Cena íntima
Como estás hoje zangada E como olhas despeitada Só p'ra mim!
- Ora diz-me: esses queixumes, Esses injustos ciúmes Não têm fim?
Que pequei eu bem conheço, Mas castigo não mereço Por pecar;
Pois tu queres chamar crime Render-me à chama sublime Dum olhar!
Por ventura te esqueceste Quando de amor me perdeste Num sorrir?
Agora em cólera imensa Já queres dar a sentença Sem me ouvir!
E depois, se eu te repito Que nesse instante maldito - Sem querer -
Arrastado por magia Mil torrentes de poesia Fui beber!
Eram uns olhos escuros Muito belos, muito puros, Como os teus!
Uns olhos assim tão lindos Mostrando gozos infindos, Só dos céus!
Quando os vi fulgindo tanto Senti no peito um encanto Que não sei!
Juro falar-te a verdade...
Foi decerto - sem vontade -
Que eu pequei!
Mas hoje, minha querida, Eu dera até esta vida P'ra poupar Essas lágrimas queixosas, Que as tuas faces mimosas Vêm molhar!
Sabe ainda ser clemente, Perdoa um erro inocente Minha flor!
Seja grande embora o crime O perdão sempre é sublime Meu amor!
Mas se queres com maldade Castigar quem - sem vontade -
Só pecou;
Olha, linda, eu não me queixo, A teus pés cair me deixo...
Aqui estou!
Mas se me deste, formosa, De amor na taça mimosa Doce mel;
Ai! deixa que peça agora Esses extremos d'outrora O infiel:
Prende-me... nesses teus braços Em doces, longos abraços Com paixão;
Ordena com gesto altivo...
Que te beije este cativo Essa mão!
Mata-me sim... de ventura, Com mil beijos de ternura Sem ter dó, Que eu prometo, anjo querido, Não desprender um gemido, Nem um só!