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Textos para uso geral de domínio público.

Crônica do Viver Baiano Seiscentista - Os Homens Bons

II - OS HOMENS BONS
1 -PESSOAS MUITO PRINCIPAIS
2 - SALVE RAINHA A VIRGEM SANTÍSSIMA
3 - A N. SENHORA DA MADRE DE DEOS INDO LÁ O POETA
4- AO MENINO JESUS DE N. SENHORA DAS MARAVILHAS. A QUEM INFIÉIS DESPEDAÇARAM
ACHANDO-SE A PARTE DO PEYTO.
5 - AO BRAÇO DO MESMO MENINO JESUS QUANDO APARECIDO.
6 - AO MENINO JESUS DO COADJUTOR DE S. ANTÔNIO QUE SENDO ANTIGO HE MUYTO
BELLO.
7 - A N. SENHOR JESUS CHRISTO COM ACTOS DE ARREPENDIDO E SUSPIROS DE AMOR.
8 - A CHRISTO S. N. CRUCIFICADO ESTANDO O POETA NA ÚLTIMA HORA DE SUA VIDA.
9 - AO MESMO ASSUMPTO E NA MESMA OCASIÃO.
10- AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO ESTANDO PARA COMUNGAR
11- ACTO DE CONTRIÇÃO O QUE FÊZ DEPOIS DE SE CONFESSAR.
12- A HUMAS CANTIGAS, QUE COSTUMAVAM CANTAR OS CHULOS NAQUELLE
TEMPO:'BANGUÉ, QUE SERÁ DE TI?" E OUTROS MAIS PIEDOSOS CANTAVÃO: "MEU DEOS, QUE SERÁ DE MIM?" O QUE O POETA GLOZOU ENTRE A ALMA CHRISTÃ RESISTlNDO ÀS
TENTAÇÕES DIABOLICAS. 13 - AO MISTERIOSO EPÍLOGFOLOGO DOS INSTRUUMENTOS DA PAYXAO RECOPYLADO NA
FLOR DE MARACUJÁ.
14 - RENDE-SE A PESSOA DE BERNARDO VIEYRA RAVASCO? NESTE SONETO, PELOS MESMOS
CONSOANTES DE OUTRO FEITO À FLOR DO MARACUJÁ PARA CONSTAR DO DITO QUE ERAM
ESTAS RESPOSTAS DE NOSSOS POETAS.
15 - AFIRMA QUE A FORTUNA, E O FADO NÃO É OUTRA COUSA MAIS QUE A PROVIDÊNCIA
DIVINA.
16 - NO SERMÃO QUE PREGOU NA MADRE DE DEOS D. JOÃO FRANCO DE OLIVEYRA
PONDERA O POETA A FRAGILIDADE HUMANA.
17 - CONTINUA O POETA COM ESTE ADMIRAVEL A QUARTA FEYRA DE CINZAS.
18 - CONSIDERA O POETA ANTES DE CONFESSAR-SE NA ESTREYTA CONTA, E VIDA
RELAXADA.
19 - O DIA DO JUIZO
20 - A CONCEYÇÃO IMMACULADA DE MARIA SANTISSINA.
21 - A CONCEYÇÃO IMMACULADA DE MARIA SANTISSIMA.
22 - AO MESMO ASSUMPTO.
23 - A N. SENHORA DO ROSARIO.
24 - AS LAGRIMAS QUE SE DIZ, CHOROU N. SENHORA DE MONSARRATE.
25 - A S. FRANCISCO TOMANDO O POETA O HABITO DE TERCEYRO.
26 - AO GLORIOSO PORTUGUES SANTO ANTONIO.
27 - AO MESMO ASSUMPTO.
28 - AO MESMO QUE LHE DERAM A GLOZAR.
29- A CANONIZAÇÃO DO BEATO STANISLAO KOSCA.
30- SOLILOQUIO DE Me. VIOLANTE DO CEO AO DIVINISSIMO SACRAMENTO: GLOZADO PELO
POETA, PARA TESTEMUNHO DE SUA DEVOÇÃO, E CRÉDITO DA VENERÁVEL RELIGIOSA.
II - OS HOMENS BONS

Senhor, bem-vinda seja Vossa Senhoria Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos .
Que néscio que eu era então.




