Crianças
A Antônia de Araújo, companheira amada dos tempos do colégio.
Moro na rua da Ventura. Perto, Há um ninho - é a aula das meninas;
Trazem-me sempre o coração desperto Os risos dessas almas cristalinas.
Sinto-me alegre. Vivo sem saudade, Sem, desconforto, sem desesperanças.
Sou bem feliz na minha soledade Ouvindo o pipilar d’essas crianças.
A’s duas horas ergo-me da banca Onde medito: vai fechar-se a escola...
Que bem me faz esta algazarra franca De aves gentis que voam da gaiola!
Gosto de vê-las quando saem rindo Alegremente, as mansas andorinhas.
São doze ao todo. Que rebanho lindo De inocentes e castas ovelhinhas!
Vem na frente a maior. Já quase moça, Olhos azuis e fronte cismadora:
Uma açucena de esquisito louça, De face cor de neve e trança loura.
É séria e triste. Chama-se Laurita;
Tem uma voz que me seduz e encanta;
Veste sempre de azul e é tão bonita Com os seus ares de pequena santa!
Passa depois Sophia, uma criança De olhar mais negro do que a noite escura.
Vive sempre a sorrir como a Esperança, Vive sempre a cantar como a Ventura!
E aquela doida que lá vai correndo Em risco de tombar nas pedras duras?
É Lúcia. A vida quer levar fazendo Todos os dias essas travessuras.
Depois, Sarah e Rebecca... Borboletas Irmãs no olhar, no rosto e nos vestidos;
São dois anjinhos de madeixas pretas, Gêmeos sorrisos, corações unidos!
Segue-as a linda e ingênua moreninha De nome terno e encantador: Dolores, Uma singela e pálida amiguinha Que todas as manhãs guarda-me flores.
Hoje, está triste. Nem me deu bom dia!
Deixou cair as rosas pela estrada.
- Que é do teu canto, doce cotovia?
(Reparem ela como vai zangada!)
Desce em seguida a meiga Valentina, Dez anos tem. Parece um Querubim...
Uma açucena pálida e franzina, Um encantado e pálido jasmim!
E a Inocência? Vem chorando tanto!
Que te fizeram, minha sensitiva?
Quem foi que os olhos te inundou de pranto, Quem te causou essa amargura viva?
Já sei: a mestra quis ralhar contigo, E foi bem feito, colibri travesso!
Fiquei alegre com o teu castigo;
Por que não me dás beijos quando os peço?
Ouço chamar pelo meu nome... É Santa, Um diabrete muito engraçadinho...
- Soube a lição? - Não me responde, canta...
- Graça inocente, voa para o ninho!
Puxando a trança de Lucília, passa Celeste, a loura; correm como doidas...
Por que é que tarda a pequenina Garça, A mais mimosa e mais gentil de todas!
Ei-la! É um anjo a divagar na terra, Um beija-flor que prendem na gaiola...
Quanta candura o seu sorriso encerra, Quanta inocência d’esse olhar se evola!
Como eu a amo e que tristeza infinda, Sinto nos dias em que não a vejo...
Ah! como adoro essa mãozinha linda, Tão pequenina que parece um beijo!
E eu digo ao ver das criancinhas mansas O bando alegre e luminoso e forte:
Vós sois no mundo claras esperanças, Rosas da vida, embalsamando a morte!
O vosso olhar é como um livro aberto Onde soletro as minhas alegrias...
Oásis santo num cruel deserto, Negro e sem fim, de fundas agonias.
Em breve as férias chegarão, e eu triste Quantas semanas vou passar distante De vosso olhar onde a Candura existe, De vosso riso claro e hilariante!
E para não ficar tão só, tão louca, Presa da cisma ao doloroso enleio, Dai-me as cantigas que levais na boca, Dai-me as quimeras que guardais no seio!
Pois já suspiro pela aurora mansa Que há de trazer com o sol do novo ano, Para a voss’alma mais uma esperança, Para a minh’alma mais um desengano.
Anjos da terra, flores animadas, Aves do céu que a chilrear passais...
Como vos quero, evocações amadas Do meu passado que não volta mais!
Ah, quem me dera os sonhos perfumados D’aquele tempo de ideal fragrância...
Cantai! cantai! ó rouxinóis sagrados, Lembrai-me os dias da primeira infância!