Minh'alma é triste
I
Minh'alma é triste como a rola aflita Que o bosque acorda desde o albor da aurora, E em doce arrulo que o soluço imita O morto esposo gemedora chora.
E, como a rola que perdeu o esposo, Minh'alma chora as ilusões perdidas, E no seu livro de fanado gozo Relê as folhas que já foram lidas.
E como notas de chorosa endecha Seu pobre canto com a dor desmaia, E seus gemidos são iguais à queixa Que a vaga solta quando beija a praia.
Como a criança que banhada em prantos Procura o brinco que levou-lhe o rio, Minh'alma quer ressuscitar nos cantos Um só dos lírios que murchou o estio.
Dizem que há gozos nas mundanas galas, Mas eu não sei em que o prazer consiste.
- Ou só no campo, ou no rumor das salas, Não sei porque - mas a minh'alma é triste!
II
Minh'alma é triste como a voz do sino Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino, Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas soltas, Minh'alma o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas Das andorinhas recortando os ares.
Às vezes, louca, num cismar perdida, Minh'alma triste vai vagando à toa, Bem como a folha que do sul batida Bóia nas águas de gentil lagoa!
E como a rola que em sentida queixa O bosque acorda desde o albor da aurora, Minh'alma em notas de chorosa endecha Lamenta os sonhos que já tive outrora.
Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
- Pobre ludíbrio de cruéis enganos, Perdi os risos - a minh'alma é triste!
III
Minh'alma é triste como a flor que morre Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre, Nem doce canto o sabiá do mato!
E como a flor que solitária pende Sem ter carícias no voar da brisa, Minh'alma murcha, mas ninguém entende Que a pobrezinha só de amor precisa!
Amei outrora com amor bem santo Os negros olhos de gentil donzela, Mas dessa fronte de sublime encanto Outro tirou a virginal capela.
Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços Ambos choramos mas num só gemido!
Dizem que há gozos no viver d'amores, Só eu não sei em que o prazer consiste!
- Eu vejo o mundo na estação das flores...
Tudo sorri - mas a minh'alma é triste!
IV
Minh'alma é triste como o grito agudo Das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo, Longe da praia que julgou tão perto!
A mocidade no sonhar florida Em mim foi beijo de lasciva virgem:
- Pulava o sangue e me fervia a vida, Ardendo a fronte em bacanal vertigem.
De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s'reia Que em doce canto me atraiu na infância.
Ai! Loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp'ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
- Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!
Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste!
- No amor, na glória, na mundana lida, Foram-se as flores - a minh'alma é triste!
Março 12. - 1858