1 - PESSOAS MUITO PRINCIPAIS


... certa pessoa muito principal ...
Manuel Pereira Rabelo, licenciado do Céu toda a Majestade em tão pequeno distrito.




SALVE RAINHA A VIRGEM SANTÍSSIMA.

Salve, Celeste Pombinha, Salve, divina Beleza, Salve, dos Anjos Princesa, e dos céus, Salve Rainha.


Sois graça, luz, e concórdia entre os maiores horrores, sois guia de pecadores, Madre de Misericórdia

Sois divina Formosura, sois entre as sombras da morte o mais favorável Norte, e sois da vida Doçura
Sois a peregrina Ave, pois minha fé vos alcança sois pois ditosa esperança Esperança nossa Salve

Vosso favor invocamos como remédio mais raro, não nos falte vosso amparo, e vede, que a vós bradamos

Os da Pátria desterrados viver na pátria desejam;
quereis vós, que dela sejam deste mundo os degradados?


De Jesus tanto agrado leva de com os homens viver, nós somos, bem podeis ver, os mesmos Filhos de Eva.


Humildes vos invocamos com rogos enternecidos, e desse amparo rendidos, Senhora, a vós supiramos.


Se Deus nos perdoa, quando a nossa culpa é chorada, estamos por ser perdoada aqui gemendo, e chorando.


Mas vós, por quem mais se vale, Lírio do Vale, chorais, e o vosso pranto val mais neste de Lágrimas Vale

Já que tão piedosa sois não tardeis com vosso rogo, alcançai o perdão logo, apressai-vos eia pois.


Porque desde agora possa triunfar qualquer de nós de inimigo tão atroz pedi advogada nossa.


E enquanto nestes abrolhos do mundo postos estamos, de nós, que o caminho erramos não tireis os vossos olhos.


Sejam sempre piedosos para nos favorecer, e para nos socorrer sejam misericordiosos.


Favorecer-nos quereia, de vossos olhos co'a guia, gloriosa Virgem Maria sempre eles a nós volvéi

Livrai-nos de todo erro para que assim consigamos graça enquanto aqui andamos e depois deste desterro

Pois vosso Filho é a luz e alumiar-nos quereis, para que esta mostreis nos amostrai a Jesus

E se como raio bruto o fruto vemos vedado noutro paraíso dado veremos o bento Fruto

Em nossos corações entre seu amor, pois é razão, seja meu de coração, o que foi do vosso ventre

De Jericó melhor Rosa, puro, e cândido Jasmim, quereis vós, que seja assim ó clemente, ó piedosa.

Tenhamos esta alegria, esta doçura tenhamos, pois que tanta em vós achamos, ó doce Virgem Maria

Pois quem mais pode, sois vós, chegando a Deus a pedir para melhor vos ouvir, pedi, e rogai por nós.


Que então os favores seus muito melhor seguramos, pois que neles empenhamos a Santa Madre de Deus.


Fazei-nos sempres benignos entre deste mundo os sustos para que sejamos justos para que sejamos dignos

E se nos concedeis isto, que vos pede o nosso rogo mui dignos nos fareis logo ser das promessas de Cristo

Seja pois, divina luz, melhor Estrela, assim seja para que por nós se veja Vosso amparo. Amém Jesus


A N. SENHORA DA MADRE DE DEOS INDO LÁ O POETA


Venho, Madre de Deus, ao Vosso monte E reverente em vosso altar sagrado, Vendo o Menino em berço argenteado O sol vejo nascer desse Horizonte.


Oh quanto o verdadeiro Faetonte Lusbel, e seu exército danado Se irrita, de que um braço limitado Exceda na soltura a Alcidemonte.


Quem vossa devoção não enriquece?
A virtude, Senhora. é muito rica, E a virtude sem vós tudo empobrece.


