Poesias Coligidas
A EUGÊNIA CÂMARA
Ainda uma vez tu brilhas sobre o palco, Ainda uma vez eu venho te saudar...
Também o povo vem rolando aplausos Às tuas plantas mil troféus lançar...
Após a noite, que passou sombria, A estrela-d'alva pelo céu rasgou...
Errante estrela, se lutaste um dia, Vê como o povo o teu sofrer pagou...
Lutar!... que importa, se afinal venceste?
Chorar!... que importa, se lutaste um dia, A tempestade se não rompe a estátua Vê como o povo o teu sofrer pagou...
Lutar!... que importa, se afinal venceste?
Chorar!... que importa, se afinal sorris?
A tempestade se não rompe a estátua Lava-lhe os pés e a triunfal cerviz.
Ouves o aplauso deste povo imenso Lava, que irrompe do pop'lar vulcão?
É o bronze rubro, que ao fundir dos bustos Referve ardente do porvir na mão.
O povo... o povo... é um juiz severo, Maldiz as trevas, abençoa a luz...
Sentiu teu gênio e rebramiu soberbo: - P'ra ti altares, não do poste a cruz.
Que queres? Ouve! - são mil palmas férvidas, Olha! - é o delírio, que prorrompe audaz.
Pisa! - são flores, que tu tens às plantas, Toca na fronte - coroada estás.
Descansa pois, como o condor nos Andes, Pairando altivo sobre a terra e mar, Poisa nas nuvens p'ra arrogante em breve Distante... longe... mais além de voar.
Recife, 1866 O POVO AO PODER
Quando nas praças s'eleva Do Povo a sublime voz...
Um raio ilumina a treva O Cristo assombra o algoz...
Que o gigante da calçada De pé sobre a barrica Desgrenhado, enorme, nu Em Roma é catão ou Mário, É Jesus sobre o Cálvario, É Garibaldi ou Kosshut.
A praça! A praça é do povo Como o céu é do condor É o antro onde a liberdade Cria águias em seu calor!
Senhor!... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça Só tem a rua seu...
Ninguém vos rouba os castelos Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
Na tortura, na fogueira...
Nas tocas da inquisição Chiava o ferro na carne Porém gritava a aflição.
Pois bem...nest'hora poluta Nós bebemos a cicuta Sufocados no estertor;
Deixai-nos soltar um grito Que topando no infinito Talvez desperte o Senhor.
A palavra! Vós roubais-la Aos lábios da multidão Dizeis, senhores, à lava Que não rompa do vulcão.
Mas qu'infâmia! Ai, velha Roma, Ai cidade de Vendoma, Ai mundos de cem heróis, Dizei, cidades de pedra, Onde a liberdade medra Do porvir aos arrebóis.
Dizei, quando a voz dos Gracos Tapou a destra da lei?
Onde a toga tribunícia Foi calcada aos pés do rei?
Fala, soberba Inglaterra, Do sul ao teu pobre irmão;
Dos teus tribunos que é feito?
Tu guarda-os no largo peito Não no lodo da prisão.
No entanto em sombras tremendas Descansa extinta a nação Fria e treda como o morto.
E vós, que sentis-lhes os pulso Apenas tremer convulso Nas extremas contorções...
Não deixais que o filho louco Grite "oh! Mãe, descansa um pouco Sobre os nossos corações".
Mas embalde... Que o direito Não é pasto de punhal.
Nem a patas de cavalos Se faz um crime legal...
Ah! Não há muitos setembros, Da plebe doem os membros No chicote do poder, E o momento é malfadado Quando o povo ensangüentado Diz: já não posso sofrer.
Pois bem! Nós que caminhamos Do futuro para a luz, Nós que o Calvário escalamos Levando nos ombros a cruz, Que do presente no escuro Só temos fé no futuro, Como alvorada do bem, Como Laocoonte esmagado Morreremos coroado Erguendo os olhos além.
Irmão da terra da América, Filhos do solo da cruz, Erguei as frontes altivas, Bebei torrentes de luz...
Ai! Soberba populaça, Dos nossos velhos Catões, Lançai um protesto, ó povo, Protesto que o mundo novo Manda aos tronos e às nações.
Recife, 1864
Fonte:
ALVES, Castro. Poesias Coligidas.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Dickson dos Santos Guedes, Laguna - SC
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