Hino ao sono
Ó Sono! Ó noivo pálido Das noites perfumosas, Que um chão de nebulosas Trilhas pela amplidão!
Em vez de verdes pâmpanos, Na branca fronte enrolas As lânguidas papoulas, Que agita a viração.
Nas horas solitárias, Em que vagueia a lua, E lava a planta nua Na onda azul do mar, Com um dedo sobre os lábios No vôo silencioso, Vejo-te cauteloso No espaço viajar!
Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito, Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica De angústia e dor não geme...
É tua mão que espreme A dormideira ali.
Em tua branca túnica Envolves meio mundo.
E teu seio fecundo De sonhos e visões, Dos templos aos prostíbulos Desde o tugúrio ao Paço, Tu lanças lá do espaço Punhados de ilusões!...
Da vide o sumo rúbido, Do hatchiz a essência, O ópio, que a indolência Derrama em nosso ser, Não valem, gênio mágico, Teu seio, onde repousa A placidez da lousa E o gozo de viver...
Ó sono! Unge-me as pálpebras..
Entorna o esquecimento Na luz do pensamento, Que abrasa o crânio meu.
Como o pastor da Arcádia, Que uma ave errante aninha...
Minh'alma é uma andorinha...
Abre-lhe o seio teu.
Tu, que fechaste as pétalas Do lírio, que pendia, Chorando a luz do dia E os raios do arrebol, Também fecha-me as pálpebras...
Sem Ela o que é a vida?
Eu sou a flor pendida Que espera a luz do sol.
O leite das eufórbias P'ra mim não é veneno...
Ouve-me, ó Deus sereno!
Ó Deus consolador!
Com teu divino bálsamo Cala-me a ansiedade!
Mata-me esta saudade, Apaga-me esta dor.
Mas quando, ao brilho rútilo Do dia deslumbrante, Vires a minha amante Que volve para mim, Então ergue-me súbito...
É minha aurora linda...
Meu anjo... mais ainda...
É minha amante enfim!
Ó sono! Ó Deus noctívago!
Doce influência amiga!
Gênio que a Grécia antiga Chamava de Morfeu, Ouve!... E se minhas súplicas Em breve realizares...
Voto nos teus altares Minha lira de Orfeu!