Não me espanto, que quem vos sacrifica Essa hóstia do altar, que vos ofrece, Que vós o enriqueçais, se a vós a aplica.



AO MENINO JESUS DE N. SENHORA DAS MARAVILHAS, A QUEM INFIÉIS DESPEDAÇARAM ACHANDO-SE A PARTE DO PEYTO.


Entre as partes do todo a melhor parte Foi a parte, em que Deus pôs o amor todo Se na parte do peito o quis pôr todo O peito foi foi do todo a melhor parte.


Parta-se pois de Deus o corpo em parte, Que a parte, em que Deus ficou o amor todo Por mais partes, que façam deste todo De todo fica intacta essa só parte.


O peito já foi parte entre as do todo, Que tudo mais rasgaram parte a parte;
Hoje partem-se as partes deste todo

Sem que do peito todo rasguem parte, Que lá quis dar por partes o amor todo, E agora o quis dar todo nesta parte.




AO BRAÇO DO MESMO MENINO JESUS QUANDO APPARECEO.


O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo.


Em todo o sacramento está Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em partes todo Assiste cada parte em sua parte.


Não se sabendo parte deste todo, Um braço, que lhe acharam, sendo parte, Nos disse as partes todas deste todo.



AO MENINO JESUS DO COADJUTOR DE S. ANTÔNIO QUE
SENDO ANTIGO HE MUYTO BELLO.


Oh, quanta divindade, oh quanra graça, Menino, em vosso vulto sacro, e belo Infunde a mão de tal gentil modelo, Inspira o Autor de tão divina traça!



Se o tempo aos mais vultos desengraça Na vossa Imagem não deslustra um pêlo:
Reverente o tratou com tal desvelo, Que o que eleva menino, velho embaça.



Quanto a idade usurpa de beleza Nos que somos mortais, paga em respeito, Venerações, que atrai a antiguidade.


Mas de vossa escultura a gentileza Tem trocado do tempo o edaz efeito Venera-se a beleza, ama-se a idade.




A N. SENHOR JESUS CHRISTO COM ACTOS DE ARREPENDIDO
E SUSPIROS DE AMOR.


Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade, É verdade, meu Deus, que hei delinqüido, Delinqüido vos tenho, e ofendido, Ofendido vos tem minha maldade.



Maldade, que encaminha à vaidade, Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido, Arrependido a tanta enormidade.



Arrependido estou de coração, De coração vos busco, dai-me os braços, Abraços, que me rendem vossa luz.



Luz, que claro me mostra a salvação, A salvação pertendo em tais abraços, Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.


A CHRISTO S. N. CRUCIFICADO ESTANDO O POETA NA
ÚLTIMA HORA DE SUA VIDA

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro, Em cuja lei protesto viver, Em cuja santa lei hei de morrer Animoso, constante, firme, e inteiro.



Neste lance, por ser o derradeiro, Pois vejo a minh vida anoitecer, É, meu Jesus, a hora de se ver A brandura de um Pai manso Cordeiro.



Mui grande é vosso amor, e meu delito, Porém pode ter fim todo o pecar, E não o vosso amor, que é infinito.



Esta razão me obriga a confiar, Que por mais que pequei, neste conflito Espero em vosso amor de me salvar.





AO MESMO ASSUMPTO E NA MESMA OCCASIÃO.


Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa piedade me despido, Porque quanto mais tenho delinqüido, Vos tenho a perdoar mais empenhado.


Se basta a vos irar tanto um pecado, A abrandar-nos sobeja um só gemido, Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado.



Se uma ovelha perdida, e já cobrada Glória tal, e prazer tão repentino vos deu, como afirmais na Sacra História:



Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glória.



AO SANCTISSIMO SACRAMENTO ESTANDO PARA COMUNGAR.


