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Textos para uso geral de domínio público.

Crônica do viver baiano seiscentista - os homens bons - espada e espadilha

Índice ESPADA E ESPADILHA
AO CAPITÃO FRANCISCO MONIZ DE SOUZA CORRENDO NA FESTA DAS VIRGENS
COM GARBOZA FORTALEZA.
AO MESMO CAPITÃO CHEGANDO A MADRE DE DEOS, ONDE O POETA ASSISTIA, A
HUMA FESTIVIDADE COM SUAS TRÊS IRMAÃS SENDO DONA ANGELA HUMA DEISS
E PORTENTO MAYOR DA FORMOSURA POR QUEM SE DESVELLOU O POETA
COMO VEREMOS NO QUARTO TOMO.
AO MESMO CAPITÃO PEDE O POETA LICENÇA PARA O IR VISITAR NA SUA
FAZENDO DO CAIPPE, ONDE ASSISTIA. EM COMPANHIA DE SEUS PAYS, E IRMÃOS.
AO CAPITÃO JOÃO ROIZ DOS REIS HOMEM GENEROSO, E ALENTADO GRANDE
AMIGO DO POETA, LHE LOUVA A SUA GENEROSIDADE COM TODOS.
AO CAPITÃO BENTO PEREYRA HOMEM SIMPLES E COM PRESUNÇÕES DE BOM.
AO CAPITÃO JOZE PEREYRA POR ALCUNHA O SETTE CARREYRAS LOUCO COM
CAPRICHOS DE POETA SENDO ELLE IGNORANTISSIMO.
AO MESMO CAPITÃO SEVANDIJA DO PARNASO.
AO CAPITÃO DOMINGOS CARDOZO POR ALCUNHA O MANGARÁ, QUERELLANDO, E PRENDENDO DUAS MULATAS, MAY, E FILHA PELO FURTO DE HUM PAPAGAYO, SENDO HUMA DELLAS SUA AMAZIA.
AO CAPITÃO JOÃO TEYXEIRA DE MENDONÇA QUERENDO FUGIR COM A FAZENDA
DOS DEFUNTOS, E AUSENTES, DE QUE ERA THESOUREIRO E FOY PREZO.
AO MESMO CAPITÃO PELO MESMO CASO, E NA MESMA OCCASIÃO.
ESTRIBILHO
AO CAPITÃO MANUEL DIAS FILGUEYRA PREZO, E RETRAIDO NA MOXINGA POR
HAVER QUEBRADO UM CAMAREYRO NA PORTA DE CERTA PERSONAGEM.
AO CAPITÃO ADÃO DE TAL QUE ESTANDO PREZO SAHIO COM FINGIDA
NECESSIDADE A VER HUMAS COMEDIAS, QUE SE FIZERAM NA PALMA ONDE COM
SUA AMAZIA SE DEIXOU FICAR ALGUNS DIAS; E DEPOIS A ROGOS DO
CARCEREYRO VEIO COM HUM PÉ ENTRAPADO, DANDO A ENTENDER, QUE O
DESMENTIRA.
AO CAPITÃO BENTO RABELLO MORADOR NA VILLA DE S. FRANCISCO AMIGO DO
POETA, QUE POR ESTAR TOTALMENTE DIVERTIDO COM O JOGO O NÃO FOI
VISITAR; ELLE O ADMOESTA, A QUE LARGUE O JOGO, E VÁ PARA A CAJAIBA.
AO MESMO CAPITÃO SENDO ACHADO COM UMA GROCISSIMA NEGRA.
AO CAPITÃO JOÃO FRANCO POR ALCUNHA O BICANCRO PELA SUA BICUDA
FIZIOGNOMIA, O QUAL CALLOTEOU HUMA POBRE MULHER COM UMA CAIXA DE
AÇUCAR.
AO CAPITÃO DOMINGOS GLz. FERREYRA APPELLIDADO O RAPADURA, A QUEM
HUMA DAMA PURGOU COM HUNS ARAÇÁS, DE QUE TEVE UMA DIARRHEA.
ESTRIBILHO
AO MESMO CAPITÃO FRETANDOLHE A AMASIA CERTO HOMEM CHAMADO O
SURUCUCU.
A OUTRO CAPITÃO QUE TINHA SIDO DE COURAÇAS EM PORTUGAL QUE SE
CASOU COM HUMA FILHA DE CERTO LETRADO FULANO COELHO, DE QUEM JÁ FALLAMOS A FL.360 QUE SE CASARA COM HUMA MULHER, QUE DEO HUNS
PONTOS NO VAZO; E DESTA TAMBEM SE DIZIA SER JA CORRUPTA, E CHRISTÃA
NOVA.
A CERTO TENENTE CHAMADO O SURDO INSIGNE VENDELHÃO, E ATRAVESSADOR
VENDENDO HUNS PAYOS POR COUSA MUY SELECTA QUANDO OS MAIS DELLES
ESTAVAM PODRES.
