.
106.
Trovas a üa cativa com quem andava de amores na Índia, chamada Bárbora Aquela cativa, que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa em suaves molhos, que para meus olhos fosse mais fermosa.
Nem no campo flores, nem no céu estrelas, me parecem belas como os meus amores.
Rosto singular, olhos sossegados, pretos e cansados, mas não de matar.
üa graça viva, que neles lhe mora, para ser senhora de quem é cativa.
Pretos os cabelos, onde o povo vão perde opinião que os louros são belos.
Pretidão de Amor, tão doce a figura, que a neve lhe jura que trocara a cor.
Leda mansidão que o siso acompanha;
bem parece estranha, mas bárbora não.
Presença serena que a tormenta amansa;
nela enfim descansa toda a minha pena.
Esta é a cativa que me tem cativo, e, pois nela vivo, é força que viva.
62.
Cantiga a Dona Guiamar de Blasfé, que se queimara no rosto com üa vela MOTO:
Amor que todos ofende teve, Senhora, por gosto, que sentisse o vosso rosto o que nas almas acende.
VOLTAS
Aquele rosto que traz o mundo todo abrasado, se foi da flama tocado, foi porque sinta o que faz.
Bem sei que Amor se lhe rende;
porém o seu pros[s]uposto foi sentir o vosso rosto o que nas almas acende.
14.
Cantiga a este meto seu:
Se Helena apartar do campo seus olhos, nascerão abrolhos.
VOLTAS
A verdura amena, gados, que pasceis, sabei que a deveis aos olhos de Helena.
Os ventos serena, faz flores de abrolhos o ar de seus olhos.
Faz serras floridas, faz claras as fontes:
se isto faz nos montes, que fará nas vidas?
Trá-las suspendidas como ervas em molhos, na luz de seus olhos.
Os corações prende com graça inumana de cada pestana ü alma lhe pende.
Amor se lhe rende, e, posto em giolhos, pasma nos seua olhos 81.
Cantiga a üa Dama que lhe virou o rosto MOTO
Olhos, não vos mereci que tenhais tal condição:
tão liberais para o chão, tão irosos para mi.
VOLTAS
Baixos e honestos andais, por vos negardes a quem não quer mais que aquele bem que vós no chão espalhais.
Se pouco vos mereci, não me estimais mais que o chão, a quem vós o galardão dais, e mo neguis a mi. *011 Campo, que te estendes Esta redondilha não foi disponibilizado pela FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,
que realizou a edição digital desta obra.
Agradecemos sua compreensão.
51.
Glosa a este mato alheio:
Campos bem-aventurados, tornai-vos agora tristes, que os dias em que me vistes alegre são já passados.
Campos cheios de prazer, vós, que estais reverdecendo, já me alegrei com vos ver;
agora venho a temer que entristeçais em me vendo.
E, pois a vista alegrais dos olhos desesperados, não quero que me vejais, para que sempre sejais campos bem-aventurados.
Porém, se por acidente, vos pesar de meu tormento, sabereis que Amor consente que tudo me descontente, senão descontentamento.
Por isso vós, arvoredos, que já nos meus olhos vistes mais alegrias que medos, se mos quereis fazer ledos, tornai-vos agora tristes.
Já me vistes ledo ser, mas despois que o falso Amor tão triste me fez viver, .
ledos folgo de vos ver, porque me dobreis a dor.
E se este gosto sobejo de minha dor me sentistes, julgai quanto mais desejo as horas que vos não vejo que os dias em que me vistes.
O tempo, que é desigual, de secos, verdes vos tem;
porque em vosso natural se muda o mal para o bem, mas o meu para mor mal.
Se perguntais, verdes prados, pelos tempos diferentes que de Amor me foram dados, tristes, aqui são presentes, alegres, já são passados.
60.
Cantiga a este moto alheio:
Caterina bem promete;
eramá I como ela mente I
VOLTAS
Caterina é mais fermosa para mim que a luz do dia;
mas mais fermosa seria se não fosse mentirosa.
Hoje a vejo piadosa, amanhã tão diferente que sempre cuido que mente.
Caterina me mentiu muitas vezes, sem ter lei, mas todas lhe perdoei por üa só que cumpriu.
Se, como me consentiu falar, o mais me consente, nunca mais direi que mente.
Má, mentirosa, malvada, dizei: para que mentis?
Prometeis, e não cumpris?
Pois sem cumprir, tudo é nada.
Não sois bem aconselhada;
que quem promete, se mente, o que perde não no sente.
Jurou-me aquela cadela de vir, pela alma que tinha;
enganou-me; tem a minha;
dá-lhe pouco de perdê-la.
A vida gasto após ela, porque ma dá se promete, mas tira-ma quando mente.
Tudo vos consentiria quanto quisésseis fazer, se esse vosso prometer fosse prometer um dia todo então me desfaria convosco; e vós, de contente, zombaríeis de quem mente.
Prometou-me ontem de vir, nunca mais me apareceu;
creio que não prometeu senão só por me mentir.
Faz-me enfim chorar e rir;
rio quando me promete, mas choro quando me mente.
Mas pois folgais de mentir, prometendo de me ver, eu vos deixo o prometer, deixai-me vós o cumprir:
haveis então de sentir quanto fica mais contente o que cumpre que o que mente.
101.
Volta a D. António, senhor de Cascais, que prometera a Luís de Camões seis galinhas recheadas por uma cópia que Ihe fizera, e Ihe mandava, por princípio de paga, meia galinha Cinco galinhas e meia deve o Senhor de Cascais;
e a meia vinha cheia de apetites para as mais.
112.
Trovas mandadas ao Vizo-Rei, com o mato anterior:
Conde, cujo ilustre peito merece nome de Rei, do qual muito certo sei que lhe fica sendo estreito o cargo de Vizo-Rei;
servirdes-vos de ocupar-me, tanto contra meu planeta, não foi senão asas dar-me, com as quais vou a queimar-me, como faz a borboleta.
E se eu a pena tomar que tão mal cortada tenho, será para celebrar vosso valor singular, dino de mais alto engenho.
Que, se o meu vos celebrasse, necessário me seria que os olhos da águia tomasse, só para que não cegasse no sol de vossa valia.
Vossos feitos sublimados, nas armas dinos de glória, são no mundo tão soados que em vós de vossos passados se ressuscita a memória.
Pois aquele animo estranho, pronto para todo efeito, espanta todo o conceito, como coração tamanho vos pode caber no peito.
A clemência que asserena coração tão singular, se eu nisso pusesse a pena, seria encerrar o mar em cova muito pequena Bem basta, Senhor, que agora vos sirvais de me ocupar, que assi fareis aparar a pena com que algüa hora vos vereis ao Céu voar.
Assi vos irei louvando, vós a mim do chão erguendo, ambos o mundo espantando:
vós, co a espada cortando, eu, co a pena escrevendo.
117.
Labirinto do Autor a queixar-se do mundo Corre sem vela e sem leme o tempo desordenado, dum grande vento levado;
o que perigo não teme é de pouco exprimentado.
As rédeas trazem na mão os que rédeas não tiveram:
vendo quando mal fizeram a cobiça e ambição disfarçados se acolheram.
A nau que se vai perder destrue mil esperanças;
vejo o mau que vem a ter;
vejo perigos correr quem não cuida que há mudanças.
Os que nunca sem sela andaram na sela postos se vêm:
de fazer mal não deixaram;
de demónio hábito têm os que o justo profanaram.
Que poderá vir a ser o mal nunca refreado?
Anda, por certo, enganado aquele que quer valer, levando o caminho errado.
É para os bons confusão ver que os maus prevaleceram;
posto que se detiveram com esta simulação, sempre castigos tiveram.
Não porque governe o leme em mar envolto e turbado, quem tem seu rumo mudado, se perece, grita e geme em tempo desordenado.
Terem justo galardão e dor dos que mereceram, sempre castigos tiveram sem nenhüa redenção, posto que se detiveram.
Na tormenta, se vier, desespere na bonança quem manhas não sabe ter.
Sem que lhe valha gemer verá falsar a balança.
Os que nunca trabalharam, tendo o que lhes não convém, se ao inocente enganaram perderão o eterno bem se do mal não se apartaram.
71. Cantiga a esta cantiga velha:
Falso cavaleiro ingrato, enganais-me:
vós dizeis que eu vos mato, e vós matais-me.
VOLTAS
Costumadas artes são para enganar inocências, piadosas aparências sobre isento coração.
Eu vos amo, e vós, ingrato, magoais-me, dizendo que eu vos mato, e vós matais-me.
Vede agora qual de nós anda mais perto do fim, que a justiça faz-se em mim e o pregão diz que sois vós.
Quando mais verdade trato, levantais-me que vos desamo e vos mato, e vós matais-me.
63.
Cantiga a este mato seu:
Da alma, e de quanto tiver, quero que me despojeis, contanto que me deixeis os olhos para vos ver.
VOLTAS
Cousa que este corpo não tem que já não tenhais rendida;
depois de tirar-lhe a vida, tirai-lhe a morte também.
Se mais tenho que perder mais quero que me leveis, cantento que me deixeis os olhos para vos ver.
93.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Tende-me mão nele qu'um real me deve I
VOLTAS
Cum real de amor, dous de confiança e três de esperança me foge o tredor.
Falso desamor se encerra naquele qu'um real me deve.
Pediu-mo emprestado, não lhe quis penhor;
é mau pagador, tendo-mo aferrado.
Cum cordel atado, ao Tronco se leve, qu'um real me deve.
Por esta travessa se vai acolhendo;
ei-lo vai correndo, fugindo a grã pressa.
Nesta mão e nessa o falso s'atreve, qu'um real me deve.
Comprou-me amor sem lhe fazer preço:
eu não lhe mereço dar-me desfavor.
Dá-me tanta dor que ando após ele pelo que me deve.
Eu de cá bradando, ele vai fugindo;
ele sempre rindo, eu sempre chorando.
{El} de quando em quando no amor s'atreve, como que não deve.
A falar verdade, ele já pagou;
mas inda ficou devendo ametade.
Minha liberdade é a que me deve:
só nela se atreve. 26.
Cantiga à tenção de Miraguarda MOTO:
Ver, e mais guardar de ver outro dia, quem o acabaria ?
VOLTAS
Da lindeza vossa, Dama, quem a vê, impossível é que guardar-se possa.
Se faz tanta mossa ver-vos um só dia, quem se guardaria?
Milhor deve ser neste aventurar, ver, e não guardar, que guardar de ver.
Ver, e defender, muito bom seria;
mas... quem poderia?
15.
Trovas a üa Dama Dama d'estranho primor, se vos for pesada minha firmeza, olhai não me deis tristeza, porque a converto em amor.
Se cuidais de me matar quando usais de esquivança, irei tomar por vingança amar-vos cada vez mais.
Porém vosso pensamento, como isento, seguirá sua tenção crendo que em tanta afeição não haja acrescentamento. Não creiais que destarte vos façais invencível;
que Amor sobre o impossível amostra que pode mais.
Mas já da tenção que sigo me desdigo;
que, se há tanto poder nele também vós podeis mais qu'ele neste mal que usais comigo.
Mas se for o vosso poder maior entre nós, quem poderá mais que vós se vós podeis mais que Amor?
Despois que, Dama, vos vi, entendi que perdera Amor seu preço;
pois o favor que lhe eu peço vos pede ele para si.
Nem duvido que não pode, de sentido, resistir;
pois, em vez de vos ferir, ficou, de vos ver, ferido.
Mas, pois vossa vista e tal em meu mal, que posso de vós querer?
Que mal poderei valer onde o mesmo Amor não val?
Se atentar, nenhum bem posso esperar;
e oxalá Que vos alembrasse já, sequer para me matar.
Mas nem com isto creiais que façais meus serviços mais pequenos;
porqu'eu, quando espero menos, sabei que então quero mais.
Nada espero, mas de mim crede este fero que, em ser vosso, vos quero tudo o que posso e não posso quanto quero.
Só por esta fantasia merecia de meus males algum fruito;
que ainda não quero muito para o muito que queria. De maneira que não é, na derradeira, grande espanto, que quem, Dama, vos quer tanto que outro tanto de vós queira.
105.
Cantiga a este moto:
Quem ora soubesse onde o Amor nasce, que o semeasse!
VOLTAS
D'amor e seus danos me fiz lavrador;
semeava amor e colhia enganos;
não vi, em meus anos, homem que apanhasse o que semeasse.
Vi terra florida de lindos abrolhos, lindos para os olhos, duros para a vida;
mas a rês perdida que tal erva pace em forte hora nace.
Com quanto perdi, trabalhava em vão;
se semeei grão, grande dor colhi.