Tremendo chego, meu Deus Ante vossa divindade, que a fé é muito animosa, mas a culpa mui cobarde.
À vossa mesa divina como poderei chegar-me, se é triaga da virtude e veneno da maldade?
Como comerei de um pão, que me dais, porque me salve? um pão, que a todos dá vida, e a mim temo, que me mate.
Como não hei de ter medo de um pão, que tão formidável vendo, que estais todo em tudo, e estais todo em qualquer parte?
Quanto a que o sangue vos beba, isso não, e perdoai-me:
como quem tanto vos ama, há de beber-vos o sangue?
Beber o sangue do amigo é sinal de inimizade;
pois como quereis, que o beba, para confirmarmos pazes?
Senhor, eu não vos entendo;
vossos preceitos são graves, vossos juízos são fundos, vossa idéia inescrutável.
Eu confuso neste caso entre tais perplexidades de salvar-me, ou de perder-me, só sei, que importa salvar-me.
Oh se me déreis tal graça, que tenho culpas a mares, me virá salvar na tábua de auxílios tão eficazes!
E pois já à mesa cheguei, onde é força alimentar-me deste manjar, de que os Anjos fazem seus prórios manjares:
Os Anjos, meu Deus, vos louvem, que os vossos arcanos sabem, e os Santos todos da glória, que, o que vos devem, vos paguem.
Louve-vos minha rudeza, por mais que sois inefável, porque se os brutos vos louvam, será a rudeza bastante.
Todos os brutos vos louvam, troncos, penhas, montes, vales, e pois vos louva o sensível, louve-vos o vegetável.



ACTO DE CONTRIÇÃO O QUE FÊZ DEPOIS DE SE CONFESSAR.


Meu amado Redentor, Jesu Cristo soberano Divino Homem, Deus Humano, da terra, Deus criador:
por seres, quem sois, Senhor, e porque muito vos quero, me pesa com rigor fero de vos haver ofendido, do que agora arrependido, meu Deus, o perdão espero.


Bem sei, meu Pai soberano, que na obstinação sobejo corri sem temor, nem pejo pelos caminhos do engano:
bem sei também, que o meu dano muito vos tem agravado, porém venho confiado em vossa graça, e amor, que também sei, é maior, Senhor, do que meu pecado.



Bem não vos amo, confesso, várias juras cometi, missa inteira nunca ouvi, a meus Pais não obedeço:
matar alguns apeteço, luxurioso pequei, bens do próximo furtei, falsos levantei às claras, desejei mulheres raras, cousas de outrem cobicei.



Para lavar culpas tantas, e ofensas, Senhor,tão feias são fortes de graça cheias essas chagas sacrossantas: sobre mim venham as santas correntes do vosso lado;
para que fique lavado, e limpo nessas correntes, comunica-me as enchentes da graça, meu Deus amado.



Assim, meu Pai, há de ser, e proponho, meu Senhor, com vossa graça, e amor nunca mais vos ofender:
prometo permanecer em vosso amor firmemente, para que mais nunca intente ofensas contra meu Deus, a quem os sentidos meus ofereço humildemente.



Humilhado desta sorte, meu Deus do meu coração, vos peço ansioso o perdão por vossa paixão, e morte:
à minha alma em ânsia forte perdão vossas chagas dêem, e com o perdão também espero o prêmio dos Céus, não pelos méritos meus, mas do vosso sangue: amém.



A HUMAS CANTIGAS, QUE COSTUMAVAM CANTAR OS CHULOS
NAQUELLE TEMPO:'BANGUÉ, QUE SERÁ DE TI?" E OUTROS
MAIS PIEDOSOS CANTAVÃO: "MEU DEOS, QUE SERÁ DE MIM?"
O QUE O POETA GLOZOU ENTRE A ALMA CHRISTÃ RESISTlNDO
ÀS TENTAÇÕES DIABOLICAS.
MOTE
Meu Deus, que será de mim?
Bangüê, que será de ti?

Alma Se o descuido do futuro, e a lembrança do presente é em mim tão continente, como do mundo murmuro?
Será, porque não procuro temer do princípio o fim?
Será, porque sigo assim cegamente o meu pecado?
mas se me vir condenado, Meu Deus, que será de mim?