A HUM ALFERES QUE INDO PREZO PERANTE O SEU AUDITOR, SALTOU DAS SUAS
JANELLAS, DE QUE QUEBROU OS QUADRIS E SE FOY HOMIZIAR EM S.
FRANCISCO.
5 - ESPADA E ESPADILHA
Quando andáveis lá nas tropas de tanta campanha armada, jogáveis jogo de espada ou da espadilha?
Basta, Senhor Capitão.
AO CAPITÃO FRANCISCO MONIZ DE SOUZA CORRENDO NA FESTA DAS VIRGENS
COM GARBOZA FORTALEZA.
Amigo capitão forte, e guerreiro, Sempre vos observei no pensamento Por homem de grandíssimo talento, Mas dunca por tão grande cavaleiro.
Quando vos vi na festa do Terreiro Torreão cavalgado sobre o vento, Onde irá parar (disse) este portento, Senão na admiração do povo inteiro, Dito, e feito; porque vos aplaudiram De tal modo os Mirões daquela praça, Que de vos dar um gabo me excluíram.
Mas se os Céus vos formaram de tal traça, Que de prendas tão nobres vos urdiram, Eu me dou por contente em vossa graça.
AO MESMO CAPITÃO CHEGANDO A MADRE DE DEOS, ONDE O POETA ASSISTIA, A HUMA FESTIVIDADE COM SUAS TRÊS IRMAÃS SENDO DONA ANGELA HUMA
DEISS E PORTENTO MAYOR DA FORMOSURA POR QUEM SE DESVELLOU O
POETA COMO VEREMOS NO QUARTO TOMO.
Faltava para alegria desta festa a vossa vinda, que só fica sendo linda assistindo vós ao dia:
confesso, que não sabia de tão ditosa ocasião, mas agora em conclusão protesto com viva fé ir-me pôr ao vosso pé, para beijar-vos a mão.
AO MESMO CAPITÃO PEDE O POETA LICENÇA PARA O IR VISITAR NA SUA
FAZENDO DO CAIPPE, ONDE ASSISTIA. EM COMPANHIA DE SEUS PAYS, E
IRMÃOS.
Meu capitão, meu amigo, mui entendido e bizarro, aceio sem artifício, galanice sem cuidado:
Benquisto por graça própria, não por estudo, ou trabalho, sem presunção valeroso, sem afetação fidalgo:
Imitador dos brasões de Avoengos tão preclaros, que a não seres vós nascido, não foram nunca imitados.
Deixou-nos a vossa ausência tão tristes, tão solitários, que todos nos persuadimos, que em um deserto habitamos.
Faltou-nos vossa alegria, riso, prazer, desenfado, e porque o digo de um golpe, de vós mesmo estamos faltos.
Subindo por este oiteiro ver a Deus no templo sacro, nem pé de pessoa vemos, nem com viva alma encontramos.
O Ilustríssimo Isidoro, e o valeroso Carvalho parecem padres de ermo, ou ermitães do Busaco.
Porque apartado um do outro andam por estes mentrastos como dentes de caveira dous somente, e afastados.
Lourenço, que foi convosco, veio aqui como um pasmado, tudo, o que diz, são caipes em assuntos mui contrários.
O Padre anda como um doudo, e jura aos dedos sagrados, que as festas, que embora vêm, hão de durar de ano a ano.
Para prender-vos consigo fará ele piores caos, diz, que sois o seu feitiço, e eu tenho zelos, que raivo.
E pois a Cururupeba desde então se tem trocado uma Tebaida, um deserto, uma Arrábida, um Busaco.
Eu sou alegre de brio, quanto risonho de cascos, e não sofro vida, em que da solidão me acompanho.
Haveis de me dar licença, para que vá visitar-vos, ou mandai-me uma mortalha, hissope, e gatos pingados.
Mandai-me com que me enterrem, porque de vós apartado deveis (pois morro por vós)
fazer-me do enterro os gastos.
Não venha cá vosso Tio, porque em se pondo de um lado a lançar-me a água benta, estou com ele de um salto.
Demais que se há de encontrar aqui co Padre Gonçalo, e hei medo, que se renove o sucesso do seu barco.
E hão de ferver os muquetes, porque estão desconfiados, um, porque a vela vá acima, e outro, porque venha abaixo.
Eu sou defunto de prendas, e quando este mundo largo, brigas não quero em lugar de um parce mihi cantado.
AO CAPITÃO JOÃO ROIZ DOS REIS HOMEM GENEROSO, E ALENTADO GRANDE
AMIGO DO POETA, LHE LOUVA A SUA GENEROSIDADE COM TODOS.
Meu Capitão dos Infantes, que por vossas boas artes sois homem de muitas partes nascendo só em Abrantes:
por vossos ditos galantes, discretos, e cortesãos, e por largueza de mãos a todos nos pareceis não somente João dos Reis, senão o Rei dos Joãos.
O Príncipe, que de juro senhoreia os corações (como lá disse Camões)
que sois vós, o conjeturo:
tanto nisto me asseguro, que em ver como procedeis, presumo, que descendeis dalgum Príncipe da França donde tendes por herança esse apelido dos Reis.