Amor nunca vi que muito durasse, que não magoasse.
56.
Cantiga a este moto:
A alma que está ofrecida a tudo, nada lhe é forte; assi passa o bem da vida como passa o mal da morte VOLTAS De maneira me sucede o que temo, e o que desejo, que sempre o que temo, vejo, nunca o que a vontade pede.
Tenho tão oferecida alma e vida a toda a sorte que isso me dera da morte como já me dá da vida.
31.
Glosa a este moto de Francisco de Morais:
Triste vida se me ordena, pois quer vossa condição que os males, que dais por pena, me fiquem por galardão, Despois de sempre sofrer, Senhora, vossas cruezas, apesar de meu querer, me quereis satisfazer meus serviços com tristezas.
Mas pois embalde resiste quem vossa vista condena, prestes estou para a pena, que, de galardão, tão triste, triste vida se me ordena.
De contente do mal meu a tão grande extremo vim, que consinto em minha fim:
assi que, vos e mais eu, ambos somos contra mim.
Mas que sofra meu tormento sem querer mais galardão, não é fora de razão que queraa meu sofrimento, pois quer vossa condição.
O mel, que vós dais por bem, esse, Senhora, é mortal;
que o mal que dais como mal, em muito menos se tem, por costume natural.
Mas porém nesta vitória, que comigo é bem pequena, a maior dor me condena a pena, que dais por glória, que os males, que dais por pena. Que mor bem me possa vir, que servir-vos, não o sei.
Pois que mais quero eu pedir, se quanto mais vos servir, tanto mais vos deverei?
Se vossos merecimentos de tão alta estima são, assaz de favor me dão em querer que meus tormentos me fiquem por galardão.
83.
Glosa a esta Trova de Boscão:
Justa fué mi perdición, de mis males soy contento;
ya no espero galardón, pues vuestro merecimiento satistizo a mi pasiôn.
Después que Amor me formó todo de amor, cual me veo, en las leyes que me dió, el mirar me consintió, y defendióme el deseo.
Mas el alma, como injusta, en viendo tal perfección, dió a al deseo ocasión:
y pues quebré ley tan justa, justa fué mi perdición.
Mostrándoseme el Amor más benigno que cruel, sobre tirano, traidor, de celos de mi dolor, quiso tomar parte en él.
Yo, que tan dulce tormento no quieto dallo, aunque peco, resisto, y no lo consiento;
mas si me lo toma á trueco, de mis males soy contento.
Señora, ved lo que ordena este Amor tan falso nuestro!
Por pagar á costa ajena manda que de un mirar vuestro haga el premio de mi pena.
Mas vos, para que veáis tan engañosa tención, aunque muerto me sintáis, no miréis, que, si miráis, ya no espero galardón.
¿Pues que premio (me diréis)
esperas que será bueno?
Sabed, si no lo sabéis, que es lo más de lo que peno lo menos que merecéis.
¿Quién hace al mal tan ufano, y tan libre al sentimiento?
¿El deseo? No, que es vano.
¿El Amor? No, que es tirano ¿Pues? Vuestro merecimiento.
No pudiendo Amor robarme de mis tan caros despojos, aunque fué por más honrarme, vos sola para matarme le prestastes vuestros ojos.
Matáronme ambos á dos;
mas á vos con mas razón debe él la satisfacción;
que á mi por él, y por vos, satisfizo mi pasión, 35.
Glosa a este moto:
¿Qué veré que me contente?
Desque una vez miré, Señora, vuestra beldad, jamás por mi voluntad los ojos de vos quité.
Pues sin vos placer no siente mi vida, ni lo desea, si no quereis que os vea, ¿qué veré que me contente?
77.
Cantiga a este moto seu:
Pois me faz dano olhar-vos não quero, por não perder-vos que ninguém me veja ver-vos.
VOLTAS De ver-vos a não vos ver há dous extremos mortais;
e são eles em si tais que um por um me faz morrer;
mas antes quero escolher que possa viver sem ver-vos minh'alma, por não perder-vos.
Deste tamanho perigo que remédio posso ter, se vivo só com vos ver, se vos não vejo, perigo?
Quero acabar comigo que ninguém me veja ver-vos, Senhora, por não perder-vos.
73.
Cantiga a este moto alheio:
Amor loco amor loco, yo por vos, y vos por o otro.
VOLTAS
Dióme Amor tormentos dos para que pene doblado:
uno es verme desamado, otro es mancilla de vos.
!Ved que ordena Amor en nos!
Porque me vos hacéis loca?
que seáis loca por otro.
Tratáis Amor de manera que porque así me tratáis quiere que, pues no me amáis, que améis otro que no os quiera.
Mas con todo, so no os viera de todo loca por otro, con mas razón fuera loco.
Y tan contrario viviendo, alfin, alfin, conformamos, pues ambos a dos buscamos lo que más nos va huyendo.
Voy tras vos siempre siguiendo, y vos huyendo por otro:
andáis loca, y me hacéis loco.
7.
Cantiga a este moto alheio Vós, Senhora, tudo tendes, senão que tendes os olhos verdes.
VOLTAS
Dotou em vós Natureza o sumo da perfeição, que, o que em vós é senão, é em outras gentileza:
o verde não se despreza, que, agora que vós o tendes, são belos os olhos verdes.
Ouro e azul é a milhor cor por que a gente se perde;
mas, a graça desse verde tira a graça a toda a cor.
Fica agora sendo a flor a cor que nos olhos tendes, porque são vossos... e verdes!
4.
Outra volta à mesma cantiga Dous tormentos vejo grandes por extremo;
se vos vejo, temo, e, se não, desejo.
Quando me despejo e venho a escolher se temo o desejo, desejo o temer.
41.
Cantiga a este moto:
Da doença em que ardeis eu fora vossa mezinha, só com vós serdes minha VOLTAS
É muito para notar cura tão bem acertada, que podereis ser curada somente com me curar.
e quereis, Dama, trocar, ambos temos a mezinha: eu a vossa, e vos a minha.
Olhai que não quer Amor (porque fiquemos iguais pois meu ardor não curais, que se cure vosso ardor.
Eu cá sinto a vossa dor;
e se vós sentis a minha, dai e tomai a mezinha 12.
Cantiga a este mato alheio:
Menina dos olhos verdes, porque me não vedes?
VOLTAS
Eles verdes são, e têm por usança na cor, esperança e nas obras, não.
Vossa condição não é d'olhos verdes, porque me não vedes.
Isenções a molhos que eles dizem terdes, não são d'olhos verdes, nem de verdes olhos.
Sirvo de giolhos, e vós não me credes porque me não vedes.
Haviam de ser, porque possa vê-los, que uns olhos tão belos não se hão-de esconder;
mas fazeis-me crer que já não são verdes, porque me não vedes.
Verdes não o são no que alcanço deles;
verdes são aqueles que esperança dão.
Se na condição está serem verdes, porque me não vedes? 10.
Cantiga a este moto alheio.
Verdes são as hortas com rosas e flores;
moças que as regam matam-me d'amores.
VOLTAS
Entre estes penedos que daqui parecem, verdes ervas crecem, altos arvoredos.
Vai destes rochedos água com que as flores d'outras são regadas que matam d'amores.
Co a água que cai daquela espessura, outra se mestura que dos olhos sai:
toda junta vai regar brancas flores, onde há outros olhos que matam d'amores.
Celestes jardins, as flores, estrelas, horteloas delas são uns serafins.
Rosas e jasmins de diversas cores;
Anjos que as regam matam-me d'amores.
85.
Cantiga a üa Dama que perguntou ao Autor quem o matava MOTO:
Pergunteis-me quem me mata?
Não quero responder nada, por vos não fazer culpada.
VOLTAS
E se a pena neo me atiça a dizer pena tão forte, quero-me entregar à morte, antes que vós à justiça.
Porém, se tendes cobiça de vos verdes tão culpada, direi que não sinto nada.
22.
Trovas que mandou com um papel d'alfinetes a üa Dama Esses alfinetes vão a vos picarem, não mais, só porque julgueis então, o como me picarão os com que vós me picais.
Mas os que dessas estrelas vêm, têm pontas tão agudas que, em que estoutros vão co elas, podem-vos dar picadelas, mas os vossos dão feridas.
Assi que, se bem notais, no como ambos debatem, nunca podem ser iguais, que, inda que esses lá maltratem, estes cá maltratam mais.
Porém, já que Amor consente em piques tão desiguais, onde vós sois mais valente, eu, Senhora, sou contente do que vos contentar mais.
Venham os alfinetes cá desses olhos, porque acertem donde acerto já não há;
porém os meus que vão lá, só quero que vos apertem.
E deixando o mais passado, fazei que este papel seja pregado, digo, empregado, porque do seu gasalhado eu mesmo lhe tenho enveja.
E se eles em vós se pregam, por força os hei-de envejar, não só porque bem se empregam, mas porque, Senhora, chegam onde eu não posso chegar.
Lá vão e lá ficarão adonde continuamente a par de si vos terão; e nfim, lá vos picarão, eu cá picarei no dente.
115.
Trovas do Autor, na Índia, conhecidas pelo nome de «Disparates»
Este mundo es el camino adó ay ducientos vaus ou por onde bons e maus todos somos del menino.
Mas os maus são de teor que, dês que mudam a cor, chamam logo a el-Rei compadre;
e, enfim, dejalhos, mi madre, que sempre tem um sabor de «Quem torto naeo, tarde se [endireita».
Deixai a um que se abone, diz logo de muito sengo:
villas e castillos tengo, todos a mi mandar sone.
Então eu, que estou de molho, com a lágrima no olho, pelo virar do envés, digo-lhe: tu insanus es, e por isso não to talho:
pois «Honra e proveito não cabem |
[num saco».
Vereis uns, que no seu seio cuidam que trazem Paris, e querem com dous ceitis fender anca pelo meio.
Vereis mancebinho de arte com espada em talabarte;
não há mais Italiano.
A este direis:-Meu mano, vós sais galante que farte:
mas «Pan y vino anda el camino, que no mozo garrido».
Outros em cada teatro por ofício lhe ouvireis que se matarán con tres y lo mismo harán com cuatro.
Prezam-se de dar respostas com palavras bem compostas;
mas, se lhe meteis a mão, na paz mostram coração, na guerra mostram as costas:
porque «Aqui torce a porca o rabo».
Outros vejo por aqui, a que se acha mal o fundo, que andam emendando o mundo e não se emendam a si.
Estes respondem a quem deles não entende bem el dolor que está secreto;
mas porém quem for discreto responder-lhe há muito bem:
«Assi entrou o mundo, assi há-de sair».
Achareis rafeiro velho, que se quer vender por galgo:
diz que o dinheiro é fidalgo, que o sangue todo é vermelho.
Se ele mais alto o dissera, este pelote pusera;
que o seu eco lhe responda, que su padre era de Ronda, y su madre de Antequera e «Quer cobrir o céu cüa joeira».
Fraldas largas, grave aspeito para senador romano.
Õ que grandíssimo engano!
Que Momo lhe abrisse o peito!
Consciência que sobeja, siso, com que o mundo reja, mansidão outro que si;
mas que lobo está em ti, metido em pele de oveja!
E sabem-no poucos.
Guardai-vos d'uns meus senhores, que ainda compram e vendem;
uns que é certo que descendem da geração de pastores;
mostram-se-vos bons amigos, mas, se vos vêm em perigos, escarram-vos nas paredes;
que de fora dormiredes, irmão, que é tempo de figos;
porque «De rabo de porco nunca bom virote».
[Que dizeis duns, qu'as entranhas lhe estão ardendo em cobiça?
E, se têm mando, a justiça fazem de teias de aranhas, com suas hipocrisias que são de vós as espias?
Para os pequenos, uns Neros; para os grandes, tudo feros.
Pois tu, parvo, não sabias que «Lá vão leis, onde querem cruzados»?
Mas tornando a uns enfadonhos cujas cousas são notórias;
uns, que contam mil histórias mais desmanchadas que sonhos;
uns, mais parvos que zamboas, que estudam palavras boas, [a que ignorancia os atiça;]
estes paguem por justiça, que têm morto mil pessoas, por vida de quanto quero Adónde ienen las mentes uns secretos trovadores, que fazem cartas d'amores, de que ficam mui contentes?
Não querem sair à praça;
trazem trova por negaça;
e se lha gabais, que é boa, diz que é de certa pessoa.
Ora que quereis que faça, senão ir-me por esse mundo?
Ó tu, como me atarracas, escudeiro de solia, com bocais de fidalguia, trazidos quase com vacas;
importuno a importunar, morto por desenterrar parentes que cheiram já!