Demônio Se não segues meus enganos, e meus deleites não segues, temo, que nunca sossegues no florido dos teus anos:
vê, como vivem ufanos os descuidados de si;
canta, baila, folga, e ri, pois os que não se alegraram. dous infernos militaram.
Bangüê, que será de ti?


Alma Se para o céu me criastes, Meu Deus, à imagem vossa, como é possível, que possa fugir-vos, pois me buscastes:
e se para mim tratastes o melhor remédio, e fim, eu como ingrato Caim deste bem tão esquecido tenho-vos tão ofendido:
Meu Deus, que será de mim?


Demônio Todo o cantar alivia, e todo o folgar alegra toda a branca, parda e negra tem sua hora de folia:
só tu na melancolia tens alívio? canta aqui, e torna a cantar ali, que desse modo o praticam, os que alegres pronosticam, Bangüê, que será de ti?


Alma Eu para vós ofensor, vós para mim ofendido?
eu já de vós esquecido, e vós de mim redentor?
ai como sinto, Senhor, de tão mau princípio o fim:
se não me valeis assim, como àquele, que na cruz feristes com vossa luz, Meu Deus, que será de mim?


Demônio Como assim na flor dos anos colhes o fruto amargoso?
não vês, que todo o penoso é causa de muitos danos?
deixa, deixa desenganos, segue os deleites, que aqui te ofereço: porque ali os mais, que cantando vão, dizem na triste canção, Bangüê que será de ti?


Alma Quem vos ofendeu, Senhor?
Uma criatura vossa?
como é possível, que eu possa ofender meu Criador?
triste de mim pecador, se a glória, que dais sem fim perdida num serafim se perder em mim também!
Se eu perder tamanho bem, Meu Deus, que será de mim?


Demônio Se a tua culpa merece do teu Deus a esquivança a folga no mundo, e descansa, que o arrepender aborrece:
se o pecado te entristece, como já em outros vi, te prometo desde aqui, que os mais da tua facção, e tu no inferno dirão, Bangüê, que será de ti?



AO MISTERIOSO EPÍLOGFOLOGO DOS INSTRUUMENTOS DA PAYXAO
RECOPILADO NA FLOR DO MARACUJÁ.


Divina flor, se en essa pompa vana Los martirios ostentas reverente, Corona con los clavos a tu frente, Pues brillas con las llagas tan losana.



Venera essa corona altiva, y ufana, Y en tus garbos te ostenta floreciente:
Los clavos enarbola eternamente, Pues Dios com sus heridas se te hermana.



Si flor nasciste para mas pomposa Desvanecer floridos crescimientos Ya, flor, te reconocen mas dichosa.



Que el cielo te ha gravado en dos tormentos En clavos la corona mas gloriosa, Y en llagas sublimados luzimientos.


RENDE-SE A PESSOA DE BERNARDO VIEYRA RAVASCO?
NESTE SONETO, PELOS MESMOS CONSOANTES DE OUTRO FEITO À FLOR
DO MARACUJÁ PARA CONSTAR DO DITO QUE ERAM ESTAS
RESPOSTAS DO NOSSO POETA.


Ya rendida, y prostrada mas que vana A vuestros pies mi Musa reverente Por coronar com ellos a su frente Del suelo sube al cielo mas losana.



Por convencido ostenta gloria ufana, Que tiene por corona floreciente El quedar-se rendida eternamente, Porque humilhada al triumpho se germana.



Rendimiento fiel haze pomposa, Que en beber los castalios crescimientos Se adquire la ventura mas dichosa.



A que Phenix nos causa mil tormentos Ver, que triumpha humilhada, y tan gloriosa Por ser rendida a vuestro luzimiento.




AFIRMA QUE A FORTUNA, E O FADO NÃO É OUTRA
COUSA MAIS QUE A PROVIDENCIA DIVINA.

Isto, que ouço chamar por todo o mundo Fortuna, de uns cruel, d'outros impia, É no rigor da boa teologia Providência de Deus alto, e profundo.



Vai-se com temporal a Nau ao fundo carregada de rica mercancia, Queixa-se da Fortuna, que a envia, E eu sei, que a submergiu Deus iracundo.