A boa arte de reinar em um coração rendido, e não seres vós nascido, não se pudera imitar:
vós nos podeis ensinar com paridades, e apodos os bons meios, e os bons modos, com que todo o mundo embaça, porque sempre estais de graça, por fazeres graça a todos.
O generoso da mão, o coração varonil, onde vos cabe o Brasil, vos sobeja o coração:
com pobres a compaixão, cos ricos o liberal, na amizade tão leal, na palavra tão muciço para mim tudo é feitiço, sendo cousa natural.
AO CAPITÃO BENTO PEREYRA HOMEM SIMPLES E COM PRESUNÇÕES DE BOM.
Amigo Bento Pereira, que em todo o nosso Brasil sois homens de muitas prendas, tendo tão pouco quatrim.
Assim agradara eu a quatro vilões ruins, a quem nesta terra enfado, como me agradais a mim.
Vós sois um homem honrado de generosa raiz, nobre com ventosidade, honrado com retentiz.
Sois galã com artifício, asseado com ardil, só vós sois homem honrado, os demais homens gentis.
Todo o mundo vos quer bem, porque tendes, e é assim, cara de ter mil amigos:
mil amigos? mais de mil.
Sois muito leal com todos, cousa, que não se usa aqui, por isso sois mal servido, de quantos sabem servir.
Empeceu-vos a fortuna, que a fortuna é vilão ruim, para os seus sempre a chegar-se, e de vós sempre a fugir.
Agradais-me dentro dalma, que como eu também saí, e os semelhantes se amam, por semelhante vos quis.
Tende-me em conta de amigo, e tereis sempre de mim excessos de par em par finezas de mil em mil.
AO CAPITÃO JOZE PEREYRA POR ALCUNHA O SETTE CARREYRAS LOUCO COM
CAPRICHOS DE POETA SENDO ELLE IGNORANTISSIMO.
Amigo Senhor José, não me fareis uma obra;
porque se a graça vos sobra, me fazeis graça, e mercê:
fazei-me uma obra, em que honra me deis aos almudes, e se em vossos alaúdes, que Apolo vos temperou, não cabe o pouco, que eu sou, caberão vossas virtudes.
Fazei-me uma obra, enquanto a Musa se me melhora, que eu prometo desde agora pagar-vos tanto por tanto:
que como Deus é bom Santo, e não há ovo sem gema, sereis do meu plectro o tema, porque, a quem me faz um verso, não serei eu tão perverso, que lhe não faça um poema.
Saiam esses resplandores essas luzes rutilantes, rubis, pérolas, diamantes, cravos, açucenas, flores:
saiam da Musa os primores, que há hortelão da poesia, que gasta em menos de um dia de flores um milenário, e há Poeta Lapidário gastador da pedraria.
Eu quatro versos fazendo não me meto em gasto tal, nem posso chamar cristal, a mão, que humana estou vendo:
aos olhos, que ao que eu entendo, são de sangue dous pedaços, não chamo diamantes baços, porque os não tenho por tais, que há Poetas Liberais, e os meus são versos escassos.
Vós sois o Deus da poesia, que sobre o vosso Pegaso andais mudando o Parnaso neste monte da Bahia:
nos ensina aos praticantes tão graciosos consoantes, que vos juro a Jesu Cristo, que em quantos versos hei visto, não vi versos semelhantes.
Sois Poeta natural, e tendes sempre a mão cheia não só na Aganipe a veia, mas na veia um mineral:
correm por um manancial da vossa boca Aretusas, e as nove Musas obtusas de ver o vosso partolo, em vez de Musas de Apolo, querem ser as vossas Musas.
AO MESMO CAPITÃO SEVANDIJA DO PARNASO.
Meu Senhor Sete Carreiras você não é bom Poeta, quando o juízo inquieta em fazer tantas asneiras:
oxalá que em caganeiras lhe dera a sua poesia, porque então a não faria, ou a fazê-la de noite eu lhe dera tanto açoite, que lhe apurara a Talia.
AO CAPITÃO DOMINGOS CARDOZO POR ALCUNHA O MANGARÁ, QUERELLANDO, E PRENDENDO DUAS MULATAS, MAY, E FILHA PELO FURTO DE HUM PAPAGAYO, SENDO HUMA DELLAS SUA AMAZIA.
A quem não causa desmaio esta querela recente, as Mulatas na corrente em falta do Papagaio?
eu de verdade não caio nesta justiça em rigor:
ora este tal prendedor quem seria, ou quem será?
Mangará.
Diz, que em tudo tinha graça a Jandaia abrindo a boca, dizendo já toca toca, meu Papagaio, quem passa?
Mangará, que vai à caça:
porém na presente perda passará a beber da merda, que não faltará, quem vá, Mangará.
As Mulatas no seu mal vão disfarçando a paixão, pois lhes deu uma prisão o Papagaio Real:
diz, que para Portugal lindamente dava o pé, mas uma articula, que o contrário provará Mangará.
