Pennas de Garça
Versos do Povo I
Responde-me, ó jurity, Ao que te vou perguntar:
Por que é que o Dia sorri E a Noite vive a chorar?
II
Não sabes? N’um sonho brando, O Dia ri quando quer, E a Noite vive chorando, Somente porque é mulher.
III
Quando eu nasci, no telhado, Uma coruja cantou...
Dizia a chorar: coitado!
Um anjo do Céu voou.
IV
Das noites de minha terra Douradas pelo luar, Nenhuma delas encerra A graça de teu olhar.
V
Meus sonhos andam no mundo Em cantos negros dispersos...
São ondas de um mar profundo...
Ai! triste de quem faz versos!
VI
Nas noites de lua, eu canto Para esquecer-me de ti.
Minh’alma soluçou tanto Que o pranto já aborreci.
VII
Fazem dois dias que penso N’uns olhos que vi chorar...
Quem me dera ver meu lenço Aquele pranto enxugar!
VIII
Ó moça dos olhos puros, Tão tristes que causam dor...
Teus olhos são mais escuros Que os olhos do meu amor.
IX
Meu peito é triste, isolado, Vazio, nu de esperanças, Como um ninho abandonado, Uma casa sem crianças.
X
Se eu fosse rapaz, pequena, E me casasse algum dia, Só amava uma morena Que se chamasse Maria.
XI
O nome traz alegrias Sem uma gota de fel, O coração das Marias É todo cheio de mel.
XII
“Mentira” - alguém me dizia -
O nome engana também;
Eu conheço uma Maria Que não quer bem a ninguém.
XIII
Entanto, ela é linda e boa, A dona dos sonhos meus...
“Mas deixa-me ir só, á toa, Por este mundo de Deus.”
XIV
Mulher é coisa ruim, Dizias esta manhã...
Só pode falar assim Quem não tem mãe nem irmã.
XV
De que me serve falar Dos homens como ditos vãos, Se eu vivo para adorar Os olhos de meus irmãos?
XVI
Lá vai uma mãe em prantos Atrás da filha querida...
Ah! ela não sabe quantos Desgostos lhe guarda a vida!
XVII
Morrer pequenina ainda, Levando as asas de um véu, Não vale mais que ser linda Como as estrelas do Céu?
XVIII
Brancos estão meus cabelos...
Ó dor, onde é que me levas?
Ai! noites de pesadelos, Ai! dias cheios de trevas!
XIX
Nas noites de lua cheia, O Céu parece sonhar...
A Lua é como a sereia Boiando dentro do Mar.
XX
Eu quero bem às crianças Porque não sabem mentir;
São pombas lindas e mansas, Passam na vida a sorrir.
XXI
Quando eu morrer, quero um manto Como o de Nossa Senhora, Que seja feito do pranto Do Céu quando nasce a aurora.
XXII
Eu só adoro na terra Da criancinha o sorriso, Uma casinha na Serra E um ninho no Paraíso.
XXIII
Repousa lá minha fronte Despindo da Mágoa o véu;
Quem mora em cima do monte Está mais perto do Céu.
XXIV
Quem dera que eu fosse lírio, Ó minha Virgem Maria!
Ao menos, este martírio Durava somente um dia.
XXV
Quando eu morrer, vou assim:
Sustendo meu coração...
Saudade da terra? Sim!
Saudade da vida? Não!
Setembro de 1899.