Voto a tal, que me fará um destes nunca falar mais com viva alma.
Uns que falam muito, vi, de que quisera fugir;
uns que, enfim, sem se sentir, andam falando entre si;
porfiosos sem razão;
e dês que tomam a mão, falam sem necessidade;
e se algüa hora é verdade, deve ser na confissão;
porque «Quem não mente...» Já me [entendeis.
Õ vós, quem quer que me ledes, que haveis de ser avisado, que dizeis ao namorado que caça vento com redes?
Jura por vida da Dama, fala consigo na cama, passa de noite, e escarra;
por falsete na guitarra põe sempre: viva quem ama, porque calça a seu propósito.
Mas deixemos, se quiserdes, por um pouco as travessuras porque entre quatro maduras leveis também cinco verdes.
Deitemo-nos mais ao mar;
e, se algum se arrecear, passe três ou quatro trovas.
E vós tomais cores novas?
Mas não é para espantar;
que «Quem porcos há menos, em cada [mouta lhe roncam».
Ó vós, que sois secretários das conciências reais, que entre os homens estais por senhores ordinários;
porque não pondes um freio ao roubar que vai sem meio, debaixo de bom governo?
Pois um pedaço d'inferno por pouco dinheiro alheio se vende a Mouro e a Judeu Porque a mente, afeiçoada sempre à real dignidade, vos faz julgar por bondade a malícia desculpada.
Move a presença real üa afeição natural, que logo inclina ao juiz a seu favor; e não diz um rifão muito geral que «O abade donde canta, [daí janta»?
E vós bailhais a esse som?
Por isso, gentis pastores, vos chama a vós mercadores um que só foi pastor bom.]
2.
Cantiga A este cantar velho:
Saudade minha, quando vos veria?
VOLTAS Este tempo vão, esta vida escassa, para todos passa, só para mim não.
Os dias se vão sem ver este dia, quando vos veria?
Vede esta mudança se está bem perdida, em tão curta vida tão longa esperança!
Se este bem se alcança, tudo sofreria, quando vos veria.
Saudosa dor, eu bem vos entendo;
mas não me defendo, porque ofendo Amor.
Se fôsseis maior, em maior valia vos estimaria.
Minha saudade, caro penhor meu, a quem direi eu tamanha verdade?
Na minha vontade, de noite e de dia sempre vos teria.
91.
Cantiga a este moto:
Com razão queixar-me posso de vós, que mel vos queixais;
pois, Senhora, vos sangrais, que seja num corpo vosso.
VOLTAS
Eu, para levar a palma com que ser vosso mereça, quero que o corpo padeça por vós, que dele sois alma.
Vós do corpo vos queixais, eu queixar-me de vós posso, porque, tendo um corpo vosso, na minh'alma vos sangrais. E sem fazer diferença no que de mim possuís, pelo pouco que sentis, dais à minh'alma doença.
Pois que dous aventurais oh! não seja o dano nosso:
sangre-se este corpo vosso, porque, minh'alma, vivais.
E inda, se atentardes bem, seguis medicina errada, porque para ser sangrada üa alma sangue não tem.
E pois em mim sarar posso males, que à minha alma dais, se inda outra vez vos sangrais, seja neste corpo vosso.
13.
Cantiga a este moto [seu?]
Com vossos olhos Gonçalves, Senhora, cativo tendes este meu coração Mendes.
VOLTAS
Eu sou boa testemunha que Amor tem por cousa má que olhos, que são homens já, se nomeiem sem alcunha, pois o coração apunha e diz: olhos, pois vós tendes, chamai-me coração Mendes.
48.
Cantiga a este moto alheio:
De vuestros ojos centellas, que encienden pechos de hielo suben por el aire al cielo, y en llegando son estrellas.
VOLTAS
Falsos loores os dan, que essas centellas tan raras no son nel cielo más claras que en los ojos donde están.
Porque cuando miro en ellas de como alumbran el suelo no sé que serán nel cielo;
mas sé que acá son estrellas.
Ni se puede presumir que al cielo suban, Senora, que la lumbre que en vos mora no tiene más que subir;
mas pienso que dán querellas a Dios nel octavo cielo, porque son acá en el suelo, dos tan hermosas estrellas.
65.
Cantiga a este mato seu:
Enforquei minha esperança;
mas Amor foi tão madraço que lhe cortou o baraço.
VOLTAS
Foi a Esperança julgada por sentença da Ventura, que, pois me teve à pendura, que fosse dependurada.
Vem Cupido co a espada, corta-lhe cerco o baraço.
Cupido, foste madraço!
88.
Cantiga a este moto alheio Vosso bem querer, Senhora:
vosso mal milhor me fora.
VOLTAS
Já'gora certo conheço ser milhor todo tormento onde o arrependimento se compra por justo preço.
Enganou-me um bom começo;
mas o fim me diz agora que o mal milhor me fora. Quando um bem é tão danoso que, sendo bem, dá cuidado, o dano fica obrigado a ser menos perigoso.
Mas se a mim, por desditoso, co bem me foi mal, Senhora, co vosso mal bem me fora.
57.
Cantiga a este moto:
Esconjuro-te, Domingas, pois me dás tanto cuidado, que me digas se te vingas:
viverei menos penado.
VOLTAS
Juravas-me que outras cabras folgavas de apacentar;
eu, por nao me magoar, fingia que eram palavras.
Agora d'arte te vingas d'algum meu doudo pecado, qu'inda [que] queiras, Domingas, não posso ser enganado.
Qualquer cousa busca o seu;
a fonte vai para o Tejo, e tu para o teu desejo por te vingares do meu.
De mi te esqueces, Domingas, como eu faço do meu gado.
Praza a Deus que, se te vingas, que moura desesperado.
Na fantasia te pinto;
falo-te, responde o monte;
busco o rio, busco a fonte, endoudeço, e não o sinto.
Domingas! no vale brado;
responde o eco:-Domingas!
E tu ainda te não vingas de me ver doudo tornado?
53.
Cantiga a este moto:
Descalça vai para a fonte Leanor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.
VOLTAS
Leva na cabeça o pote, o testo nas mãos de prata, cinta de fina escarlata, sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote, mais branca que a nove pura;
vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta, cabelos d'ouro o trançado, -fita, de cor d'encarnado, tão linda que o mundo espanta-;
chave nela graça tanta que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
89.
Cantiga a este moto:
Irme quieto, madre, á aquella galera, con el marinero á ser marinera.
VOLTAS
Madre, si me fuere, dó quiera que vó, no lo quiero yo, que el Amor lo quiere.
Aquél niño fiero hace que me muera, por un marinero á ser marinera.
Él, que todo puede, madre, no podrá, pues el alma vá, que el cuerpo se quede.
Con él, por quién muero, voy, porque no muera;
que, si es marinero, seré marinera.
Es tirana ley, del niño Señor, que por un amor se desenhe un Rey:
pues desta manera quiere, yo me quiero por un marinero hacer marinera.
Decid, ondas, ¿cuándo vistes vos doncella, siendo tierna y bella, andar navegando?
|Pues| más no se espera daquel niño fiero, vea yo quién quiero, sea marinera.
40.
Cantiga a este moto:
Menina fermosa e crua, bem sei eu quem deixará de ser seu, se vós quiséreis ser sua.
VOLTAS
Menina mais que na idade, se, para me querer bem, vos não vejo ter vontade, é porque outrem vo-la tem;
tem-vo-la, e faz-vo-la crua.
Porém eu já tomara não ser meu, se vós não fôreis tão sua.
Nos olhos e na feição vos vi, quando vos olhava, tanta graça que vos dava de graça este coração;
não no quisestes de crua, por ser meu:
se outrem vos dera o seu pode ser fôreis mais sua.
Menina, tende maneira que ainda não venha a ser -pois não quereis quem vos quer, -
que queirais quem vos não queira.
Olhai, não me sejais crua;
que pois eu quero ser vosso e não meu, sede vós minha e não sua. 68.
Glosa a este moto:
Vos tenéis mi corazón.
Mi corazón me han robado, y Amor, viendo mis enojos, me dijo: fuéte llevado por los más hermosos hojos que desque vivo he mirado.
Gracias sobrenaturales, te lo tienen en prisión, y si Amor tiene razón, Señora, por la señales vos tenéis mi corazón.
69.
Cantiga a este moto alheio:
De dentro tengo mi mal, que de fuera no hay señal.
VOLTAS
Mi nueva y dulce querella, es invisible á la gente;
el alma sola la siente, que el cuerpo no es dino della.
Como la viva centena se encubra en el pedernal de dentro tengo mi mal.
86.
Cantiga a este moto alheio:
Se alma ver-se não pode onde pensamentos ferem, que farei para me crerem?
VOLTAS SUAS
N'alma üa só ferida faz na vida mil sinais;
tanto se descobre mais quanto é mais escondida.
Se esta dor tão conhecida me não vêm, porque não querem, que farei para me crerem?
Se se pudesse bem ver quanto calo, e quanto sento, despois de tanto tormento cuidaria alegre ser.
Mas se não me querem crer olhos que tão mal me ferem, que farei para me crerem?
100.
Esparsa ao mesmo assunto Não posso chegar ao cabo de tamanho desarranjo, que sendo vós, Senhora, «Anjo», vos queira tanto o «diabo».
Dais manifesto sinal de minha muita firmeza, que os «diabos» querem mal aos «Anjos», por natureza.
43.
Cantiga a este moto:
Deu, Senhora, por sentença Amor, que fôsseis doente, para fazerdes à gente doce e fermosa a doença.
VOLTAS
Não sabendo Amor curar, foi a doença fazer fermosa, para se ver, doce para se passar.
Então, vendo a diferença que há de vós a toda a gente, mandou que fôsseis doente para glória da doença.
E digo-vos, de verdade, que a saúde anda envejosa, por ver estar tão fermosa em vós essa enfermidade.
Não façais logo detença, Senhora, em estar doente, porque adoecerá a gente com desejos da doença.
Que eu, por ter, fermosa Dama, a doença que em vós vejo, vos confesso que desejo de cair convosco em cama.
Se consentis que me vença este mal, não houve gente de saúde tão contente como eu serei da doença.
19.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Minina fermosa dizei: de que vem serdes rigorosa a quem vos quer bem?
VOLTAS
Não sei quem assela vossa fermosura;
que quem é tão dura não pode ser bela.
Vós sereis fermosa, mas a razão tem que quem é irosa não parece bem.
A mostra é de bela, as o obras são cruas;
pois qual destas duas ficará na sela?
Se ficar irosa não vos está bem.
fique antes fermosa, que mais força tem.
O Amor, fermoso se pinta e se chama:
se é amor, ama, se ama, é piadoso.
Diz agora a grosa que este texto tem, que quem é fermosa há-de querer bem.
Havei dó, minina, dessa fermosura;
que se a terra é dura, seca-se a bonina.
Sede piadosa;
não veja ninguém que, por rigorosa, percais tanto bem.
55.
Cantiga a este moto:
Ferro, fogo, frio e calma, todo o mundo acabarão;
mas nunca vos tirarão, alma minha da minh'alma!
VOLTAS
Não vos guardei, quando vinha, em torre, força, ou engenho;
que mais guardada vos tenho em vós, que sois alma minha.
Ali, nem frio nem calma, não podem ter jurdição;
na vida sim, porém não em vós, que tenho por alma.
8.
Cantiga a este cantar velho:
Sois fermosa e tudo tendes, senão que tendes os olhos verdes.
VOLTAS
Ninguém vos pode tirar [o] serdes bem assombrada;
mas heis-me de perdoar, que os olhos não valem nada.
Fostes mal aconselhada em querer que fossem verdes:
trabalhai de os esconderdes.
A vossa testa é jardim, onde Amor se desenfada;
é branca e bem talhada, que parece de marfim.
Assim é; e, quanto a mim, isso nasce de a terdes tão perto dos olhos verdes.
Os cabelos desatados o mesmo Sol escurecem;
senão que, por serem ondados, algum tanto desmerecem:
mas, à fé, que se parecem a furto dos olhos verdes, não vos pese de os terdes.
As pestanas têm mostrado ser raios que abrasam vidas;
se não foram tão compridas tudo o mais era pintado:
elas me tinham levado já sem o vós saberdes, se não foram os olhos verdes.
O mimo desse carão nem pôr-lhe os olhos consente:
e ser liso e transparente rouba todo o coração.
Inda assim achareis gente que lhe não pese de o terdes;
mas não seja cos olhos verdes.
Esse riso é composto de quantas graças nasceram;
senão que alguns me disseram vos faz covinhas no rosto.
Na vontade tenho posto dar-vos a alma, se quiserdes, a troco dos olhos verdes.
