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Epicédio

Consagrado à saudosa memória do Reverendíssimo Senhor Fr. GASPAR DA
ENCARNAÇÃO, Reformador dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho da Congregação de Santa Cruz de Coimbra. Oferecido em desafogo da mágoa ao Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor D. FRANCISCO DA ANUNCIAÇÃO, Do Conselho de Sua Majestade, Cancelário, Reformador e Reitor da Universidade de Coimbra, Prior Geral dos Cônegos Regulares e Prelado do seu Isento. Por CLAUDIO MANUEL DA COSTA Acadêmico Conimbricense. COIMBRA. No Real Colégio das Artes da Companhia de JESUS, Ano de 1753. Com todas as licenças necessárias. À inconsolável mágoa do Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor D.
Francisco da Anunciação, autorizada na razão do sangue, justificada no amor de Filho reformado da Congregação Regular.
Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor, Dizia Sêneca que não era excessiva aquela dor cuja atividade podia respirar[1] no desafogo das lágrimas: Dolor non est, qui patitur lacrymas. Discorria como discreto, não como sentido. Motivos há de pena que, não vendo corresponder-lhes ũa desejada morte, a produzem sucessiva na efusão do pranto; se o lamento é conseqüência lastimosa da lembrança, quem[2] não experimenta em cada estímulo da memória magoada uma rigorosa eficácia da mortal agonia? Frutos do excesso da nossa dor são, Senhor, a mal alinhada pompa destas lágrimas: delas se reveste a imagem da nossa lástima para consagrar-se com o rosto do alívio a inconsolável mágoa de Vossa Senhoria e dessa sempre ilustre, sempre gloriosa Congregação Reformada. Aquele golpe que, imprimindo-se na melhor vida, fez nos corações de todos o mais sensível eco, quem duvida que em Vossa Senhoria, e nessa Reformada Clausura, executaria o maior estrago da sua violência! Esta prodigiosa imagem daquela mística Cidade do Senhor, de quem parece falava Isaías: Omnes isti congregati sunt, venerunt tibi Não sem alto beneficio da Providência respira agora adorando na inimitável Prudência, na singular Piedade, no religioso exemplo e nos inumeráveis dotes de que enriqueceu o Céu a Vossa Senhoria, ou restaurada aquela glória, que geme sepultada, ou reproduzido aquele Herói, que só em Vossa Senhoria pudera animar a excelência do seu caráter.
PRO MUNERE EVOVENDO
ELEGIA
Quidquid in his, Praesul, dolor (heu!) tibi consecrat, artis Non opus est; etenim ars pressa dolore vacat.
Deficit ingenium: vires vix auctor Apollo Suppeditat nervis, provida mensque viget.
Crudeli gemit extinctum nam funere Phaebus Illum, solicitans quem tua cura gemit.
Vertitur in luctus quin & Parnasia rupes, Murmura Castalidum nil nisi triste sonant.
Quis daret aflatus, canerem quo Numine plenus, Neu foret indocili pectine pulsa chelys?
Nullus erat Titan: nullo modulamine Musae, Muta parentantum torpuit aula Deum.
Attamen Heroi dona haec pro viribus ante Purpureos fument, seu data thura, rogos.
Inter Sydereas dum scribitur ille cohortes, Dum bibit Ambrosias, Nectareasque dapes;
Tu, cujus moderamur ope, & quo Numine faustos Dent Superi nobis enumerare dies, Perlege, Carminibus non dedignare, doloris Insimul ac stimulus, scripta levamen erunt.
CANEBAT
EPICÉDIO
Se em puras fráguas de votiva chama [3]
Tanto suor arábico liqüida?
O egípcio culto a seus Heróis, que a fama Enriqueceram dos troféus da vida;
Se o resplandor da fugitiva rama A tanta cópia em mármores erguida Romano zelo em reverente indulto Pagou por feudo, tributou por culto.
2 A trágica memória, que da idade Os fastos ornará de um mudo espanto, [4]
Ó insigne Herói, nas sombras da saudade Te acende imortal voto o nosso pranto:
Não o lúgubre ornato que a piedade Bárbara honrou no fúnebre Amaranto Te cinge a urna, porque a cerca atento O luto, a dor, a mágoa, o sentimento .
3 Morreste! Oh! quanto a lástima se excita Ao eco infausto deste triste acento!
Mas se tem parte a mágoa de infinita, Que muito passe a dor a ser portento!
Morreste! E como a esfera se limita Do coração ao giro do tormento, A mortal ânsia, que o pesar fecunda, Em ais se acende, em lágrimas se inunda.
4 Da Heroicidade no Sagrado Templo Ídolo os dotes são, vive a virtude Reproduzindo o generoso exemplo, Em que a constância novo alento estude:
Na bela imagem deste bem contemplo Não sei que novo alívio, porque ajude A respirar a dor: oh! quanta glória Restauramos da trágica vitória!
5 Que idéia nos propõe teu santo zelo [5]
Da militante vida na clausura, Trocando com solícito desvelo O fausto em luto, a vida em sepultura!
Da humildade um seráfico modelo Tu mesmo em ti criaste, em sombra escura Sufocando o esplendor daquela chama, [6]
Que arde nas aras da gloriosa fama.
6 Quanto despojo por troféu honroso [7]
Te vimos consagrar! Voto advertido, Que quanto no valor é mais precioso [8]
