Mensagem
Nota Preliminar O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criála. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.
PRIMEIRA PARTE: BRASÃO
Bellum sine bello.
I. OS CAMPOS
PRIMEIRO / O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal, O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
SEGUNDO / O DAS QUINAS
Os Deuses vendem quando dão.
Comprase a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são Só o que passa!
Baste a quem baste o que Ihe basta O bastante de Ihe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Foi com desgraça e com vileza Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza E Filho o ungiu.
II. OS CASTELOS
PRIMEIRO / ULISSES
O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus É um mytho brilhante e mudo —-
O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo E nos criou.
Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade De nada, morre.
SEGUNDO / VIRIATO
Se a alma que sente e faz conhece Só porque lembra o que esqueceu, Vivemos, raça, porque houvesse Memória em nós do instinto teu.
Nação porque reencarnaste, Povo porque ressuscitou Ou tu, ou o de que eras a haste —
Assim se Portugal formou.
Teu ser é como aquela fria Luz que precede a madrugada, E é ja o ir a haver o dia Na antemanhã, confuso nada.
TERCEIRO / O CONDE D. HENRIOUE
Todo começo é involuntáario.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
QUARTO / D. TAREJA
As naçôes todas são mystérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios, Vela por nós!
Teu seio augusto amamentou Com bruta e natural certeza O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!
Dê tua prece outro destino A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino Envelheceu.
Mas todo vivo é eterno infante Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante, De novo o cria!
QUINTO / D. AFONSO HENRIQUES
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro E a tua inteira força!
Dá, contra a hora em que, errada, Novos infiéis vençam, A bênção como espada, A espada como benção!
SEXTO / D. DINIS
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver, E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro, É o som presente desse mar futuro, É a voz da terra ansiando pelo mar.
SÉTIMO (I) / D. JOÃO O PRIMEIRO
O homem e a hora são um só Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó A terra espreita.
Mestre, sem o saber, do Templo Que Portugal foi feito ser, Que houveste a glória e deste o exemplo De o defender.
Teu nome, eleito em sua fama, É, na ara da nossa alma interna, A que repele, eterna chama, A sombra eterna.
SÉTIMO (II) / D. FILIPA DE LENCASTRE
Que enigma havia em teu seio Que só gênios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio Velar, maternos, um dia?
Volve a nós teu rosto sério, Princesa do Santo Graal, Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal!
III. AS QUINAS
PRIMEIRA / D. DUARTE, REI DE PORTUGAL
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser, Em dia e letra escrupuloso e fundo.
Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.
SEGUNDA / D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL
Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça, Às horas em que um frio vento passa Por sobre a fria terra.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome, E este querer grandeza são seu nome Dentro em mim a vibrar.
E eu vou, e a luz do gládio erguido dá Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá, Pois venha o que vier, nunca será Maior do que a minha alma.
TERCEIRA / D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL
Claro em pensar, e claro no sentir, É claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir, De dever e de ser —
Não me podia a Sorte dar guarida Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida, Calmo sob mudos céus, Fiel à palavra dada e à idéia tida.
Tudo o mais é com Deus!
QUARTA / D. JOÃO, INFANTE DE PORTUGAL
Não fui alguém. Minha alma estava estreita Entre tão grandes almas minhas pares, Inutilmente eleita, Virgemmente parada;
Porque é do português, pai de amplos mares, Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita —
O todo, ou o seu nada.
QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria?
IV. A COROA
NUN'ÁLVARES PEREIRA
Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando.
Faz que o ar alto perca Seu azul negro e brando.
Mas que espada é que, erguida, Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida, Que o Rei Artur te deu.
'Sperança consumada, S. Portugal em ser, Ergue a luz da tua espada Para a estrada se ver!
V. O TIMBRE
A CABEÇA DO GRIFO / O INFANTE D. HENRIOUE
Em seu trono entre o brilho das esferas, Com seu manto de noite e solidão, Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —
O único imperador que tem, deveras, O globo mundo em sua mão.
UMA ASA DO GRIFO / D. JOÃO O SEGUNDO
Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra —
O limite da terra a dominar O mar que possa haver além da terra.
Seu formidavel vulto solitário Enche de estar presente o mar e o céu E parece temer o mundo vário Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.
A OUTRA ASA DO GRIFO / AFONSO DE ALBUQUEROUE
De pé, sobre os países conquistados Desce os olhos cansados De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte Tão poderoso que não quer o quanto Pode, que o querer tanto Calcara mais do que o submisso mundo Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha.
SEGUNDA PARTE: MAR PORTUGUEZ
Possessio maris.
I. O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
II. HORIZONTE
O mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mistério, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério 'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstrata linha O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.
III. PADRÃO
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei Este padrão ao pé do areal moreno E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano Ensinam estas Quinas, que aqui vês, Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma E faz a febre em mim de navegar Só encontrará de Deus na eterna calma O porto sempre por achar.
IV. O MOSTRENGO
mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!»
V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS
Jaz aqui, na pequena praia extrema, O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.
Vl. OS COLOMBOS
Outros haverão de ter O que houvermos de perder.
Outros poderão achar O que, no nosso encontrar, Foi achado, ou não achado, Segundo o destino dado.
Mas o que a eles não toca É a Magia que evoca O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória É justa auréola dada Por uma luz emprestada.
VII. OCIDENTE
Com duas mãos — o Ato e o Destino —
DesvendAmos. No mesmo gesto, ao céu Uma ergue o fecho trêmulo e divino E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia A mão que ao Ocidente o véu rasgou, Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia Da mão que desvendou.