Provará, que ele gostara, e que não satisfizera, e muitas cousas dissera, se o Papagaio falara:
que o Capitão intentara pagar-lhe em bens de raiz, pois sendo Mangará quis transfigurar-se em cará Mangará Pondo-se o pleito em julgado dar testemunhas procura com o Primo Rapadura, e um compadre seu melado:
mas há de ficar borrado como o tal Primo ficou, quando a Mulata o purgou naquele triste aracá Mangará.
Na gaiola apassarada, onde as duas pobres vejo, a primeira entrou sem pejo, mas a segunda pejada:
arrebentou de embuchada um presozinho pequeno, que criado com veneno prisões não estranhará, Mangará.
Todo o povo, que isto vê, pergunta em seu desabono, não ao Papagaio, ao dono, que casta de pássaro é;
eu por me fazer mercê, dou o sentido cabal, e um contrafeito asnaval empenado em Pirajá Mangará.
AO CAPITÃO JOÃO TEYXEIRA DE MENDONÇA QUERENDO FUGIR COM A
FAZENDA DOS DEFUNTOS, E AUSENTES, DE QUE ERA THESOUREIRO E FOY
PREZO.
O Senhor João Teixeira Mendonça de quando em quando na cadeia está purgando humores de ladroeira:
a Putaina, que era herdeira universal dos defuntos, perdeu já redoma, e untos, e está já desenganada, que o ladrão mata a porcada, e o Fisco come os presuntos.
Tinha o Fidalgo tostado (como ladrão tão astuto)
os bens em lugar enxuto, mas mal acondicionado:
estava o barco ancorado, e nisto esteve a ruína, porque a carga era rapina, e deu-nos espanto, e mágoa, de que pela veia d'água se desse naquela mina.
As Almas do Purgatório, como os fardos eram seus, estavam pedindo a Deus cada qual seu envoltório:
ouviu Deus o peditório, e com ter tão forte mão em qualquer execução, vendo-as perder por instantes, se ajudou de uns Ajudantes para fazer a prisão.
Foram eles à setia, e dizem, que se prendera, porque tão sôfrego era, que furtava, e não partia:
o Tesoureiro esse dia fazia conta de se ir, e a tardança o fez cair e então se lhe ouviu dizer, furtava para esconder, porém não para partir.
Ladrão como mentecapto no profundo do porão, passado como ladrão, e fino como mulato:
deram-lhe muito mau trato em o trazer amarrado, sendo que andou como honrado em seguir aquela via, que eu não vi na fidalguia Mendonça sem ter Furtado.
A parentela se ria, que é gente, que aqui negreja, porque lhe causava inveja ver, que lhe dava honraria:
alvoroçou-se a Bahia entre admiração, e gozo, porque era caso espantoso, que tomasse sem ser Saulo o caminho de São Paulo um ladrão facinoroso.
Ficou no porto a setia, e o Tesoureiro selvagem chegou, sem fazer viagem a salvamento a enxovia:
diz o povo, que fugia por de todo estar quebrado;
mas o povo está enganado, porque eu vi o Tesoureiro na cadeia mui inteiro, e mui desavergonhado.
Já dizem as profecias dos homens exp'rimentados, que a quatro dias andados, ou daqui a quatro dias, todas as tesourarias adrede lhas hão de dar, por ser homem singular, que guarda a rigor da lei tanto a fazenda d'EI-Rei, que El-Rei a não pode achar.
E se a justiça lhe deu no rasto por tantas calmas, já disse, que foram almas, que choraram pelo seu:
aos Santos (sempre ouvi eu)
era seguro o furtar, porque não podem falar;
mas d'almas não há fiar-se, que se não podem queixar-se, contudo podem rezar.
Toda a cidade notou, que este Tesoureiro alvar é tão destro no embolsar, que a si mesmo se embolsou:
na cadeia se encaixou, que é bolsa dos maus ladrões, e se os doutos cabeções fazem crime de ausentar-se, hei medo, que há de chegar-se do verdugo aos calções.
AO MESMO CAPITÃO PELO MESMO CASO, E NA MESMA OCCASIÃO.
Isto faz-se à gente honrada?
Quem viu outro tal desprezo?
Senhor Jam, por que vem preso?
Eu, meus amigos, por nada.
É dos nossos, camarada, venha para a nossa gente coma, e beba alegremente, crie bojo de animal, porque não pode deixar de ser defunto, e ausente.
Meu Pai para meu desdouro dizem alguns, que era sastre, eu por cobrir tal desastre troquei tesoura em tesouro:
luzi logo como o ouro, em grande fui transformado, e por mais enfidalgado usei desta geringonça, porque como sou Mendonça quis lograr o meu Furtado.
Outro, que anda por aqui esquecido, do que foi, lo que va de ayer a oy aprender pode de mi:
e vê-lo também assi espero-lhe a ocasião, abatida a inchação só pelo crime de ausente, e por ser tanto parente e na ligeireza Irmão.