Nunca se viu, nem se escreve boca nem graça igual, se não fora de coral e os dentes de cor de neve.
Dou-me a Deus, que me leve!
Sofrerei quanto tiverdes, não me tenhais os olhos verdes.
Essa garganta merece outras palavras, não minhas, senão que é feita em rosquinhas de alfenim, o que parece.
Eu sei quem se ofrece a tomar tudo o que tendes, e também os olhos verdes.
Essas mãos são ferropeias, só o vê-las, enfeitiça;
senão que são alvas e cheias, e têm a feição roliça, com que apelais por justiça, pera com elas prenderdes quem vê vossos olhos verdes.
A vossa galantaria matará a quem falardes;
tendes uns desdéns e tardes que eu logo vos roubaria.
Dou-me a Santa Maria!
Sou cujo de quanto tendes, também desses olhos verdes.
5.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Pastora da serra, da serra da Estrela, perco-me por ela.
VOLTAS
Nos seus olhos belos tanto Amor se atreve, que abrasa entre a neve quantos ousam vê-los.
Não solta os cabelos Aurora mais bela:
perco-me por ela.
Não teve esta serra no meio da altura mais que a fermosura que nela se encerra.
Bem céu fica a terra que tem tal estrela:
perco-me por ela.
Sendo entre pastores causa de mil males, não se ouvem nos vales senão seus louvores.
Eu só por amores não sei falar nela:
sei morrer por ela.
De alguns que, sentindo, seu mal vão mostrando, se ri, não cuidando que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo só meus males dela, perco-me por ela.
Se flores deseja por ventura delas, das que colhe, belas, mil morrem de enveja.
Não há quem não veja todo o milhor nela:
perco-me por ela.
Se na água corrente seusolhos inclina, faz luz cristalina parar a corrente.
Tal se vê, que sente, por ver-se, água nela:
perco-me por ela.
64.
Cantiga a este moto alheio:
Amores de ua casada que eu vi pelo meu mel.
VOLTAS
Nüa casada fui pôr os olhos, de si senhores;
cuidei que fossem amores, eles fizeram-se Amor.
Faz-se o desejo maior donde o remédio não val em perigo de meu mal.
Não me pareceu que Amor pudesse tanto comigo que donde entra por amigo se levante por senhor.
Leva-me de dor em dor e de sinal em sinal, cada vez para mor mal.
84.
Glosa a este moto:
Foi-se gastando a esperança, fui entendendo os enganos;
do mal ficaram meus danos e do bem só a lembrança.
Nunca em prazeres passados tive firmeza segura, antes tão arrebatados que inda não eram chegados quando mos levou ventura.
E como quem desconfia ter em tal sorte mudança, no meio desta porfia, de quanto bem pretendia foi-se gastando a esperança.
Não tive por desatino a ocasião de perdê-la;
mas foi culpa do destino, que a ninguém, como mais dino, Amor pudera sustê-la.
Dei-lhe tudo o que era seu, não receando tais danos deste, a quem alma lhe deu;
quando já não era meu, foi entendendo os enganos.
Fiquei, deste mal sobejo a quem a causa compete, dizer-lhe tudo o que vejo, que Amor aceita o desejo, mas mente no que promete.
Que, se a mim se me obrigou a dar-me bens soberanos, foi engano que ordenou, que do bem tudo levou, do mal ficaram meus danos.
E se de dor tão desigual sofro em mim com padecê-los, quero de novo sofrê-los;
que, por a causa ser tal, não determino ofendê-los.
Dobre-se o mal, falte a vida, creça a fé, falte a esperança, pois foi mal agradecida;
fique a dor n'alma imprimida, e do bem só a lembrança.
29.
Glosa a este mato alheio:
Trabalhos descansariam se para vós trabalhasse; tempos tristes passariam se algüa hora vos lembrasse.
GLOSA
Nunca o prazer se conhece senão despois da tormenta;
tão pouco o bem permanece que, se o descanso florece, logo o trabalho arrebenta.
Sempre os bens se lograriam, mas os males tudo atalham;
porém, já que assi porfiam, onde descansos trabalham, trabalhos descansariam.
Qualquer trabalho me fora por vós grão contentamento;
nada sentira, Senhora, se vira disto algüa hora em vós um conhecimento.
Por mal que o mal me tratasse tudo por bem tomaria;
posto que o corpo cansasse, a alma descansaria, se para vós trabalhasse.
Quem vossas cruezas já sofreu, a tudo se pôs;
costumado ficará;
e muito milhor será, se trabalhar para vós.
Tristezas esqueceriam, posto que mal me trataram;
anos não me lembrariam, que, como estoutros passaram, tempos tristes passariam.
Se fosse galardoado este trabalho tão duro, não vivera magoado;
mas não o foi o passado, como o será o futuro?
De cansar não cansaria, se quiséreis que cansasse;
cansar, morrer, fá-lo-ia, tudo, enfim, me esqueceria, se algüa hora vos lembrasse.
66.
Cantiga a este moto seu: Pus o coração nos olhos e os olhos pus no chão, por vingar o coração.
VOLTAS
O coração envejoso como dos olhos andava, sempre remoques me dava que não era o meu mimoso:
venho eu, de piadoso do senhor meu coração, boto os meus olhos no chão.
42.
Trovas a üa dama doente Olhai que dura sentença foi Amor dar contra mi:
que, porque em vós me perdi, em vós me busca a doença.
Claro está que em vós só me achará;
que em mim, se me vem buscar, não poderá mais achar que a forma do que eu fui já.
Que se em vós Amor se pôs, Senhora, é forçado assi que o mal, que me busca a mi, que vos faça mal a vós.
Sem mentir, Amor me quis destruir por modo nunca cuidado, pois vos há-de ser forçado pesar-vos de vos servir.
Mas sois tão desconhecida, e são meus males de sorte que vos ameaça a morte porque me negais a vida.
Se por boa tal justiça se pregoa, quando desta sorte for, havei vós perdão de Amor, que a parte já vos perdoa.
Mas o que mais temo, enfim, é que nesta diferença que se não torne a doença se me não tornais a mim.
De verdade, que já vossa humanidade de que se queixe não tem;
pois para as almas também fez Amor enfermidade.
116.
Esparsa do Autor ao desconcerto do mundo Os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos;
e, para mais m'espantar, os maus vi sempre nadar em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim o bem tão mal ordenado, fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim anda o mundo concertado.
82.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Pequenos contentamentos, i buscar quem contenteis, que a mim não me conheceis, VOLTAS
Os gostos, que tantas dores fizeram já valer menos, não os aceita pequenas, quem nunca teve maiores.
Bem parecem vãos favores, pois tão tarde me quereis qu'inda me não conheceis.
Ofereceis-me alegria, tendo-me já cego e mouco:
é baixeza aceitar pouco quem tanto vos merecia.
Ide-vos por outra via, pois o bem que me deveis nunca mo satisfareis. 52.
Cantiga a este mato seu:
Descalça vai pela neve:
assi faz quem Amor serve.
VOLTAS
Os privilégios que os reis não podem dar, pode Amor, que faz qualquer amador livre das humanas leis.
Mortes e guerras cruéis, ferro, frio, fogo e neve, tudo sofre quem o serve.
Moça fermosa despreza todo o frio e toda a dor (olhai quanto pode Amor mais que a própria natureza):
medo nem delicadeza lhe impede que passe a nove;
assi faz quem Amor serve.
Por mais trabalhos que leve, a tudo se ofreceria;
passa pela nove fria, mais alva que a própria neve;
com todo o frio se atreve;
vede em que fogo ferve o triste que o Amor serve.
49.
Improviso A üas Senhoras que, jogando perto de üa janela, Ihes cairam «três paus» e deram na cabeça de Camões:
Para evitar dias maus da vida triste que passo, mandem-me dar um baraço, que já cá tenho três paus.
20.
Trovas a üa Senhora que estava rezando por üas contas Peço-vos que me digais as orações que rezastes se são pelos que matastes, se por vós, que assi matais?
Se são por vós, sãoperdidas;
que, qual será a oração que seja satisfação, Senhora, de tantas vidas?
Que, se vedes quantos vêm a só vida vos pedir, como vos há Deus ouvir se vós não ouvis ninguém?
Não podeis ser perdoada com mãos a matar tão prontas, que, se nüa trazeis contas, na outra trazeis espada Se dizeis que encomendando os que matastes andais, se rezais por quem matais, para que matais rezando?
Que, se na força do orar levantais as mãos aos Céus, não as ergueis para Deus, erguei-las para matar.
E quando os olhos cerrais todaenlevada na fé, cerram-se os de quem vos vê, para nunca verem mais.
Pois se assi forem tratados os que vos vêm quando orais, essas horas que rezais são as horas dos finados.
Pois logo, se sais servida que tantos mortos não sejam, não rezeis onde vos vejam, ou vede para dar vida.
Ou, se quereis escusar estes males que causastes, ressuscitai quem matastes, não tereis por quem rezar.
24.
Cantiga a este moto:
Vi chorar uns claros olhos quando deles me partia.
Oh! que mágoa! Oh! que alegria!
VOLTAS
Pelo meu apartamento se arrasaram todos d'água.
Quem cuidou que em tanta mágoa achasse contentamento?
Julgue todo entendimento qual mais sentir se devia:
se esta dor, se esta alegria!
Quando mais perdido estive, então deu a esta alma minha na maior mágoa que tinha o maior gosto que tive.
Assi, se minh'alma vive foi porque me defendia desta dor esta alegria.
O bem que Amor me não deu no tempo que o desejei, quando dele me apartei me confessou que era meu.
Agora, que farei eu se a fortuna me desvia de lograr esta alegria?
Não sei se foi enganado, pois me tinha defendido das iras de mal querido no mel de ser apartado.
Agora peno dobrado, achando no fim do dia o princípio d'alegria.
72.
Cantiga a este moto sei:
Se de meu mal me contento, é porque para vós vejo em todo o mundo desejo e em ninguém merecimento.
VOLTAS
Para quem vos soube olhar, tão impossível foi ser o poder-vos merecer, como o não vos desejar.
Pois logo a meu pensamento nenhum remédio lhe vejo, senão se der o desejo asas ao merecimento.
92.
Cantiga a esta cantiga alheia Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha:
VOLTAS
Perdigão, que o pensamento subiu em alto lugar, perde a pena do voar, ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento asas, com que se sustenha:
não há mal que lhe não venha.
Quis voar a üa alta torre mas achou-se desasado;
e, vendo-se depenado, de puro penado morre.
Se a queixumes se socorre, lança no fogo mais lenha:
não há mal que lhe não venha.
27.
Trovas a üna Senhoras que haviam de ser terceiras para com üa Dama sua Pois a tantas perdições, Senhoras, quereis dar vida, ditosa seja a ferida que tem tais cerurgiões!
Pois ventura me subiu a tanta altura que me sejais valedoras, ditosa seja a tristura que se cura por vossos rogos, Senhoras!
Ser minha pena mortal, já que entendeis que é assim, não quero falar por mim, que por mim fala meu mal.
Sois fermosas, haveis de ser piadosas, por ser tudo düa cor;
que pois Amor vos fez rosas milagrosas, fazei milagres d'amor.
Pedi a quem vós sabeis que saiba de meu trabalho, não pelo que eu nisso valho, mas pelo que vós valeis.
Que o valer de vosso alto merecer, com lho pedir de giolhos, fará que em meu padecer possa ver o poder que têm seus olhos.
Vossa muita fermosura co a sua tanto val que me rio de meu mal quando cuido em quem mo cura.
A meus ais peço-vos que lhe valhais, Damas de Amor tão validas, que nunca tal dor sintais que queirais onde não sejais queridas.
103.
Cantiga a este vilancete pastoril -Deus te salve, Vasco amigo Não me falas ? Como assi ?
-Bofé, Gil, não estava aqui VOLTAS
Pois onde te hão-de falar, se não estás onde apareces?
-Se Madanela conheces, nela me podes achar.
-E como te hão-de ir buscar, aonde fogem de ti?
-Pois nem eu estou em mi. Porque te não acharei em ti, como em Madanela?
-Porque me fui perder nela o dia que me ganhei.
-Quem tão bem fala, não sei como anda fora de si.
-Ela fala dentro em mi.
Como estás aqui presente, se lá tens a alma e a vida?
-Porque é de üa alma perdida aparecer sempre à gente.
-Se és morto, bem se consente que todos fujam de ti.
-Eu também fujo de mi.
45.
Glosa a este moto alheio:
Minha alma, lembrai-vos dela.
Pois o ver-vos tenho em mais que mil vidas que me deis, assi como a que me dais, meu bem, já que mo negais, meus olhos, não mos negueis.