Mas se faz tudo a alta Providência De Deus, como reparte justamente À culpa bens, e males à inocência?



Não sou tão perspicaz, nem tão ciente, Que explique arcanos d'alta Inteligência, Só vos lembro, que é Deus o providente.



NO SERMÃO QUE PREGOU NA MADRE DE DEOS D. JOÃO FRANCO
DE OLIVEYRA PONDERA O POETA A FRAGILIDADE HUMANA.

Na oração, que desaterra....................................................aterra Quer Deus, que, a quem está o cuidado...............................dado Pregue, que a vida é emprestado.........................................estado Mistérios mil, que desenterra...............................................enterra.



Quem não cuida de si, que é terra........................................erra Que o alto Rei por afamado..................................................amado, E quem lhe assiste ao desvelado .........................................lado Da morte ao ar não desaferra................................................aferra.



Quem do mundo a mortal loucura..........................................cura, A vontade de Deus sagrada..................................................agrada, Firmar-lhe a vida em atadura.................................................dura.



Ó voz zelosa, que dobrada....................................................brada, Já sei, que a flor da formosura...............................................usura Será no fim desta jornada......................................................nada.



CONTINUA O POETA COM ESTE ADMIRAVEL A QUARTA FEYRA DE CINZAS.


Que és terra Homem, e em terra hás de tornar-te, Te lembra hoje Deus por sua Igreja, De pó te faz espelho, em que se veja A vil matéria, de que quis formar-te.


Lembra-te Deus, que és pó para humilhar-te, E como o teu baixel sempre fraqueja Nos mares da vaidade, onde peleja, Te põe à vista a terra, onde salvar-te.



Alerta, alerta pois, que o vento berra, E se assopra a vaidade, e incha o pano, Na proa a terra tens, amaina, e ferra.



Todo o lenho mortal, baixel humano Se busca a salvação, tome hoje terra, Que a terra de hoje é porto soberano.



CONSIDERA O POETA ANTES DE CONFESSAR-SE NA ESTREYTA
CONTA, E VIDA RELAXADA.


Ai de mim! Se neste intento, e costume de pecar a morte me embaraçar o salvar-me, como intento?
que mau caminho freqüento para tão estreita conta;
oh que pena, e oh que afronta será, quando ouvir dizer:
vai, maldito, a padecer, onde Lucifer te aponta.


Valha-me Deus, que será desta minha triste vida, que assim mal logro perdida, onde, Senhor, parará?
que conta se me fará lá no fim, onde se apura o mal, que sempre em mim dura, o bem, que nunca abracei, os gozos, que desprezei, por uma eterna amargura.



Que desculpa posso dar, quando ao tremendo juízo for levado de improviso, e o demônio me acusar?
Como me hei de desculpar sem remédio, e sem ventura, se for para aonde dura o tormento eternamente, ao que morre impenitente sem confissão, nem fé pura.



Nome tenho de cristão, e vivo brutualmente, comunico a tanta gente sem ter, quem me dê a mão:
Deus me chama co perdão por auxílios, e conselhos, eu ponho-me de joelhos e mostro-me arrependido;
mas como tudo é fingido, não me valem aparelhos.



Sempre que vou confessar-me, digo, que deixo o pecado;
porém torno ao mau estado, em que é certo o condenar-me:
mas lá está quem há de dar-me o pago do proceder:
pagarei num vivo arder de tormentos repetidos sacrilégios cometidos contra quem me deu o ser.
Mas se tenho tempo agora, e Deus me quer perdoar, que lhe hei de mais esperar, para quando? ou em qual hora?
que será, quando traidora a morte me acometer, e então lugar não tiver de deixar a ocasião, na extrema condenação me hei de vir a subverter.

AO DIA DO JUIZO.

O alegre do dia entristecido, O silêncio da noite perturbado O resplandor do sol todo eclipsado, E o luzente da lua desmentido!



Rompa todo o criado em um gemido, Que é de ti mundo? onde tens parado?
Se tudo neste instante está acabado, Tanto importa o não ser, como haver sido.



