Canto de amor
I
Eu vi-a e minha alma antes de vê-la Sonhara-a linda como agora a vi;
Nos puros olhos e na face bela, Dos meus sonhos a virgem conheci.
Era a mesma expressão, o mesmo rosto, Os mesmos olhos só nadando em luz, E uns doces longes, como dum desgosto.
Toldando a fronte que de amor seduz!
E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso Como a palmeira que se ergue ao ar, Como a tulipa ao pôr-do-sol saudoso, Mole vergando à viração do mar.
Era a mesma visão que eu dantes via, Quando a minha alma transbordava em fé;
E nesta eu creio como na outra eu cria, Porque é a mesma visão, bem sei que é!
No silêncio da noite a virgem vinha Soltas as tranças junto a mim dormir;
E era bela, meu Deus, assim sozinha No seu sono d'infante inda a sorrir!...
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II
Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo, Tal como a brisa ao perpassar na flor, Mas nesse instante resumi um mundo De sonhos de ouro e de encantado amor.
O seu olhar não me cobriu d'afago, E minha imagem nem sequer guardou, Qual se reflete sobre a flor dum lago A branca nuvem que no céu passou.
A sua vista espairecendo vaga, Quase indolente, não me viu, ai, não!
Mas eu que sinto tão profunda a chaga Ainda a vejo como a vi então.
Que rosto d'anjo, qual estátua antiga No altar erguida, já cabido o véu!
Que olhar de fogo, que a paixão instiga?
Que níveo colo prometendo um céu.
Vi-a e amei-a, que a minha alma ardente Em longos sonhos a sonhara assim;
O ideal sublime, que eu criei na mente, Que em vão buscava e que encontrei por fim!
III
P'ra ti, formosa, o meu sonhar de louco E o dom fatal, que desde o berço é meu;
Mas se os cantos da lira achares pouco, Pede-me a vida, porque tudo é teu.
Se queres culto - como um crente adoro, Se preito queres - eu te caio aos pés, Se rires - rio, se chorares - choro, E bebo o pranto que banhar-te a tez.
Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro, E desses olhos um volver, um só;
E verás que meu estro, hoje rasteiro, Cantando amores s'erguerá do pó!
Vem reclinar-te, como a flor pendida, Sobre este peito cuja voz calei:
Pede-me um beijo... e tu terás, querida, Toda a paixão que para ti guardei.
Do morto peito vem turbar a calma, Virgem, terás o que ninguém te dá;
Em delírios d'amor dou-te a minha alma, Na terra, a vida, a eternidade - lá!
IV
Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas, Oh! não me tardes, não me tardes, - vem!
Da fantasia nas douradas asas Nós viveremos noutro mundo - além!
De belos sonhos nosso amor povôo, Vida bebendo nos olhares teus;
E como a garça que levanta o vôo, Minha alma em hinos falará com Deus!
Juntas, unidas num estreito abraço, As nossas almas uma só serão;
E a fronte enferma sobre o teu regaço Criará poemas d'imortal paixão!
Oh! vem, formosa, meu amor é santo, É grande e belo como é grande o mar, E doce e triste como d'harpa um canto Na corda extrema que já vai quebrar!
Oh! vem depressa, minha vida foge...
Sou como o lírio que já murcho cai!
Ampara o lírio que inda é tempo hoje!
Orvalha o lírio que morrendo vai!...
Rio - 1858.