Vós, Ajudantes Saltões, abençoados sejais, que pareceis um Chegais em vossas execuções:
andais rompendo calções, e disso vos não dá nada, ires a qualquer jornada:
porém é presunção minha, sois soldados à meirinha, não Meirinhos à soldada.
ESTRIBILHO
Tu esperavas na paixão quando no furto te animas de salvar-te como Dimas, mas não fostes bom ladrão.
AO CAPITÃO MANUEL DIAS FILGUEYRA PREZO, E RETRAIDO NA MOXINGA POR
HAVER QUEBRADO UM CAMAREYRO NA PORTA DE CERTA PERSONAGEM.
Preso está no Limoeiro repicando uma corrente certo Capitão valente, por matar um camareiro:
e se o caso é verdadeiro, e foi ele o matador, pois o maior ao menor usurpa, arrasta, e convence, quem um camareiro vence, será camareiro mor.
Rompeu a testa a um cortiço, que estava em certa calçada, cuida ele, que não fez nada, e à rua fez mau serviço;
porque tendo aviso disso pelo favônio, que entrava, a gente, que ali morava, enfadada do vapor, que exalava o servidor, por mal servida se dava.
Como os miolos saltaram da cabeça, que ofenderam, assim as novas correram, té que à cadeia chegaram:
logo então se despacharam os Morenos da corrente, e o caso era tão recente, que sem mais informação prenderam ao Capitão, porque cheirava a valente.
Entre tanta cachaporra veio à prisão, que o maltrata, porque quem com ferro mata, quer Deus, que com ferro morra:
e porque nada o socorra, na moxinga o entupiram, onde os mais dos presos viram, que por serviço do Céu, pois que o vidrado ofendeu, vidrados o perseguiram.
Lastimou-se o mundo disso, pois quantos serviços fez como homado Português.
perdeu por um mau serviço:
hoje que livre o toutiço já penteia o pêlo louro, ganhou (fora vá de agouro)
por indústria, e por santaca uma Noiva de tambaca com dote de prata, e ouro.
Mas ficou em tão ruim fé este sucesso infeliz, que nenhum homem já diz, servidor de Vossarcê:
item qualquer homem, que publicar, que é servidor do Fidalgo, e do Senhor, há de vir, com maus feitiços o Capitão dos serviços a quebrar-lhe o servidor.
AO CAPITÃO ADÃO DE TAL QUE ESTANDO PREZO SAHIO COM FINGIDA
NECESSIDADE A VER HUMAS COMEDIAS, QUE SE FIZERAM NA PALMA ONDE
COM SUA AMAZIA SE DEIXOU FICAR ALGUNS DIAS; E DEPOIS A ROGOS DO
CARCEREYRO VEIO COM HUM PÉ ENTRAPADO, DANDO A ENTENDER, QUE O DESMENTIRA.
Dizem, Senhor Capitão, que quando à Palma marchastes, a vossa Eva levastes como Adão, e bom Adão:
dizem-me também, que então a esse terreno sagrado da Palma íeis convidado para ver uma comédia, que para vós foi tragédia, pois saístes aleijado.
A Puta com seus extremos vos quis da via torcer, que nós por uma mulher a cabeça, e pés torcemos:
todos o mesmo fazemos, e o temos todos à asnice, senão eu, que logo disse, quando o pé se vos entreva, que se Adão se achou com Eva, era força, que caísse.
Vós manquejastes de um pé, e segundo sois Gascão podíeis cantar então "nanja do pernil bofe":
tão malato estáveis, que faltastes ao carcereiro quase quase um mês inteiro, até que de importunado fostes a um pau arrimado com figura de embusteiro.
O carcereiro entendia, que estáveis pior, que mal, porque a figura era tal, que o mesmo bordão vos cria:
Peralvilho parecia, senhor, o vosso modilho, porém se eu nesse corrilho fora, e cum pau vos cascara, creio, que o pé vos voara, como voou Peralvilho.
De ver-se o pé desmentido tomou tão grande pesar, que por de vós se vingar andou três dias sentido:
envergonhado, e corrido de ver, que o desacatais, foi causa de vossos ais, que eu por justos avalio, porque um pé de tanto brio outra vez não desmintais.
Vós sois muito boa preia, e todos sabemos, que desse pé tomastes pé, para não vir à cadeia:
mas a parte, que receia, e tem grandíssimo medo, que lhe façais um enredo fez, que fôsseis recolhido, porque para um pé torcido o remédio é estar quedo.
AO CAPITÃO BENTO RABELLO MORADOR NA VILLA DE S. FRANCISCO AMIGO DO
POETA, QUE POR ESTAR TOTALMENTE DIVERTIDO COM O JOGO O NÃO FOI
VISITAR; ELLE O ADMOESTA, A QUE LARGUE O JOGO, E VÁ PARA A CAJAIBA.
Pois me deixais pelo jogo, licença me haveis de dar para vos satirizar como amigo.
Fará isso um inimigo, deixares-me miserando, por estar sempre beijando o ás de copas.
Quando andáveis lá nas tropas de tanta campanha armada, jogáveis jogo de espada ou da espadilha?