E se a tal estado vim, guiado de minha estrela, quando houverdes dó de mim, minha vida, dai-lhe a fim, minha alma. lembrai-vos dela.
17.
Cantiga a este cantar velho:
Coifa de beirame namorou Joane.
VOLTAS
por cousa tão pouca andas namorado?
Amas a toucado e não quem o touca?
Ando cega e louca por ti, meu Joane;
tu, pelo beirame. Amas o vestido?
És falso amador.
Tu não vês que Amor se pinta despido?
Cego e perdido andas por beirame, e eu por ti, Joane.
Se alguém te vir, que dirá de ti?
Que deixas a mi por cousa tão vil!
Terá bem que rir, pois amas beirame, e a mim não, Joane.
Quem ama assi há-de ser amada;
ando maltratada de amores, por ti.
Ama-me a mi, e deixa o beirame, que é razão, Joane!
A todos encanta tua parvoíce;
de tua doudice Gonçalo se espanta e zombando canta:
-Coifa de beirame namorou Joane!
Eu não sei que viste neste meu toucado, que tão namorado dele te sentiste.
Não te veja triste:
ama-me, Joane, e deixa o beirame!
(Joane gemia, Maria chorava, assi lamentava o mal que sentia;
os olhos feria, e não o beirame que matou Joane.)
Não sei de que vem Amares vestido;
que o mesmo Cupido vestido não tem.
Sabes de que vem amares beirame?
Vem de ser Joane. 59.
Glosa ao mesmo moto Posible es a mi cuidado poderme hacer satisfecho, si fuera posible al hado hacer no echo lo echo, y futuro lo pasado.
Si olvido pudiera haber, fuera remedio sufrible;
mas ya que no puede ser, para contento me hacer, todo es poco lo posible.
54.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Na fonte está Leanor lavando a talha e chorando, as amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?
VOLTAS
Posto o pensamento nele, porque a tudo o Amor a obriga, cantava, mas a cantiga eram suspiros por ele.
Nisto estava Leanor o seu desejo enganando, às amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?
O rosto sobre üa mão, os olhos no chão pregados, que, do chorar já cansados, algum descanso lhe dão.
Desta sorte Leanor suspende de quando em quando sua dor; e, em si tornando, mais pesada sente a dor.
Não deita dos olhos água, que não quer que a dor se abrande Amor, porque em mágoa grande seca as lágrimas a mágoa.
Que, despois de seu amor soube novas, perguntando, d'emproviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!
30.
Cantiga a este moto:
Ojos, herido me habéis, acabad ya de matarme;
mas, muerto, volve á mirarme, por que me resucitéis.
VOLTAS
Pues me distes tal herida, con gana de darme muerte, el morir me es dulce suerte, pues con morir me dais vida.
Ojos, ¿qué os detenéis?
Acabad ya de matarme;
mas muerto volved á mirarme, por que me resuscitéis.
La llaga cierto ya es mía, aunque, ojos, vos no queráis;
mas si la muerte me dais, el morir me es alegría.
Y así digo que acabéis, ojos, ya de matarme;
mas muerto, volved á mirarme, por que me resucitéis.
23.
Trovas a üa Dama que lhe jurara sempre por seus olhos Quando me quer enganar a minha bela perjura, para mais me confirmar o que quer certificar, pelos seus olhos mo jura.
Como meu contentamento todo se rege por eles, imagina o pensamento que se faz agravo a eles não crer tão grão juramento.
Porém, como em casos tais ando já visto e corrente, sem outros certos sinais, quanto me ela jura mais tanto mais cuido que mente.
Então, vendo-lhe ofender uns tais olhos como aqueles, deixo-me antes tudo crer, só pela não constranger a jurar falso por eles.
3.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Vida da minh'alma não vos posso ver:
isto não é vida para se sofrer!
VOLTAS
Quando vos eu via, esse bem lograva, a vida estimava;
mais então vivia, porque vos servia só para vos ver.
Já que vos não vejo, para que é viver?
Vivo sem rezão, porque em minha dor não a pôs Amor, que inimigos são.
Mui grande treição me obriga a fazer que viva, Senhora, sem vos poder ver.
Não me atrevo já, minha tão querida, a chamar-vos vida, porque a tenho má.
Ninguém cuidará, que isto pode ser, sendo-me vós vida, não poder viver! 109.
Trovas que o Autor mandou da cadeia em que o tinha embargado por üa dívida Miguel Roiz, «Fios-Secos»
de alcunha, que se embarcava para fora, ao Conde do Redondo, Vizo-Rei, pedindo-lhe o fizesse desembargar Que diabo há tão danado que não tema a cutilada dos fios secos da espada do fero Miguel armado?
Pois se tanto um golpe seu soa na infernal cadeia, do que o demónio arreceia, como não fugirei eu?
Com razão lhe fugiria, se contra ele, e contra tudo, não tivesse um forte escudo só em Vossa Senhoria.
Portanto, Senhor, proveja, pois me tem ao remo atado, que, antes que seja embarcado, eu desembargado seja.
108.
Esparsa a um fidaldo, na Índia, que lhe tardava com uma camisa galante, que lhe prometera Quem no mundo quiser ser havido por singular, para mais se engrandecer há-de trazer sempre o dar nas ancas do prometer.
E já que vossa mercê largueza tem por divisa, como todo mundo vê, há mister que tanto dê que venha [a] dar a camisa.
36.
Cantiga a este moto: Quem se confia em olhos, nas meninas deles vê, que meninas não têm fé.
VOLTAS
Quem põe suas confianças em meninas sem assento, ofereça o sofrimento a duzentas mil mudanças.
Mostram no ar esperanças, mas em seus olhos se vê como não têm n'alma fé.
Enganam ao parecer, porque, no caso de amar, são mulheres no matar e meninas no querer.
Quem em seus olhos se crer, cem mil graças neles vê;
vê-las, sim, mas não ter fé.
Amostram-vos num momento favores assi a molhos;
mas na mudança dos olhos se lhe muda o pensamento.
Em nada têm assento, e o que mais neles se vê é fermosura sem fé.
99.
Cantiga a uma Dama de apelido Anjos, que lhe chamou diabo MOTO:
Senhora, pois me chamais tão sem razão tão mau nome, inda o diabo vos tome, VOLTAS
Quem quer que viu, ou que leu, terá por novo e moderno ter quem vive no Inferno o pensamento no Céu.
Mas se a vós vos pareceu que me estava bem tal nome, esse diabo vos tome.
Perdido mais que ninguém confesso, Senhora, ser; mas «diabo» não quer aos «Anjos» tamanho bem.
Pois logo não me convém, ou se me convém tal nome será para que vos tome.
Se vos benzeis com cautela, como de Anjo, e não de luz, mal pode fugir da Cruz quem vós tendes posto nela.
Mas já que foi minha estrela, ser «diabo», e ter tal nome, guardai-vos, que vos não tome Já que chegais tanto ao cabo, co as mãos postas aos Céus, vou sempre pedindo a Deus que vos leve este «diabo».
Eu, Senhora, não me gabo;
mas, pois que me dais tal nome, tomo-o, para que vos tome.
79.
Cantiga a üa Dama mal empregada MOTO SEU:
Minina, não sei dizer, vendo vos tão acabada, quão triste estou por vos ver fermosa e mal empregada.
VOLTAS
Quem tão mal vos empregou, pouco de mi se doía, pois não viu quanto me ia em tirar-me o que tirou.
Obriga o primor que tem lindeza tão extremada que digam quantos a vêm:
- Fermosa e mal empregada!
Tomastes da fermosura quanto dela desejastes, e com ela me guardastes para tão triste ventura.
Matáveis sendo solteira, matais agora em casada;
matais de toda a maneira;
Fermosa e mal empregada! 80.
Cantiga a este moto alheio:
Há um bem que chega e foge;
e chama-se este bem tal, ter bem para sentir mal.
VOLTAS
Quem viveu sempre num ser, inda que seja em pobreza, não viu o bem da riqueza, nem o mal de empobrecer:
não ganhou para perder;
mas ganhou com vida igual não ter bem nem sentir mal.
039.
Glosa ao mesmo moto Querendo Amor esconder-vos em parte que vos não visse, com extremos de querer-vos cegou-me os olhos com ver-vos, levou-os, sem que vos visse.
Eu, cego, mas atinado, quando vi que vos não via, do mesmo Amor indinado, já vedes qual ficaria sem vós e com meu cuidado.
006.
Cantiga a uma Dama, em forma de carta Querendo escrever um dia o mal que tanto estimei, cuidando no que poria, vi Amor que me dizia:
escreve, que eu notarei.
E como para se ler não era história pequena a que de mim quis fazer, das asas tirou a pena com que me fez escrever.
E, logo como a tirou, me disse: Aviva os espritos, que, pois em teu favor sou, esta pena que te dou fará voar teus escritos.
E dando-me a padecer tudo o que quis que pusesse, pude, enfim, dele dizer que me deu com que escrevesse o que me deu a escrever.
Eu, qu' este engano entendi, disse-lhe:-que escreverei ?
Respondeu, dizendo assi:
-Altos afeitos de ti, e daquela a quem te dei.
E já que te manifesto todas minhas estranhezas, escreve, pois que te prezas, milagres dum claro gesto e, de quem o viu, tristezas.
Ah! Senhora, em quem se apura, a fé de meu pensamento!
Escutai e estai a tento, que, com vossa fermosura, iguala Amor meu tormento.
E, posto que tão remota estejais de me escutar, por me não remediar, ouvi, que, pois Amor nota, milagres se hão-de notar:
Nota Escrevem vários autores, que, junto da clara fonte do Ganges, os moradores vivem do cheiro das flores que nascem naquele monte.
Se os sentidos podem dar mantimento ao viver, não é, logo, d'espantar, se estes vivem de cheirar, que viv' eu só de vos ver.
üa árvore se conhece, que, na geral alegria, ela só tanto entristece, que, como é noite, florece, e perde as flores de dia.
Eu, que em ver-vos sinto o preço que em vossa vista consiste, em a vendo me entristeço, porque sei que não mereço a glória de viver triste.
Um rei de grande poder com veneno foi criado, porque, sendo costumado, não lhe pudesse empecer se despois lhe fosse dado.
Eu, que criei de pequena a vida a quanto padece, desta sorte me acontece, que não me faz mal a pena senão quando me falece.
Quem da doença real, de longe, enfermo se sente, por segredo natural fica são, vendo somente um volátil animal.
Do mal que Amor em mim cria, quando aquela Fénix vejo, são de todo ficaria;
mas fica-me hidropesia, que quanto mais, mais desejo.
Da bívora é verdadeiro se a consorte vai buscar, que, em se querendo juntar, deixa a peçonha primeiro, porque lhe impede o gerar.
Assi quando me apresento à vossa vista inumana, a peçonha do tormento deixo a parte, porque dana tamanho contentamento.
Querendo Amor sustentar-se, fez üa vontade esquiva düa estátua namorar-se;
despois, por manifestar-se, converteu-a em mulher viva.
De quem me irei queixando, ou quem direi que m'engana, se vou seguindo e buscando üa imagem que, de humana, em pedra se vai tornando?
De üa fonte se sabia, da qual certo se provava que, quem sobr' ela jurava, se falsidade dizia, dos olhos logo cegava. Vós, que minha liberdade, Senhora, tiranizais, injustamente mandais quando vos falo verdade que vos não possa ver mais.
Da palma se escreve e canta ser tão dura e tão forçosa, que peso não a quebranta, mas antes, de presunçosa, com ele mais se levanta.
Co peso do mal que dais, a constancia que em mim vejo não somente ma dobrais, mas dobra-se meu desejo, com que então vos quero mais.
Se alguém os olhos quiser as andorinhas quebrar, logo a mãe, sem se deter, üa erva lhe vai buscar, que lhe faz outros nascer.
Eu, que os olhos tenho a tento nos vossos, que estrelas são, cegam-se os do entendimento, mas nascem-me os da razão de folgar com meu tormento.
Lá para onde o sol sai descobrimos, navegando, um novo rio admirando, que o lenho que nele cai, em pedra se vai tornando.
Não se espantem disto as gentes;
mais razão será que espante um coração tão possante que, com lágrimas ardentes, se converte em diamante.
Pode um mudo nadador na linha e cana influir tão venenoso vigor que faz mais não se bulir o braço do pescador.
Se começam de beber deste veneno excelente meus olhos, sem se deter, não se sanem mais mover a nada que se apresente.
Isto são claros sinais do muito que em mim podeis:
nem podeis desejar mais;
que, se ver-vos desejais, em mim claro vos vereis.
