A voz do rio
Num álbum Nosso sol é de fogo, o campo é verde, O mar é manso, nosso céu azul!
- Ai! porque deixas este pátrio ninho Pelas friezas dos vergéis do sul?
Lá nessa terra onde o Guaíba chora Não são as noites, como aqui, formosas, E as duras asas do Pampeiro iroso Quebra as tulipas e desfolha as rosas.
A lua é doce, nosso mar tranqüilo, Mais leve a brisa, nosso céu azul!...
- Tupá! quem troca pelo pátrio ninho As ventanias dos vergéis do sul?!
Lá novos campos outros campos ligam E a vista fraca na extensão se perde!
E tu sozinha viverás no exílio - Garça perdida nesse mar que é verde! -
Nossas campinas como doces noivas Vivem c'os montes sob o céu azul!
- Há vida e amores neste pátrio ninho Mais rico e belo que os vergéis do sul!
Essas palmeiras não tem tantos leques, O sol das Pampas marcou seu brilho, Nem cresce o tronco que susteve um dia O berço lindo em que dormiu teu filho!
Nossas florestas sacudindo os galhos Tocam c'os braços este céu azul!...
- Se tudo é grande neste pátrio ninho Porque deixai-o p'ra viver no sul?!...
Embora digas - essa terra fria Merece amores, é irmã da minha -
Quem dar-te pode este calor do ninho, A luz suave que o teu berço tinha?!
Eu - Guanabara - no meu longo espelho Reflito as nuvens deste céu azul;
- Ó minha filha! Acalentei-te o sono, Porque me deixas p'ra viver no sul?!...
Lá, quando a terra s'embuçar nas sombras E o sol medroso s'esconder nas águas, Teu pensamento, como o sol que morre, Há de cismando mergulhar-se em mágoas!
Mas se forçoso t'é deixar a pátria Pelas friezas dos vergéis do sul, Ó minha filha! não t'esqueças nunca Destas montanhas, deste céu azul.
Tupá bondoso te derrame graças, Doce ventura te bafeje e siga, E nos meus braços - ao voltar do exílio -
Saudando o berço que teu lábio diga:
"Volvo contente para o pátrio ninho, "Deixei sorrindo esses vergéis do sul;
"Tinha saudades deste sol de fogo...
"Não deixo mais este meu céu azul!...
Rio - 1858.