Quem vos meteu a potrilha, para estares noite, e dia na triste tafularia de um cruzado?
Não é melhor desenfado passares à Cajaíba, onde o jogo vos derriba e escangalha?
É mau ver esta canalha Clara, Bina, e Lourencinha, a quem dizeis a gracinha de soslaio?
É mau encaixar-lhe o paio encostado aqui na torre, e ela dizer-vos, que morre de olho em alvo?
É mau meteres o calvo entre tanta pentelheira, e sair co'a cabeleira encrespadinha?
Que mau é Mariquitinha, quando está com seus lundus fazer-vos com quatro cus o rebolado?
Quem vos chamar home honrado, não tem honra, nem razão, que vós sois um toleirão, e um Pasguate.
Mas se deixais por remate esse jogo, esse monturo sois Príncipe, que de juro senhoreia.
Sois o Mecenas da veia deste Poeta nefando, que aqui vos está esperando com jantar, merenda, e ceia.
AO MESMO CAPITÃO SENDO ACHADO COM UMA GROCISSIMA NEGRA.
Ontem, senhor Capitão, vos vimos deitar a prancha, embarcar-vos numa lancha de gentil navegação:
a lancha era um galeão, que joga trinta por banda, grande proa, alta varanda, tão grande popa, que dar podia o cu a beijar a maior urca de Holanda.
Era tão azevichada, tão luzente, e tão flamante, que eu cri, que naquele instante, saiu do porto breada:
estava tão estancada que se escusava outra frágua e assim teve grande mágoa da lancha por ver, que quando a estáveis calafetando então fazia mais água.
Vós logo destes à bomba com tal pressa, e tal afinco, que a pusestes como um brinco mais lisa, que uma pitomba:
como a lancha era mazomba, jogava tanto de quilha, que tive por maravilha, não comê-la o mar salgado, mas vós tínheis, o cuidado, de lhe ir metendo a cavilha Desde então toda esta terra vos fez por aclamação Capitão de guarnição não só, mas de mar, e guerra:
eu sei, que o Povo não erra, nem nisso vos faz mercê, porque sois soldado, que podeis capitanear as charruas d'além-mar, se são urcas de Guiné.
AO CAPITÃO JOÃO FRANCO POR ALCUNHA O BICANCRO PELA SUA BICUDA
FIZIOGNOMIA, O QUAL CALLOTEOU HUMA POBRE MULHER COM UMA CAIXA DE
AÇUCAR.
Meu Joanico, uma Dama mui galharda, e mui luzida está mui arrependida do cu lhe pores na cama;
porque diz, que a boa fama, que a gente de vós lhe dava, a movia, e enganava:
mas eu nunca louvarei Capitão, que diz, cuidei nem Dama, que diz, cuidava.
Diz, que João Tacanho andastes naquela caixa de branco, e que, se fôreis João Franco, lha déreis, pois lha ofertastes:
que vilmente a enganastes, porque de graça a comestes, e se vos lha prometestes, acho eu cá no meu direito, que arto caixa lhe haveis feito na caixa, que lhe fizestes.
Item na negra boçal, que tendes de porta adentro, diz, que estais no vosso centro, porque sois branco asnaval:
pesa-me, que o vosso mal vos venha por essa banda, porque diz, que vos tresanda, (quando lá pondes o cu)
o sovaco a putiú, e que a catinga a palanda.
Que primor vos não faltara em qualquer ocasião, se fôreis largo de mão, como sois largo da cara:
bom fora, que se trocara, (por não lhe dares desgosto)
co'a mão o largo do rosto;
mas ter de cegonha o bico, e a garra de Maçarico, é ser Bicancro por gosto.
Se porque não vitupere poupardes o cabedal dizeis, que todo o animal o faz no campo a gaudere:
nem por isso é bem, que espere a Moça, o xesmeninez, que dais de talho, e revés, que os privilégios poupantes são só dos quadrupedantes, vós sois besta de dous pés.
Tudo a Moça suportou, tudo sofreu a tal Moça, porque a caixa tudo adoça, e a ela tudo amargou:
nesciamente se enganou sem desculpa, e sem razão, pois na força da sezão, devia ver, que a encaixa quem lhe promete uma caixa, para correr-lhe o caixão.
A los Moros por dinero a los christianos debalde ha mandado nuestro Alcaide discretamente severo:
em vós eu o considero doutro modo, e doutra traça, e porque lei se vos faça, manda El-Rei por este Oiteiro, que aos toleirões por dinheiro, aos entendidos de graça.
Fica a terra aproveitada, se a Moça acaso emprenhar, e de Bicancros botar uma rencova, ou ninhada:
ver-se-á a Ilha assolada, e a Deus fazendo mil votos virão os Capuchos rotos, descalços em procissão e Bicancros benzerão, como benzem gafanhotos.
AO CAPITÃO DOMINGOS GLz. FERREYRA APPELLIDADO O RAPADURA, A QUEM
HUMA DAMA PURGOU COM HUNS ARAÇÁS, DE QUE TEVE UMA DIARRHEA.