E quereis ver a que fim em mim tanto bem se pôs?
Porque quis Amor assim que, por vos verdes a vós, também me vísseis a mim.
Dos males que me ordenais, que inda tenho por pequenos, sabei, se mos escutais, que ja não sei dizer mais, nem vós podeis saber menos.
Mas já que a tanto tormento não se acha quem resista, eu, Senhora, me contento de terdes meu sofrimento por alvo de vossa vista.
Quantos contrários consente Amor, por mais padecer!
Que aquela vista excelente, que me faz viver contente, me faça tão triste ser!
Mas dou este entendimento ao mal que tanto me ofende, como na vela se entende que, se se apaga co vento, co mesmo vento se acende.
Exprimentou-se algüa hora da ave que chamam Camão, que, se da casa onde mora vê adúltera a senhora, morre de pura paixão.
A dor é tão sem medida, que remédio lhe não val;
mas, oh ditoso animal, que pode perder a vida quando vê tamanho mal!
Nos gostos de vos querer estava agora enlevado, se não fora salteado das lembranças de temer ser por outrem desamado.
Estas suspeitas tão frias, com que o pensamento sonha, são assi como as Harpias, que as mais doces iguarias, vão converter em peçonha.
Faz-me este mal infinito não poder já mais dizer, por não vir a corromper os gostos que tenho escrito cos males que hei-de escrever.
Não quero que se apregoe mal tanto para encobrir, porque, enquanto aqui se ouvir, nenhüa outra coisa soe que a glória de vos servir.
107.
Cantiga a üa mulher que foi açoutada por um homem de apelido Quaresma, na Índia MOTO:
Não estejais agravada, senão se for de vós mesma;
porque a mulher que é errada com razão pela Coresma deve ser desciprinada.
VOLTAS
Quererdes profano amor em Coresma, é consciência:
açoutes e penitência vos está muito milhor.
Não fiqueis disto afrontada, pois a culpa é vossa mesma;
que mulher que é tão malvada é bem que pela Coresma seja bem desciprinada.
Se a penitência vos val, mui bem açoutada estais;
pois por Coresma pagais vossos vícios do carnal.
Não torneis a ser errada, nem condeneis a vós mesma, pois estais já emendada;
e não sereis por Coresma outra vez desciprinada.
090.
Cantiga a üa Dama a quem não podia encontrar MOTO:
Qual terá culpa de nós neste mal que todo é meu?
quando vindes, não vou eu, quando vou, não vindes vós VOLTAS
Reinando Amor em dous peitos, tece tantas falsidades, que, de conformes vontades, faz desconformes efeitos.
Igualmente vive em nós;
mas, por desconcerto seu, vos leva, se venho eu, me leva, se vindes vós.
061.
Cantiga a üa Dama que estava vestida de dó MOTO:
De atormentado e perdido, já vos não peço senão que tenhais no coração o que tendes no vestido.
VOLTAS
Se de dó vestida andais por quem já vida não tem, porque não no haveis de quem vós tantas vezes matais?
Que brado sem ser ouvido, e nunca vejo senão cruezas no coração, e grande dó no vestido.
018.
Trovas a üa Senhora a quem deram um pedaço de cetim amarelo pera hüa filha de quem se tinha suspeita Se derivais da verdade esta palavra Sitim, achareis, sem falsidade, que após o Si, tem o Tim, que tine em toda a cidade.
Bem vejo que me entendeis;
mas porque não fale em vão, sabei que a esta nação tanto que o Si concedeis o Tim logo está na mão.
E quem da fama se arreda, que tudo vai descobrir, deve sempre de fugir de sitins, porque da seda seu natural é rugir.
Mas pano fino e delgado, qual raxa e outros assi, dura, aquenta e é calado, amoroso, e dá de si, mais que sitim, nem borcado.
Mas estes, que sedas são com quem s'enganam mil Damas, mais vos tomam do que dão;
prometem, mas não darão senão nódoas para as famas.
E se não me quereis crer, ou tomais outro caminho, por exemplo o podeis ver, quando lá virdes arder a casa de algum vezinho.
Ó feminina simpreza, donde estão culpas a pares, que por um Dom de nobreza, deixam dões de natureza, mais altos e singulares -um dom que anda enxertado no nome, e nas obras não!-
(Falo como exprimentado;
que, sitim desta feição, eu tenho muito cortado.)
Dizem-me que era amarelo;
a quem assi o quis dar, só para me Deus vingar, se vem à mão, amarelo, o que eu não posso cuidar.
Porque quem sabe viver por estas artes manhosas (isto bem pode não ser), dá a mininas fermosas somente polas fazer.
Quem vos isto diz, Senhora, serviu nas vossas armadas muito, mas anda já fora;
e pode ser que inda agora traz abertas as frechadas.
E, posto que desfavores o tiram de servidor, quer-vos ventura milhor;
que dos antigos amores inda lhe fica este amor. 021.
Cantiga a este mato alheio:
Se me levam águas nos olhos as levo.
VOLTAS
Se de saudade morrerei ou não, meus olhos dirão de mim a verdade.
Por eles me atrevo a lançar as águas que mostrem as mágoas que nesta alma levo.
As águas que em vão me fazem chorar, se elas são do mar estas d'amar são.
Por elas relevo todas minhas mágoas;
que, se força d'águas me leva, eu as levo.
Todas me entristecem, todas são salgadas;
porém as choradas doces me parecem.
Correi, doces águas, que, se em vós me enlevo, não doem as mágoas que no peito levo!
076.
Cantiga a este moto alheio:
Vede bem se nos meus dias os desgostos vi sobejos, pois tenho medo a desejos e quero mal a alegrias.
VOLTAS
Se desejos fui já ter, serviram de atormentar-me; se algum pôde alegrar-me, quis-me antes entristecer.
Passei anos, passei dias, em desgostos tão sobejas que, só por não ter desejos, perderei mil alegrias.
087.
Cantiga a esta cantiga alheia:
Se me desta terra for, eu vos levarei, amor.
VOLTAS
Se me for, e vos deixar (ponho, por caso, que possa), esta alma minha, que é vossa, convosco me há-de ficar.
Assi que, só por levar a minh'alma, se me for, vos levarei, meu amor.
Que mal pode maltratar-me que convosco seja mal?
Ou que bem pode ser tal que sem vós possa alegrar-me?
O mal não pode enojar-me, o bem me será maior se vos levar, meu amor.
097.
Esparsa a üa Dama por quem penava Se na alma e no pensamento por vosso me manifesto, não me pesa do que sento;
que, se não sofrer tormento, faço ofensa a vosso gesto.
E, pois quanto Amor ordena e quanto esta alma deseja tudo à morte me condena, não quero senão que seja tudo pena, pena, pena. 113.
Trovas que Luís de Camões fez, na Índia, a certos fidalgos a quem convidara para cear A primeira iguaria foi posta a Casco de Ataíde. entre dous pratos, e diria assim:
Se não quereis padecer üa ou duas horas tristes, sabeis que haveis de fazer?
Volveros por do venistes, que aqui não há que comer.
E posto que aqui leiais trovinha que vos enleia, corrido não estejais;
porque por mais que corrais não heis-de alcançar a ceia.
A segunda, a D. Franeisco d'Almeida:
Heliogábalo zombava das pessoas convidadas, e de sorte as enganava que as iguarias que dava vinham nos pratos pintadas.
Não temais tal travessura, pois já não pode ser nova;
que a ceia está mui segura de vos não vir em pintura, mas há-de vir toda em trova.
A terecira, a Heitor da Silveira:
Ceia não a papareis;
contudo, porque não minta, para beber achareis, não Caparica, mas tinta, e mil cousas que papeis.
E vós torceis o focinho, com esta anfibologia?
Pois sabei que a Poesia vos dá aqui tinta por vinho, e papéis por iguaria.
A quarta foi posta a João Lopes Leitão, a quem o Autor mandou um moto, que vai adiante, sobre uma peça de cacha, que este mandas ü a da Dama:
Porque os que vos convidaram vosso estâmago não danem, por justa causa ordenaram, se trovas vos enganaram, que trovas vos desenganem.
Vós tereis isto por tacha, converter tudo em trovar;
pois se me virdes zombar, não cuideis, Senhor, que é cacha, que aqui não há cachar.
Finge que, responde João Lopes Leitão:
Pesar ora não de São!
Eu juro pelo Céu bento se de comer me não dão, que eu não sou camaleão que me hei-de manter do vento.
Finge que responde o Autor:
Senhor, não vos agasteis, porque Deus vos proverá;
e se mais saber quereis, nas costas deste lereis as iguarias que há.
Vira o papel, que dizia assi:
Tendes nem migalha assada, cousa ne~nua de molho, e nada feito em empada, e vento de tigelada, picar no dente em remalho.
De fumo tendes tassalhos, aves da pena que sente quem de fome anda doente;
bocejar de vinho e de alhos, manjar em branco excelente.
A quinta e derradeira iguaria foi posta a Francisco de Melo e dizia:
De um homem que teve o ceptro da veia maravilhosa, não foi cousa duvidosa que se lhe tornava em metro o que ia a dizer em prosa.
De mim vos quero apostar que faça cousas mais novas de quanto podeis cuidar:
esta ceia, que é manjar, vos faça na boca em trovas.
034.
Glosa a este moto alheio:
Vejo-a n'alma pintada quando me pede o desejo o natural que não vejo.
Se só no ver puramente me transformei no que vi, de vista tão excelente mal poderei ser ausente enquanto o não for de mi.
Porque a alma namorada a traz tão bem debuxada, e a memória tanto voa que se a não vejo em pessoa, vejo-a n'alma pintada.
O desejo, que se estende ao que menos se concede, sobre vós pede e pretende, como o doente que pede o que mais se lhe defende.
Eu, que em ausência não vejo, tenho piadade e pejo de me ver tão pobre estar, que então não tenho que dar quando me pede o desejo, Como aquele que cegou é cousa vista e notória que a natureza ordenou que se lhe dobre em memória o que em vista lhe faltou;
assi a mim, que não rejo os olhos ao que desejo, na memória e na firmeza me concede a natureza o natural que não vejo.
025.
Cantiga a este mato alheio:
Trocai o cuidado, Senhora, comigo;
vereis o perigo que é ser desamado.
VOLTAS
Se trocar desejo o amor entre nós, é para que em vós vejais o que vejo.
E sendo trocado este amor comigo, ser-vos-á castigo terdes meu cuidado.
Tendes o sentido d'amor livre e isento;
e cuidais que é vento ser tão mal querido.
Não seja o cuidado tão vosso inimigo que queira o perigo de ser desamado.
Mas nunca foi tal este meu querer, que a quem tanto quer queira tanto mal.
Seja eu maltratado, e nunca o castigo vos mostre o perigo que é ser desamado.
050.
Cantiga este moto:
Quem disser que a barca pende, dir-lhe hei, mana, que mente.
VOLTAS
Se vos quereis embarcar e para isso estais no cais, entrai logo; que tardais?
Olhai que está preiamar!
E se outrem, por vos fretar, vos disser que esta que pende, dir-lhe hei, mana, que mente.
Esta barca é de carreira, tem seus aparelhos novos;
não há como ela outra em Povos, boa de leme e veleira.
Mas, se por ser a primeira, vos disser alguém que pende, dir-lhe hei, mana, que mente.
098.
Esparsa a üa Dama que lhe chamou «cara-sem-olhos»
Sem olhos vi o mal claro que dos olhos se seguiu:
pois «cara-sem-olhos» viu olhos que lhe custam caro.
De olhos não faço menção, pois quereis que olhos neo sejam;
vendo-vos, olhos sobejam, não vos vendo olhos não são.
114.
Cantiga a João Lopez, Leitão, na Índia, por causa de~ua peça de cacha que este mandou a ~ua Dama que se lhe fazia donzela MOTO:
Se vossa dama vos dá tudo quanto vós quisestes, dizei: para que lhe destes o que vos ela fez já?
VOLTAS
Sendo os restos envidados e vós de cachas mil contos, sabeis com quão poucos pontos que lhos achastes quebrados.
Se o que tem, isso vos dá, vós mui bem lho merecestes, porque, se a cacha lhe destes, tinha-vo-la feita já.
001.
Trovas a uma Dama que lhe mandou pedir algumas obras suas Senhora, se eu alcançasse no tempo que ler quereis, que a dita dos meus papéis pola minha se trocasse;
e por ver tudo o que posso escrever em mais breve relação, indo eu onde eles vão, por mim só quisésseis ler;
Depois de ver um cuidado tão contente de seu mal, veríeis o natural do que aqui vedes pintado;
que o perfeito Amor, de que sou sujeito, vereis áspero e cruel, aqui com tinta e papel, em mim co sangue no peito.
