Culto Métrico
Que à Ilustríssima e Religiosíssima Senhora D. TEREZA CLARA DE JESUS
EVANGELISTA, na ocasião de ser eleita e elvada ao Emprego de Abadesa no Mosteiro Seráfico de Figueiró, se consagra por mão da Ilustríssima Senhora D.
TEREZA TEODORA DO NASCIMENTO no seguinte.
ROMANCEHENDECASSÍLABO
Se alguma vez, Euterpe soberana, De teu métrico influxo a fértil veia A meu ardente rogo áureas enchentes Do licor desatou, que o monte rega, Generosa ambição hoje ocupando O mais nobre desejo tanto empenha A Deidade imortal, que em ti contemplo, Que é meu o assunto, sendo tua a empresa.
Repara, advertes aquele excelso Trono, Em cuja adoração parece ajoelha Reverente o respeito em tantos Astros, Que igualmente o iluminam, como o cercam.
Desafiando a esplêndida morada Desse brilhante campo das Estrelas, Imagino que intentam seus fulgores Ser em quadros de luz do Sol esfera.
Essa pompa que vês, esse aparato Enobrece a Deidade mais excelsa, Heroína imortal, eterno lustre Da sagrada seráfica obediência.
Aquela, em cujos dotes mais que em todas Pródiga dispendeu a natureza Privilégios, que mais se imortalizam Na admiração do mundo, que os celebra.
Aonde a discrição tão igualmente À formosura se une, que puderam Equivocar-se da razão os triunfos Com os troféus, que alcança a gentileza.
Por obsequiosas vítimas, atende, Verás a seu império ardendo acesas Vivas porções de agrado disfarçadas Nas imagens de humilde reverência.
Vê como em uniforme laço atadas Uma, e outra vontade as leis observam, Que no escrutínio dos afetos votam As persuasões do gosto mais discretas.
Não domina a paixão; porque o acerto Nos méritos, que o sacro objeto ostenta, Os créditos procura, e autorizada Inda a mesma eleição a si se eleva.
Não entendas que a hipérboles, ó Musa, Avulta mais o empenho; a glória imensa De tão sublime assunto é bem que advirtas, Quando, pelo impossível, não compreendas.
É esta aquela Heroína, que nas sombras Do desprezo apagando a sacra teia De Himeneu, com zelosa vigilância O casto Lume conservou de Vesta.
Da vaidade nas lâminas, que pinta Do engano a pluma, vendo como cega Idolatra a vontade os precipícios, Do mundo as loucas ambições despreza.
A Figueiró teatro fez, aonde De seus acertos a espaçosa idéia Em religioso culto se estendesse, Se dilatasse em exemplar prudência.
Da idade os vôos quando mais ativos, Medindo os passos de mais larga esfera, Do desafogo a impulsos se desatam, Rêmoras.ao desejo era a modéstia.
De uma e outra virtude foi lavrando O pedestal, em que de tantas prendas A imagem singular se colocasse No altar da fama ídolo da Inveja.
Assim crescendo assombro, assim banhando De resplendor benéfico inda as mesmas Liberdades, agora vê rendidas As que de Amor ao jugo viu já presas.
Com sujeição gostosa vão prostrando Os alvedrios as porções secretas Do mais livre exercício, porque nada A tanto império recatado seja.
Ó raro assombro, ó ínclito transunto Daquelas, de quem sendo cópia bela, Para glória do emprego, que autorizas, Herdas o nome, e as virtudes herdas!
Se a Teresa, se a Clara, em pio obséquio, Um claustro e outro as direções confessam:
De Clara alentas o esplendor benigno, Vivificas a imagem de Teresa.
Ó quanta glória, ó quanto bem, ó quanta Ventura ao grato auspício de Abadessa Tão preclara, tão justa, e tão prudente, A Figueiró promete a eleição reta!
Vive; e o zelo ardentíssimo, em que abrasas O coração, às portas de ouro abertas Pela estrada do Olimpo te conduza A cingir a Seráfica Diadema.
E tu, Musa, se a tanto assombro agora, Muda, pasmas, por mais que a glória vejas, Sabe que, quanto intento a decifrá-la Tanto me dificulta o compreendê-la.
Na ocasião do oiteiro se deu o seguinte mote:
Nova luz, novo sol, e novo empenho.
SONETO
Régia ação, nobre acerto, eleição rara, No ígneo Trono, áureo assento, culta esfera, Vos teme, vos respeita, vos venera Digno assunto, alta empresa, honra preclara.
Voto a fé, Templo o peito, o amor Ara, Rende grato, ergue amante, atento espera;
Pois vos vê, vos adverte, vos pondera Fiel Judith, Raquel bela, heróica Sara.
Viva pois, brilhe enfim, logre a vitória, Que a voz cante, honre a Musa, aplauda o engenho Nome eterno, igual fama, excelsa glória.
Sem sombra, sem eclipse, sem despenho, Doure o Céu, volva o plaustro, orne a memória Nova luz, novo sol, e novo empenho?
Edição de Referência:
A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.