Feliz
Dizes-me que a ventura te foi dada E contente tu’alma jamais chora:
Vives sorrindo à luz de uma alvorada E a noite para ti é cor da aurora...
Não creio nessa dita, me perdoa.
Ninguém na terra pode ser feliz.
Até o sino que na torre soa Tem sua dor, nem sempre ele bem-diz.
Longe... distante... Pelo azul chalrando, A modular uns hinos tão suaves, Pássaros meigos lá se vão cantando...
Mas tu crês na ventura d’essas aves?
Repara bem naquela que ficou Pousada lá no cimo da aroeira:
Ela chora, coitada, pois deixou Muito longe perdida a companheira.
Aves da terra, em tímidos adejos, Também alegres como as rolas mansas, Rostos corados, recendendo beijos, Correm cantando grupos de crianças.
E enquanto passa, em revoada louca, Este dourado batalhão de arcanjos, Eu quero ouvir-te da risonha boca Se é eterna a ventura desses anjos.
A moça também sofre... Um áureo cofre Guarda-lhe os prantos e o martírio duro, E, de todas, aquela que mais sofre É a que tem o coração mais puro.
Jardim - 1893