No Lar
Terra da minha pátria, abre-me o seio Na morte — ao menos........
Garrett
I
Longe da pátria, sob um céu diverso Onde o sol como aqui tanto não arde, Chorei saudades do meu lar querido — Ave sem ninho que suspira à tarde. —
No mar — de noite — solitário e triste Fitando os lumes que no céu tremiam, Ávido e louco nos meus sonhos d’alma Folguei nos campos que meus olhos viam.
Era pátria e família e vida e tudo, Glória, amores, mocidade e crença, E, todo em choros, vim beijar as praias Porque chorara nessa longa ausência.
Eis-me na pátria, no país das flores, — O filho pródigo a seus lares volve, E concertando as suas vestes rotas, O seu passado com prazer revolve! —
Eis meu lar, minha casa, meus amores, A terra onde nasci, meu teto amigo, A gruta, a sombra, a solidão, o rio Onde o amor me nasceu — cresceu comigo.
Os mesmos campos que eu deixei criança, Árvores novas... tanta flor no prado!...
Oh! como és linda, minha terra d’alma, — Noiva enfeitada para o seu noivado! —
Foi aqui, foi ali, além... mais longe, Que eu sentei-me a chorar no fim do dia;
— Lá vejo o atalho que vai dar na várzea...
Lá o barranco por onde eu subia!...
Acho agora mais seca a cachoeira Onde banhei-me no infantil cansaço...
— Como está velho o laranjal tamanho Onde eu caçava o sanhaçu a laço!...
Como eu me lembro dos meus dias puros!
Nada m’esquece!... e esquecer quem há de?...
— Cada pedra que eu palpo, ou tronco, ou folha, Fala-me ainda dessa doce idade!
Eu me remoço recordando a infância, E tanto a vida me palpita agora Que eu dera oh! Deus! a mocidade inteira Por um só dia do viver d’outrora!
E a casa?... as salas, estes móveis... tudo, O crucifixo pendurado ao muro...
O quarto do oratório... a sala grande Onde eu temia penetrar no escuro!...
E ali... naquele canto... o berço armado E minha mana, tão gentil, dormindo!
E mamãe a contar-me histórias lindas Quando eu chorava e a beijava rindo!
Oh! primavera! oh! minha mãe querida Oh! mana! — anjinho que eu amei com ânsia —
Vinde ver-me, em soluços — de joelhos —
Beijando em choros este pó da infância!
II
Meu Deus! eu chorei tanto lá no exílio!
Tanta dor me cortou a voz sentida, Que agora neste gozo de proscrito Chora minh’alma e me sucumbe a vida!
Quero amor! quero vida! e longa e bela Que eu, Senhor! não vivi — dormi apenas!
Minh’alma que s’expande e se entumece Despe o seu luto nas canções amenas.
Que sede que eu sentia nessas noites!
Quanto beijo roçou-me os lábios quentes!
E, pálido, acordava no meu leito — Sozinho — e órfão das visões ardentes!
Quero amor! quero vida! aqui, na sombra, No silêncio e na voz desta natura;
— Da primavera de minh’alma os cantos Caso co’as flores da estação mais pura.
Quero amor! quero vida! os lábios ardem.
Preciso as dores dum sentir profundo!
— Sôfrego a taça esgotarei dum trago Embora a morte vá topar no fundo.
Quero amor! quero vida! Um rosto virgem, — Alma de arcanjo que me fale amores, Que ria e chore, que suspire e gema E doure a vida sobre um chão de flores.
Quero amor! quero amor! — Uns dedos brancos Que passem a brincar nos meus cabelos;
Rosto lindo de fada vaporosa Que dê-me vida e que me mate em zelos!
— Oh! céu de minha terra — azul sem mancha —
Oh! sol de fogo que me queima a fronte, Nuvens douradas que correis no ocaso, Névoas da tarde que cobris o monte;
Perfumes da floresta, vozes doces, Mansa lagoa que o luar prateia, Claros riachos, cachoeiras altas, Ondas tranqüilas que morreis na areia;
Aves dos bosques, brisas das montanhas, Bem-te-vis do campo, sabiás da praia, — Cantai, correi, brilhai — minh’alma em ânsias Treme de gozo e de prazer desmaia!
Flores, perfumes, solidões, gorjeios, Amor, ternura — modulai-me a lira!
— Seja um poema este ferver de idéias Que a mente cala e o coração suspira.
Oh! mocidade! bem te sinto e vejo!
De amor e vida me trasborda o peito...
— Basta-me um ano!... e depois... na sombra...
Onde tive o berço quero ter meu leito!
Eu canto, eu choro, eu rio, e grato e louco Nos pobres hinos te bendigo, oh! Deus!
Deste-me os gozos do meu lar querido...
Bendito sejas! — vou viver c’os meus!
Indaiassú — 1857