Que um contino imaginar naquilo que Amor ordena, é pena que, enfim, por pena se não pode declarar;
que, se eu levo dentro n'alma quanto devo de trasladar em papéis, vede qual melhor lereis:
se a mim, se aquilo que escrevo?
095.
Cantiga a este moto:
Dó la mi ventura?
Que no veo alguna.
VOLTAS
Sepa quién padece que en la sepultura se esconde ventura de quién la merece.
Allá me parece que quiere fortuna que yo halle alguna.
Naciendo mezquino, dolor fué mi cama;
tristeza fué el ama, cuidado el padrino.
Vestióse el destino, negra vestidura;
huyó la ventura.
No se halló tormento, que allí no se hallase;
ni bien que pasase, sino como viento. ¡Oh, que nacimiento, que luego en la cuna me seguió fortuna!
Esta dicha mía, que siempre busqué, buscandola, hallé que no la hallaría;
que quién nace en día d'estrella tan dura, nunca halla ventura.
No puso mi estrella más ventura en mí;
así vive en fin quién nace sin ella.
No me quejo della;
quéjome que atura vida tan escura.
118.
SUPER FLUMINA ...
Sôbolos rios que vão por Babilónia, m'achei, onde sentado chorei as lembranças de Sião e quanto nela passei.
Ali o rio corrente de meus olhos foi manado, e tudo bem comparado, Babilónia ao mal presente, Sião ao tempo passado.
Ali, lembranças contentes n'alma se representaram, e minhas cousas ausentes se fizeram tão presentes como se nunca passaram.
Ali, despois de acordado, co rosto banhado em água, deste sonho imaginado, vi que todo o bem passado não é gosto, mas é mágoa.
E vi que todos os danos se causavam das mudanças e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem quão pouco espaço que dura, o mal quão depressa vem, e quão triste estado tem quem se fia da ventura.
Vi aquilo que mais val, que então se entende milhor quanto mais perdido for;
vi o bem suceder mal, e o mal, muito pior.
E vi com muito trabalho comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento, e vejo-me a mim, que espalho tristes palavras ao vento.
Bem são rios estas águas, com que banho este papel;
bem parece ser cruel variedade de mágoas e confusão de Babel.
Como homem que, por exemplo dos transes em que se achou, despois que a guerra deixou, pelas paredes do templo suas armas pendurou:
Assi, despois que assentei que tudo o tempo gastava, da tristeza que tomei nos salgueiros pendurei os órgãos com que cantava.
Aquele instrumento ledo deixei da vida passada, dizendo:-Música amada, deixo-vos neste arvoredo à memória consagrada.
Frauta minha que, tangendo, os montes fazíeis vir para onde estáveis, correndo;
e as águas, que iam decendo, tornavam logo a subir:
jamais vos não ouvirão os tigres, que se amansavam, e as ovelhas, que pastavam, das ervas se fartarão que por vos ouvir deixavam.
Já não fareis docemente em rosas tornar abrolhos na ribeira florecente;
nem poreis freio à corrente, e mais, se for dos meus olhos.
Não movereis a espessura, nem podereis já trazer atrás vós a fonte pura, pois não pudestes mover desconcertos da ventura Ficareis oferecida à Fama, que sempre vela, frauta de mim tão querida;
porque, mudando-se a vida, se mudam os gostos dela.
Acha a tenta mocidade prazeres acomodados, e logo a maior idade já sente por pouquidade aqueles gostos passados.
Um gosto que hoje se alcança, amanhã já o não vejo;
assi nos traz a mudança de esperança em esperança, e de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa que esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte, que, quanto da vida passa está receitando a morte!
Mas deixar nesta espessura o canto da mocidade, não cuide a gente futura que será obra da idade o que é força da ventura.
Que idade, tempo, o espanto de ver quão ligeiro passe, nunca em mim puderam tanto que, posto que deixe o canto, a causa dele deixasse.
Mas, em tristezas e enojas em gosto e contentamento, por sol, por neve, por vento, terné presente a los ojos por quien muero tan contento.
Orgãos e frauta deixava, despojo meu tão querido, no salgueiro que ali estava que para troféu ficava de quem me tinha vencido.
Mas lembranças da afeição que ali cativo me tinha, me perguntaram então:
que era da música minha que eu cantava em Sião?
Que foi daquele cantar das gentes tão celebrado?
Porque o deixava de usar?
Pois sempre ajuda a passar qualquer trabalho passado. Canta o caminhante ledo no caminho trabalhoso.
por antr'o espesso arvoredo e, de noite, o temeroso cantando, refreia o medo.
Canta o preso documente os duros grilhões tocando;
canta o segador contente;
e o trabalhador, cantando, o trabalho menos sente.
Eu, qu'estas cousas senti n'alma, de mágoas tão cheia Como dirá, respondi, quem tão alheio está de si doce canto em terra alheia?
Como poderá cantar quem em choro banh'o peito?
Porque se quem trabalhar canta por menos cansar, eu só descansos enjeito.
Que não parece razão nem seria cousa idónea, por abrandar a paixão, que cantasse em Babilónia as cantigas de Sião.
Que, quando a muita graveza de saudade quebrante esta vital fortaleza, antes moura de tristeza que, por abrandá-la, cante.
Que se o fino pensamento só na tristeza consiste, não tenho medo ao tormento que morrer de puro triste, que maior contentamento?
Nem na frauta cantarei O que passo, e passei já, nem menos o escreverei, porque a pena cansará, e eu não descansarei.
Que, se vida tão pequena se acrecenta em terra estranha, e se amor assi o ordena, razão é que canse a pena de escrever pena tamanha.
Porém se, para assentar o que sente o coração, a pena já me cansar não canse para voar a memória em Sião.
Terra bem-aventurada, se, por algum movimento, d'alma me fores mudada, minha pena seja dada a perpétuo esquecimento.
A pena deste desterro, que eu mais desejo esculpida em pedra, ou em duro ferro, essa nunca sela ouvida, em castigo de meu erro.
E se eu cantar quiser, em Babilónia sujeito, Hierusalém, sem te ver, a voz, quando a mover, se me congele no peito.
A minha língua se apegue às fauces, pois te perdi, se, enquanto viver assi, houver tempo em que te negue ou que me esqueça de ti.
Mas ó tu, terra de Glória, se eu nunca vi tua essência, como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória, senão na reminiscência.
Que a alma é tábua rasa, que, com a escrita doutrina celeste, tanto imagina, que voa da própria casa e sobe à pátria divina.
Não é, logo, a saudade das terras onde naceu a carne, mas é do Céu, daquela santa cidade, donde esta alma descendeu.
E aquela humana figura, que cá me pôde alterar, não é quem se há-de buscar:
é raio de fermosura, que só se deve de amar.
Que os olhos e a luz que ateia o fogo que cá sujeita, não do sol, mas da candeia, é sombra daquela Ideia que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram são poderosos afeitos que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram maus caminhos por direitos.
Destes, o mando tirano me obriga, com desatino, a cantar ao som do dano cantares d'amor profano por versos d'amor divino.
Mas eu, lustrado co santo Raio, na terra de dor, de confusão e de espanto, como hei-de cantar o canto que só se deve ao Senhor?
Tanto pode o beneficio da Graça, que dá saúde, que ordena que a vida mude;
e o que tomei por vício me faz grau para a virtude;
e faz que este natural amor, que tanto se preza, suba da sombra ao Real, da particular beleza para a Beleza geral.
Pique logo pendurada a frauta com que tangi, ó Hierusalém sagrada, e tome a lira dourada, para só cantar de ti.
Não cativo e ferrolhado na Babilónia infernal, mas dos vícias desatado, e cá desta a ti levado, Pátria minha natural.
E se eu mais der a cerviz a mundanos acidentes, duros, tiranos e urgentes, risque-se quanto já fiz do grão livro dos viventes.
E tomando já na mão a lira santa, e capaz doutra mais alta invenção, cale-se esta confusão, cante-se a visão da paz.
Ouça-me o pastor e o Rei, retumbe este acento santo, mova-se no mundo espanto, que do que já mal cantei a palinódia já canto.
A vós só me quero ir, Senhor e grão Capitão da alta torre de Sião, à qual não posso subir se me vós não dais a mão.
No grão dia singular que na lira o douto som Hierusalém celebrar, lembrai-vos de castigar os ruins filhos de Edom. Aqueles que tintos vão no pobre sangue inocente, soberbos co poder vão, arrasai-os igualmente, conheçam que humanos são.
E aquele poder tão duro dos afeitos com que venho, que encendem alma e engenho, que já me entraram o muro do livre alvídrio que tenho;
estes, que tão furiosos gritando vêm a escalar-me, maus espíritos danosos, que querem como forçosos do alicerce derrubar-me;
Derrubui-os, fiquem sós, de forças fracos, imbeles, porque não podemos nós nem com eles ir a Vós, nem sem Vós tirar-nos deles.
Não basta minha fraqueza, para me dar defensão, se vós, santo Capitão, nesta minha fortaleza não puserdes guarnição.
E tu, ó carne que encantas, filha de Babel tão feia, toda de misérias cheia, que mil vezes te levantas, contra quem te senhoreia:
beato só pode ser quem co a ajuda celeste contra ti prevalecer, e te vier a fazer o mal que lhe tu fizeste;
Quem com disciplina crua se fere mais que üa vez, cuja alma, de vícios nua, faz nódoas na carne sua, que já a carne n'alma fez.
E boato quem tomar seus pensamentos recentes e em nacendo os afogar, por não virem a parar em vícios graves e urgentes;
Quem com eles logo der na pedra do furar santo, e, batendo, os desfizer na Pedra, que veio a ser enfim cabeça do Canto;
Quem logo, quando imagina nos vícios da carne má, os pensamentos declina àquela Carne divina que na Cruz esteve já.
Quem do vil contentamento cá deste mundo visível, quanto ao homem for possível, passar logo o entendimento para o mundo inteligível:
ali achará alegria em tudo perfeita e cheia, de tão suave harmonia que nem, por pouca, recreia, nem, por sobeja, enfastia.
Ali verá tão-profundo mistério na suma alteza que, vencida a natureza, os mores faustos do mundo julgue por maior baixesa Ó tu, divino aposento, minha pátria singular!
Se só com te imaginar tanto sobe o entendimento, que fará se em ti se achar?
Ditoso quem se partir para ti, terra excelente, tão justo e tão penitente que, despois de a ti subir lá descanse eternamente.
094.
Cantiga a este moto seu:
Venceu-me Amor, não o nego;
tem mais força qu'eu assaz;
que, como é cego, e rapaz, dá-me porrada de cego!
VOLTAS
Só porque é rapaz ruim, dei-lhe um bofete, zombando;
diz-me:-Ó mau, estais-me dando porque sois maior que mim?
pois se vos eu descarrego...
Em dizendo isto, chaz!
torna-m'outra. Tá! rapaz, que dás porrada de cego! 016.
Trovas a üas suspeitas Suspeitas, que me quereis?
Que eu vos quero dar lugar, que, de certas, me mateis, se a causa de que nasceis vos quisesse confessar.
Que de não lhe achar desculpa a grande mágoa passada me tem a alma tão cansada que, se me confessa a culpa, tê-la-ei por desculpada.
Ora vede que perigos têm cercado o coração, que, no meio da opressão, a seus próprios inimigos vai pedir a defensão!
Que, suspeitas, eu bem sei, como se claro vos visse, que é certo o que já cuidei;
que nunca mal suspeitei que certo me não saísse.
Mas queria esta certeza daquela que me atormenta;
por que em tamanha estreiteza ver que disso se contenta é descanso da tristeza.
Porque se esta só verdade me confessa, limpa e nua de cautela e falsidade, não pode a minha vontade desconformar-se da sua.
Por segredo namorado é certo estar conhecido que o mal de ser enjeitado mais atormenta sabido, mil vezes, que suspeitado.
Mas eu só, em quem se ordena novo modo de querela, de medo da dor pequena, venho achar na maior pena o refrigério para ela.
Já nas iras me inflamei, nas vinganças, nos furores que já, doudo, imaginei;
e já mais doudo o jurei de arrancar d'alma os amores.
Já determinei mudar-me pra outra parte com ira;
depois vim a concertar-me que era bom certificar-me no que mostrava a mentira.
Mas depois já de cansadas as fúrias do imaginar, vinha enfim a arrebentar em lágrimas magoadas e bem para magoar.
E deixando-se vencer os meus fingidos enganos, de tão claros desenganos não posso menos fazer que contentar-me cos danos.