Minha gente, você vê as loucuras tão borrachas deste Capitão das Taxas, que agora direi, quem é:
veio pedir de mercê, que lhe celebrasse a cura de uma purgação madura, que a amiga lhe tinha dado, porque, sem comer melado o fez cagar rapadura.
Eu cuido, e é de cuidar, que esta Puta sem agrado, como o tinha já sangrado, o quereria purgar:
não há nela, que estranhar, nem que reprovar-lhe a ação, antes muita compaixão, porque quis piedosamente, que se era de amor doente, ficasse co'a praga são.
Se livrais do palalá, alerta meu Capitão, que há Puta, que dá pinhão com rebuço de araçá:
vosso Primo Mangará, que nesta matéria bole, diz, que quem tal purga engole, e no cagar tanto atura, já não será rapadura, porque foi jalapa mole.
Temos por cá averiguado com este vosso entremez, que o fruto, que tal mal fez, devia de ser vedado:
vós ficastes enganado por aquela Eva atroz;
se outra vez vos quiser dar, e não puderdes cagar, eu irei cagar por vós.
ESTRIBILHO
Saiba-se em qualquer lugar, que esta rapadura inteira, foi da casa de caldeira para a casa de purgar.
AO MESMO CAPITÃO FRETANDOLHE A AMASIA CERTO HOMEM CHAMADO O
SURUCUCU.
Passou o surucucu, e como andava no cio, com um e outro assobio, pediu a LuÍsa o cu:
Jesu nome de Jesu, disse a Mulata assustada, se você é cobra mandada que me quer ferir da escolta dê uma volta, e na volta poderá dar-me a dentada.
Apenas isto escutou, quando a boa cobra solta deu a volta, mas a volta não foi, a que a namorou:
porque o bom Adão achou no Paraíso, ao entrar, sem poder a Eva falar, jurando o seu nome em vão, pecou no segundo então, por no sexto não pecar.
O seu Santo nome disse em vão: mas o capitão perguntou a Luísa então a causa da parvoíce:
ela; porque ele ouvisse, toda de risinhos morta, este mandu (disse absorta)
não repara, que se implica marchar eu com outra pica, tendo o Capitão à porta?
Saiba, Senhor Capitão, que se Luísa, se fornica, antes com homem de pica, que com homem de bastão:
porém se este toleirão, quiser vomitar peçonha, livrar-me-ei dessa erronha, pois na sua cara vejo, que terá muito de pejo, mas tem mui pouca vergonha.
Prometeu vir do passeio veio como um corrupio, eu não vi homem tão frio, que tão depressa se veio:
sobre ser frio é mui feio;
sobre ser feio é mui tolo:
porém se o meu porta-colo não erra, tem o magano nos culhões muito tutano, na testa pouco miolo.
A OUTRO CAPITÃO QUE TINHA SIDO DE COURAÇAS EM PORTUGAL QUE SE
CASOU COM HUMA FILHA DE CERTO LETRADO FULANO COELHO, DE QUEM JÁ FALLAMOS A FL.360 QUE SE CASARA COM HUMA MULHER, QUE DEO HUNS
PONTOS NO VAZO; E DESTA TAMBEM SE DIZIA SER JA CORRUPTA, E CHRISTÃA
NOVA.
Basta, Senhor Capitão, que se recebeu Você?
estimo muito: porque deu à terra um alegrão:
a este himeneu lhe dão os parabéns, os que o vêem, e eu lhos darei também:
porque é razão natural, que como sinto o seu mal folgue também com seu bem.
A Noiva, que você goza, partes tem para querida, é nobre, é bem entendida, é rica, e muito formosa:
não tem finalmente cousa, das que a malícia reprova:
não é velha, é muito nova, dizem, que honrada seria, o que você provaria, quando lhe tirou a prova.
Bem mostra, que com quatro olhos buscou tão bela consorte, porque mulher de tal porte não se enxerga sem antolhos:
livre está você de abrolhos, meu Capitão de Couraças, de que pode a Deus dar graças;
mas repare nos retornos, não se convertam em cornos essas luzentes vidraças.
Que a mulher, que se requesta, ou seja dama, ou casada, de quem se vê mais amada, põe logo o dado na testa:
e veja você, que desta ter muitos zelos convinha, que, quem foi levianazinha, não é grande maravilha, siga os passos, como filha da mãe, que vai pela vinha.
Você no ardente aparelho além de ser grão soldado, me parece sutil galgo no alcançar deste Coelho:
mui honrado fica o velho da sua filha lhe dar para com você casar:
porque sabe sem descontos dessa fidalguia os pontos e entende do seu Solar.
Só duas mães feiticeiras tal casamento fariam, que já de putas viviam, e hoje só de alcoviteiras:
estas duas medianeiras com redomas, e ungüentos, Circes nos encantamentos fizeram com seus assaltos vossos pensamentos altos sujos, e vis pensamentos.