É no merecimento mais subido!
Assim dos Orbes o Motor glorioso Prova o constante ardor no braço erguido Do velho Pai que, com piedade estranha, Vítima o Filho vê, ara a Montanha.
7 Talvez ansiosa a Púrpura anelava [9]
Cingir-te o peito de esplendor ufano, Talvez para o teu culto se banhava [10]
De nova luz o Sólio Vaticano!
Mas que ociosa a fortuna te dourava A torpe face do funesto dano, Se de seu giro em direção incerta Vias a porta ao precipício aberta!
8 Mas, ó inescrutável providência [11]
Do altíssimo Conselho, que no mudo Silêncio de um Moisés, que encobre a Ciência, [12]
Queres lavrar de teu poder o escudo!
Aquela rara idéia da Prudência, [13]
Aquele aonde o acerto faz estudo, Chamas a ornar a português memória, [14]
Assombro de um Tomás, de um Carlos glória.
9 Pasme a eqüidade, nunca acreditado [15]
De Nêmesis melhor o reto ofício! [16]
Nunca mais duramente subjugado O torpe aspecto do rebelde vício! [17]
Descobre o engano o rosto disfarçado, Tem a verdade próvido exercício, [18]
Logra amparo a aflição, prêmio a lealdade, Floresce de Ouro a venturosa Idade.
10 Em base tão feliz, tão generosa, [19]
Descansa o peso o lusitano Atlante, E da real grandeza, entre a faustosa Pompa, brilha a virtude mais constante:
Não teme, não, da Estrela tempestuosa O Sábio Herói o aspecto fulminante, Porque sabe o seu peito sem desmaio [20]
Chegar-se a Jove, desprezando o raio.
11 Quantas de Pedro o Oráculo Sagrado [21]
Logrou disposições naquele peito, Cujo arcano altamente recatado Cerraram sempre as chaves do respeito!
Hoje em lágrimas tristes desatado Da viva dor o prodigioso efeito, Qual se lisonja o sentimento fora, Roma o suspira, Portugal o chora.
12 E tu que, autorizando o sentimento [22]
Na mais nobre razão, que o persuade, Fazes da muda frase do lamento [23]
Vozes da dor nas línguas da saudade, Que dirás do imortal, egrégio alento Deste Alcides, que em ombros de piedade [24], O peso reparando, que gemia, Te faz de Deus eterna Monarquia?
13 Votos sejam as lágrimas ardentes [25]
À memória daquele consagradas, Por quem já viste as forças decadentes Em vigoroso alento suscitadas:
As ternuras da mágoa mais veementes [26]
Por ele em voz de júbilo trocadas, Hoje o progresso da melhor ventura Bases te erige, idades te assegura.
14 Quantos troféus o templo da Piedade Enriquecendo vão, do ardor colhidos Daquele braço, em cuja atividade Obram de Deus impulsos escondidos!
Quantos armando para a Eternidade [27]
Se vão de esforço espíritos luzidos, Lavrando da fadiga aquela glória, Prêmio no triunfo, Louro na Vitória! [28]
15 Ó Alma inimitável! mas aonde Sobe a idéia, contempla-te o desejo, Se apressar-se no horror, que mal se esconde, O golpe atroz da Libitina vejo!
Aqui o eco funesto corresponde, Que lá gemem as Dríadas do Tejo;
Duro decreto, só justificado Em ser pensão do humano, e lei do fado!
16 Ficará em nós a dúvida, imagino, A não render-se ao corte desumano, Se era, animando acertos de divino, Superior à proporção de humano:
Dando o triunfo ao bárbaro destino, Assim nos mostra Jove Soberano, Que lhe faz estragando a humanidade Imortal o esplendor da Heroicidade.
17 Com a trêmula mão, que mal se alenta À execução do rigoroso oficio, [29]
o infeliz Gênio à lástima violenta Violento rende o infausto Sacrifício:
Chega, pasma, desmaia, emprende, intenta, A chama já com lânguido exercício Mal se anima na luz: o Deus magoado A apaga então, e obedece ao fado.
18 Sobes de ardente júbilo banhada, [30]
Alma gloriosa, à região brilhante;
Quem duvida que a ser entronizada [31]
No áureo assento do lúcido Diamante!
A pompa dos Elísios celebrada, Nunca mais pura, nunca mais fragrante, [32]
Em purpúreo esplendor de acesa pira, Nuvens de incenso ao Zéfiro respira.
19 Ali, aonde em campos de alegria [33]
Consonâncias harmônicas desata Aquela suave acorde melodia, Que a idéia prende, que as potências ata; [34]
Onde é perpétua a luz, perpétuo o dia, Onde a imagem do assombro se retrata No rasgo vário da melhor esfera, Goza a imarcescível Primavera.
20 Tu, que ao túmulo triste da agonia [35]
Erigido a fadigas do lamento Entregas por cadáver a alegria, Por alívio fabricas o tormento:
Respira a intensa mágoa; pois seria Agravo a dor, injúria o sentimento, Ver restaurado o bem, e não ver logo O mal sem pena, a dor com desafogo.
21 Em Francisco restaura o culto agora [36]
A viva cópia de Gaspar ausente, Quando justo o contempla, quando o adora, Douto, Afável, Benévolo, Prudente:
Debalde a mágoa sepultado o chora, Que em tão seguro bem o vê presente, Ou consulte a virtude, ou animado No sangue admire o esplêndido traslado.


Edição de Referência:
A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.


Domínio Público Gov.BR


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