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal A mão que ergueu o facho que luziu, Foi Deus a alma e o corpo Portugal Da mão que o conduziu.
VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES
No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras desformes e descompostas Em clarões negros do vale vão Subitamente pelas encostas, Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra, Que dançam na morte do marinheiro Que quis cingir o materno vulto — Cingiu-o, dos homens, o primeiro —, Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada Do morto ainda comanda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar A terra inteira com seu abraço.
Violou a Terra. Mas eles não O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas, Indo perder-se nos horizontes, Galgam do vale pelas encostas Dos mudos montes.
IX. ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra Suspendem de repente o ódio da sua guerra E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus, Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro, E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovôes, O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.
X. MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
XI. A ÚLTIMA NAU
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, E erguendo, como um nome, alto o pendão Do Império, Foi-se a última nau, ao sol azíago Erma, e entre choros de ânsia e de presago Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltará da sorte incerta Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlântica se exalta E entorna, E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço, Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora, Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda Do Império.
XII. PRECE
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil, O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou, Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça, E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
TERCEIRA PARTE: O ENCOBERTO
Pax in excelsis.
I. OS SÍMBOLOS
PRIMEIRO / D. SEBASTIÃO
'Sperai! Cai no areal e na hora adversa Que Deus concede aos seus Para o intervalo em que esteja a alma imersa Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal e a morte e a desventura Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura É Esse que regressarei.
SEGUNDO / O QUINTO IMPÉRIO
Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou, A terra será teatro Do dia claro, que no atro Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade, Europa — os quatro se vão Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade Que morreu D. Sebastião?
TERCEIRO / O DESEJADO
Onde quer que, entre sombras e dizeres, Jazas, remoto, sente-te sonhado, E ergue-te do fundo de não-seres Para teu novo fado!
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, Mas já no auge da suprema prova, A alma penitente do teu povo À Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, Excalibur do Fim, em jeito tal Que sua Luz ao mundo dividido Revele o Santo Graal!
QUARTO / AS ILHAS AFORTUNADAS
Que voz vem no som das ondas Que não é a voz do mar?
E a voz de alguém que nos fala, Mas que, se escutarmos, cala, Por ter havido escutar.
E só se, meio dormindo, Sem saber de ouvir ouvimos Que ela nos diz a esperança A que, como uma criança Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas afortunadas São terras sem ter lugar, Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando Cala a voz. e há só o mar.
QUINTO / O ENCOBERTO
Que símbolo fecundo Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo A Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divino Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino, A Rosa que é o Cristo.
Que símbolo final Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal A Rosa do Encoberto.
II. OS AVISOS
PRIMEIRO / O BANDARRA
Sonhava, anônimo e disperso, O Império por Deus mesmo visto, Confuso como o Universo E plebeu como Jesus Cristo.
Não foi nem santo nem herói, Mas Deus sagrou com Seu sinal Este, cujo coração foi Não português, mas Portugal.
SEGUNDO / ANTÓNIO VIEIRA
O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem, Imperador da língua portuguesa, Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu de meditar, Constelado de forma e de visão, Surge, prenúncio claro do luar, El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia, e, no céu amplo de desejo, A madrugada irreal do Quinto Império Doira as margens do Tejo.
TERCEIRO
'Screvo meu livro à beiramágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Cristo De a quem morreu o falso Deus, E a despertar do mal que existo A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto, Sonho das eras português, Tornar-me mais que o sopro incerto De um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando quererás voltando, Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
III. OS TEMPOS
PRIMEIRO / NOITE
A nau de um deles tinha-se perdido No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei De, na fé e na lei Da descoberta, ir em procura Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Volveu do fim profundo Do mar ignoto à pátria por quem dera O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou Licença de os buscar, e El-Rei negou.
Como a um cativo, o ouvem a passar Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura Da febre e da amargura, Com fixos olhos rasos de ânsia Fitando a proibida azul distância.
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome — O Poder e o Renome —
Ambos se foram pelo mar da idade À tua eternidade;
E com eles de nós se foi O que faz a alma poder ser de herói.
Queremos ir buscá-los, desta vil Nossa prisão servil:
É a busca de quem somos, na distância De nós; e, em febre de ânsia, A Deus as mãos alçamos.
Mas Deus não dá licença que partamos.
SEGUNDO / TORMENTA
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
Mas súbito, onde o vento ruge, O relâmpago, farol de Deus, um hausto Brilha e o mar 'scuro 'struge.
TERCEIRO / CALMA
Que costa é que as ondas contam E se não pode encontrar Por mais naus que haja no mar?
O que é que as ondas encontram E nunca se vê surgindo?
Este som de o mar praiar Onde é que está existindo?
lha próxima e remota, Que nos ouvidos persiste, Para a vista não existe.
Que nau, que armada, que frota Pode encontrar o caminho A praia onde o mar insiste, Se à vista o mar é sozinho?
Haverá rasgões no espaço Que dêem para outro lado, E que, um deles encontrado, Aqui, onde há só sargaço, Surja uma ilha velada, O país afortunado Que guarda o Rei desterrado Em sua vida encantada?
QUARTO / ANTEMANHÃ O mostrengo que está no fim do mar Veio das trevas a procurar A madrugada do novo dia Do novo dia sem acabar E disse: Quem é que dorme a lembrar Que desvendou o Segundo Mundo Nem o Terceiro quere desvendar?
E o som na treva de ele rodar Faz mau o sono, triste o sonhar, Rodou e foi-se o mostrengo servo Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar —
Chamar Aquele que está dormindo E foi outrora Senhor do Mar.
QUINTO / NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder, Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Valete, Frates.
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/mensagem.htm