E pedir que me tirassem este mal de suspeitar que me vejo atormentar, ainda que me confessassem quanto me pode matar.
Olhai bem se me trazeis, Senhora, posto no fim;
pois neste estado a que vim, para que vós confesseis se dão os tratos a mim.
Mas para que tudo possa Amor, que tudo encaminha, tal justiça lhe convinha;
porque da culpa que é vossa venha a ser a morte minha.
Justiça tão mal olhada, olhai com que-cor se doura, que quer, no fim da jornada, que vós sejais confessada para que eu seja o que moura!
Pois confessai-vos já' gora, inda que tenho temor que nem nest' última hora me há-de perdoar Amor vossos pecados, Senhora.
E assi vou desesperado, porque estes são os costumes de amor que é mal empregado, do qual vou já condenado ao inferno, de ciúmes!
028.
Glosas ao moto que lhe enviou Dona Francisca de Aragão para que Iho glosasse:
Mas porém a que cuidados ?
1ª.
Tanto maiores tormentos foram sempre os que sofri, daquilo que cabe em mi, que não sei que pensamentos são os para que nasci.
Quando vejo este meu peito a perigos arriscados inclinado, bem suspeito que a cuidados sou sujeito;
Mas porém a que cuidados ?
2ª.
Que vindes em mim buscar, cuidados, que sou cativo, e não tenho que vos dar?
Se vindes a me matar, já há muito que não vivo;
se vindes, porque me dais tormentos desesperados, eu, que sempre sofri mais, não digo que não venhais;
Mas porém a quê, cuidados?
3ª.
Se as penas que Amor me deu vêm por tão suaves meios, não há que temer receios, que val um cuidado meu por mil descansos alheios.
Ter nuns olhos tão fermosos os sentidos enlevados, bem sei que em baixos estados são cuidados perigosos;
Mas porém, ah! que cuidados!
Carta que Luís de Camões mandou a Dona Francisca de Aragão, com as glosas acima:
Senhora Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m., crendo me seria assi mais seguro: mas agora que é servida de me tornar a ressuscitar, por mostrar seus poderes, lembro-lhe que üa vida trabalhosa é menos de agradecer que üa morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se dela, não me fica mais que desejar, que poder acertar com este moto de v. m., ao qual dei três entendimentos, segundo as palavras dele puderam sofrer: se forem bons, é o moto de v. m.; se maus, são as glosas minhas.
046.
Glosa a este moto alheio:
Tudo pode üa afeição.
Tem tal jurdição Amor n'alma donde se aposenta e de que se faz senhor, que a liberta e isenta de todo o humano temor.
E com mui justa razão, como senhor soberano, que Amor não consente dano;
e pois me sofre tenção, gritarei por desengano:
tudo pode üa afeição.
070.
Cantiga a este moto seu:
De que me serve fugir da morte, dor e perigo, se me eu levo comigo?
VOLTAS
Tenho-me persuadido, por razão conveniente, que não posso ser contente, pois que pude ser nacido.
Anda sempre tão unido o meu tormento comigo que eu mesmo sou meu perigo.
E se de mi me livrasse, nenhum gosto me seria;
que, não sendo eu, não teria mal que esse bem me tirasse. Força é logo que assi passe, ou com desgosto comigo, ou sem gosto e sem perigo.
047.
Cantiga a este moto alheio:
¿Para que me dan tormento, aprovechando tan poco?
Perdido, mas no tan loco que descubra lo que siento.
VOLTAS
Tiempo perdido es aquel que se pasa en darme afán, pues quanto más me lo dán tanto menos siento del.
¿Que descubra lo que siento?
No lo haré, que no es tan poco;
que no puede ser tan loco quién tiene tal pensamiento.
Sepan que me manda Amor, que de tan dulce querella, a nadie dé parte della, porque la sienta mayor.
Es tan dulce mi tormento que aun se me antoja poco;
y si es mucho, quedo loco de gusto de lo que siento.
044.
Glosa a este moto alheio:
Sem ventura é por de mais.
Todo o trabalhado bem promete gostoso fruito, mas os trabalhos que vêm para quem dita não tem, valem pouco e custam muito.
Rompe toda a pedra dura, faz os homens imortais o trabalho, quando atura;
mas querer achar ventura sem ventura, é por de mais. 075.
Cantiga a esta cantiga velha:
Apartaram-se os meus olhos de mim tão longe...
Falsos amores, falsos, maus, enganadores !
VOLTAS
Trataram-me com cautela por me enganar mais asinha;
dei-lhe posse da alma minha, foram-me fugir co ela.
Não há vê-los, nem há vê-la, de mim tão longe...
Falsos amores, falsos, maus, enganadores!
Entreguei-lhe a liberdade, e enfim, da vida o milhor:
foram-se, e do desamor fizeram necessidade.
Quem teve a sua vontade de mim tão longe?
Falsos amores, e tão cruéis matadores!
Não se pôs serra nem mar entre nós, que fora em vão;
pôs-se vossa condição, que não doce é de passar.
Só ela vos quis leixar de mim tão longe!
Falsos amores!
...e oxalá que enganadores!
009.
Outras voltas ao mesmo moto Tudo tendes singular, com que os corações rendeis, senão que rindo fazeis covinhas para enterrar;
e para ressuscitar em força a graça que tendes;
senão que tendes os olhos verdes.
Tudo, Senhora, alcançais, quanto ser fermosa alcança;
senão que dais esperança cos olhos com que matais.
Se acaso os alevantais, [é para as almas renderdes;
senão que tendes os olhos verdes].
067.
Cantiga a este moto seu:
Pus meus olhos nüa funda, e fiz um tiro com ela às grades de üa janela.
VOLTAS
üa Dama, de malvada, tomou seus olhos na mão e tirou me üa pedrada com eles ao coração.
Armei minha funda então, e pus os meus olhos nela:
trape! quebro-lh'a janela.
078.
Cantiga a três Damas que lhe diziam que o amavam MOTO:
Não sei se me engana Helena, se Maria, se Joana, não sei qual delas me engana.
VOLTAS
Üa diz que me quer bem, outra jura que mo quer;
mas, em jura de mulher quem crerá, se elas não crêm?
Não posso não crer a Helena, a Maria, nem Joana, mas não sei qual mais me engana.
Üa faz-me juramentos que só meu amor estima;
a outra diz que se fina;
Joana, que bebe os ventos.
Se cuido que mente Helena, também mentirá Joana;
mas quem mente, não me engana.
058.
Glosa a este moto alheio:
Todo es poco lo posible.
Ved que enganos señorea nuestro juicio tan loco, que por mucho que se crea, todo el bien que se desea, alcançado, queda poco.
Un bien de cualquiera grado, si de haberse es imposible, queda mucho deseado, mas para mucho, alcanzado, todo es poco lo posible 104.
Cantiga a üa mulher que se chamava Grada de Morais MOTO:
Olhos em que estão mil flores e com tanta graça olhais, que parece que os Amores moram onde vós morais.
VOLTAS
Vêm-se rosas e boninas, olhos, nesse vosso ver;
vêm-se mil almas arder no fogo dessas mininas.
E di-lo hão minhas dores, meus suspiros, e meus ais;
e dirão mais, que os Amores moram onde vós morais.
037.
Glosa a este moto:
Sem vós e com meu cuidado Olha; com quem e sem quem. Vendo amor que, com vos ver, mais levemente sofria os males que me fazia, não me pode isto sofrer;
conjurou-se com meu fado, um novo mal me ordenou;
ambos me levam forçado não sei onde, pois que sou sem vós e com meu cuidado.
Não sei qual é mais estranho destes dous males que sigo, se não vos ver, se comigo levar imigo tamanho.
O que fica e o que vem, um me mata, outro desejo.
Com tal mal e sem tal bem, em tais extremos me vejo:
olhai com quem e sem quem, 074.
Cantiga a este moto alheio:
De pequena tomei Amor, porque o não entendi;
agora que o conheci, mata-me com desfavor.
VOLTAS
Vi-o moço e pequenino, e a mesma idade ensina que se incline üa minina, às mostras de um minino.
Ouvi-lhe chamar Amor, pelo nome me venci;
nunca tal engano vi, nem tamanho desamor.
Creceu-me de dia em dia com a idade a afeição, porque amor de criação, n'alma e na vida se cria.
Criou-se em mim este amor, e senhoreou-se de mi:
agora que o conheci, mata-me com desfavor.
As flores me torna abrolhos, a morte me determina quem eu trouxe de minina nas mininas dos meus olhos.
Desta mágoa e desta dor tenho sabido enfim, por amor me perco a mim, por quem de mim perde o amor.
Parece ser caso estranho o que Amor em mim ordena, que em idade tão pequena haja tormento tamanho.
milagres de Amor, hei-os de sofrer assi, até que haja dó de mi quem entender esta dor.
111.
Cantiga a este moto que lhe mandou o Vizo-Rei, na Índia, para que Luís de Camões lhe fizesse üas voltas MOTO:
Muito sou meu inimigo, pois que não tiro de mi cuidados com que nasci, que põem a vida em perigo.
Oxalá que fora assi!
VOLTAS
Viver eu, sendo mortal, de cuidados rodeado, parece meu natural;
que a peçonha não faz mal a quem foi nela criado.
Tanto sou meu inimigo, que, por não tirar de mi cuidados, com que naci, porei a vida em perigo.
Oxalá que fora assi!
Tanto vim a acrecentar cuidados, que nunca amansam enquanto a vida durar, que canso já de cuidar como cuidados não cansam.
Se estes cuidados que digo dessem fim a mi e a si, fariam pazes comigo;
que pôr a vida em perigo, o bom fora para mi. 110.
Trovas que Heitor da Silveira mandou ao mesmo Conde, invernando em Goa Vossa Senhoria creia que não apura o engenho fome, se é como a que tenho, mas afraca e corta a veia.
E quem o contrário sente está farto em toda a hora, como estou faminto agora.
Mas Marta, se está contente, dá-lhe pouco de quem chora.
E pois Vossa Senhoria, em geral, a tudo acode, acuda a mim, que só dar-me no engenho valia.
Esperte esta musa minha, que o tempo traz sonorenta, valha-me nesta tormenta com essa doce mezinha que só dá vida e a contenta.
Acuda com provisão não de papel, mas provida de ouro e prata: que esta vida não sustentam papéis, não.
De feitor a tesoureiro ser-me hia trabalho grande;
Vossa Senhoria mande algum remédio primeiro com que a morte o ferro abrande.
Ajuda de Luís de Camões:
Nos livros doutos se trata, que o grande Aquiles insano deu a morte a Heitor troiano;
mas agora a fome mata o nosso Heitor lusitano.
Só ela o pode acabar, se essa vossa condição liberal e singular não mete entre eles bastão bastante para o fartar. 96.
Trovas {Vós} sois üa dama das feias do mundo;
de toda a má fama sois cabo profundo.
A vossa figura não é para ver;
em vosso poder não há fermosura.
{Vós} fostes dotada de toda a maldade;
perfeita beldade de vós é tirada.
Sois muito acabada de tacha e de glosa:
pois, quanto a fermosa, em vós não há nada.
De grão merecer sois bem apartada;
andais alongada do bem parecer.
Bem claro mostrais em vós fealdade:
não há i maldade que não precedais.
De fresco carão vos vejo ausente;
em vós é presente a má condição.
De ter perfeição mui alheia estais;
mui muito alcançais de pouca razão.
102 Cantiga a este vilancete pastoril:
-¿Porqué no miras, Giraldo, mi zampoña como suena ?
-Porque no me mira Elena.
VOLTAS
-Vuelve acá, no estês pasmado, ¡mira que gentil sonar!
-¿Como te podrá mirar quién no puede ser mirado? -{¡Y} que bueno enamorado!
¿No dirás, si es mala o buena?
-No, que me hizo mudo Elena.
-Mira tan dulce armonía, déjate desos enojes.
-Tengo clavados los ojos con que mirar te podía.
-Así Dios te de alegría:
¿no vés cuán dulce y serena?
-No, porque no veo Elena.ondilhas


Texto-base:
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas de Luís Camões. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa
Pimpão.

Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt)
IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)


Agradecimentos especiais à Dra. Maria Teresa Perdigão Costa Bettencourt d'Ávila, herdeira do Dr.
Álvaro Júlio da Costa Pimpão (responsável pela direção literária da obra-base), que gentilmente
autorizou-nos a publicação desta obra.

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima
sejam mantidas.



Compartilhe esse texto!

O que você achou desse texto?

Comente abaixo e participe!

0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Os comentários não representam a opinião do site e seus parceiros. A responsabilidade do conteúdo da mensagem é unicamente do autor do comentário.