Fizeram estas traidoras com seus feitiços sutis semelhantes os ardis das Circes encantadoras:
as quais com traças sonoras (muitos nas fábulas leram)
que alguns homens converteram em porcos: mas estas duas com feitiçarias suas mais do que porco o fizeram.
A CERTO TENENTE CHAMADO O SURDO INSIGNE VENDELHÃO, E
ATRAVESSADOR VENDENDO HUNS PAYOS POR COUSA MUY SELECTA QUANDO
OS MAIS DELLES ESTAVAM PODRES.
Porque a fama vos celebre, meu Tenente mercador, dizem em vosso louvor, que vendeis gato por lebre:
temo, que o trato vos quebre, e temo, que vos quebreis, quando as bocas não tapeis, que dizem, por onde andais, o modo, com que comprais, e o modo, com que vendeis.
Se vós a boca vazia tapásseis do nosso Alferes, não disseram más mulheres mal da vossa mercancia:
que o Alferes a porfia anda estrugindo os quartéis com dous mil aqui-d?El-Reis, porque sois tão mau cristão, que o que vos custa um tostão, vendeis por duzentos réis.
Se os paios, que vós vendeis, são do castelo de vide, guardai-lhe embora a pevide, mas co não a semeeis:
porque se esta terra encheis de tão pobre sementeira, sobre perder a queijeira, em que ganhais quatro réis, virão os Almotacéis meter-vos na Leoneira.
Se os paios tão podres são, quando vo-los pede alguém, quando os vendeis muito bem, como é cada qual tão são?
o certo é, meu Irmão, que nos trazeis enganados, pois sois na verdade tal, que gabando-os sem sal no-los vendeis bem salgados.
Meu Tenente, e meu Senhor, vós mereceis justamente comer praça de Tenente, porque sois bom tenedor:
por força, nem por amor, por jeito, nem por violência pôde nunca a diligência do Alferes vosso parceiro tirar do vosso fumeiro um fole de pestilência.
Por esta terra se conta, que por preços tão diversos destes os paios preversos, que nem vós lhe dais na conta:
um contador vos desconta pobres mais de nove, ou dez, dados de graça nem três:
mas isto é dito de graça, pois vem revendido em praça, quanto dais sem interes.
Sobre a partida dos queijos, que vós intentais comprar, me dizem, que heis de ganhar mais de quatro percevejos:
creio, que destes sobejos tirareis ganância boa, com que honreis casa, e pessoa;
mas tenho o meu pesarzinho de ser mercador ratinho, quem é filho de Lisboa.
Quanto ao outro negocinho da frasqueira rosa soles, que intentais vender aos goles a frasquinho por frasquinho:
tirareis tal coscorinho deles, como de um crisol, que no sagrado arrebol do convento heis de meter uma filha, que há de ser Madre Soror Rosa Sol.
Enquanto aos demais contratos, para que o dito não quebre, ou vendeis gato por lebre, ou vendeis lebres por gatos:
guardai-vos de mentecaptos, que dirão já boto o dente com mofina escarnecente depois de sorver aos goles paios, queijos, rosa soles má cousa, Senhor Tenente.
A HUM ALFERES QUE INDO PREZO PERANTE O SEU AUDITOR, SALTOU DAS
SUAS JANELLAS, DE QUE QUEBROU OS QUADRIS E SE FOY HOMIZIAR EM S.
FRANCISCO.
Se vós fôreis tão ousado nos militares assaltos, como sois destro nos saltos, fôreis um grande soldado:
mas eu tenho averiguado, quão distinto vem a ser saltar para escafeder, de assaltar para triunfar, vós saltais por escapar, não assaltais por vencer.
Lançastes-vos brutamente, e ao cairdes na razão, como caístes no chão, fôreis discreto, e prudente:
ficou espantada a gente, vendo, que apenas caístes, quando às carreiras fugistes, e é, que os que se confundiram, por entonces não caíram, no aperto, em que vos vistes.
Cair sem susto, ou pavor, levantar, correr, fugir, é ser corrente em cair, como qualquer pecador:
porém fora-vos melhor não cair na falta, em que caístes, faltando à fé, e verdade tão devida, a quem por essa caída subir vos pode à polé.
Dizem, que estais retraído curando-vos de quebrado com que hoje sois mal soldado porque ontem fostes rompido:
tenho por melhor partido, que em casa do Provedor assente praça um Tambor, que vós, quando escafedeis, a de soldado assenteis na calçada do Ouvidor.
Bom será, que vos cureis nesse convento Sagrado, donde saindo soldado, força é, que o posto deixeis:
quando o venablo encosteis, que eu vo-lo aprovo, e concedo, vos advirto em tal enredo, se sois homem de bom gosto, que vos reformeis de posto não tanto, como de medo.
O Alcaide acelerado vos teve quase colhido, mas ficou muito corrido, e vós pouco envergonhado:
Se vos não causa cuidado estar entre ardentes brasas calafetando linhaças para tanto osso quebrado é, que a um raso soldado lhe bastam cadeiras rasas.


Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,
Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.


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