Soa a trombeta da maior altura, A que a vivos, e mortos traz o aviso Da desventura de uns, d'outros ventura.



Acabe o mundo, porque é já preciso, Erga-se o morto, deixe a sepultura, Porque é chegado o dia do juízo.


A CONCEYÇÃO IMMACULADA DE MARIA SANTISSIMA.

Para Mãe, para Esposa, Templo, e Filha Decretou a Santíssima Trindade Lá da sua profunda eternidade A Maria, a quem fez com maravilha.


E como esta na graça tanto brilha, No cristal de tão pura claridade A segunda Pessoa humanidade Pela culpa de Adão tomar se humilha


Para que foi aceita a tal Menina?
Para emblema do Amor, obra piedosa Do Padre, Filho, e Pomba essência trina:



É logo conseqüência esta forçosa, Que Estrela, que fez Deus tão cristalina Nem por sombras da sombra a mancha goza.



A CONCEYÇÃO IMMACULADA DE MARIA SANTISSINA


Como na cova tenebrosa, e escura, A quem abriu o Original pecado, Se o próprio Deus a mão vos tinha dado;
Podíeis vós cair, ó virgem pura?



Nem Deus, que o bem das almas só procura, De todo vendo o mundo arruinado, Permitira a desgraça haver entrado, Donde havia sair nova ventura.


Nasce a rosa de espinhos coroada Mas se é pelos espinhos assistida, Não é pelos espinhos magoada.



Bela Rosa, ó virgem esclarecida!
Se entre a culpa se vê, fostes criada, Pela culpa não fosse ofendida.




AO MESMO ASSUMPTO.

Antes de ser fabricada do mundo a máquina digna, já lá na mente divina, Senhora, estáveis formada:
com que sendo vós criada então, e depois nascida (como é cousa bem sabida)
não podíeis, (se esta sois)
na culpa, que foi depois, nascer, Virgem, comprendida


Entre os nascidos só vós por privilégio na vida fostes, Senhora, nascida isenta da culpa atroz:
mas se Deus (sabemos nós)
que pode tudo, o que quer, e vos chegou a eleger para Mãe sua tão alta, impureza, mancha, ou falta nunca em vós podia haver.



Louvem-vos os serafins, que nessa Glória vos vêem, e todo o mundo também por todos os fins dos fins:
Potestades, querubins, e enfim toda a criatura, que em louvar-vos mais se apura, confessem, como é razão, que foi vossa conceição sacra, rara, limpa, e pura.



0 Céu para coroar-vos estrelas vos oferece, o sol de luzes vos tece a gala, com que trajar-vos:
a lua para calçar-vos dedica o seu arrebol, e consagra o seu farol, porque veja o mundo todo, que brilham mais deste modo Céu. estrelas, lua, e sol.

A N. SENHORA DO ROSARIO.

A Rainha celestial, venceu o seu contrário, nosso pobre cabedal hoje do Santo Rosário lhe faz um arco triunfal.



O arco é de paz, e guerra, com que sempre há de triunfar, e tal virtude em si encerra, que por ele hei de chegar ao alto céu desde a terra.



Este é o arco dos céus, que sobre as nuvens se vê, dado para nós por Deus, por cujo meio com fé teremos grandes troféus.



Porque o rosário rezado quando a alma em graça está, é sinal, que Deus tem dado, de que não me afogará no dilúvio do pecado.


Este é o arco triunfal, por onde a alma gloriosa livre do corpo mortal vai aos céus a ser esposa do Príncipe celestial.



Tem o homem seu contrário dentro em sua mesma terra, que lhe vence de Ordinário, e a Virgem por esta guerra dá-lhes as contas do Rosário.



Esta é boa artilharia para o justo, e pecador, tirai a alma em pontaria co fogo do vosso amor, e co'as balas de Maria.



Toda alma, que fizer conta de si, e sua salvação, ouça, o que a Virgem lhe aponta:
suba, que em sua oração será degrau cada conta.


AS LAGRIMAS QUE SE DIZ, CHOROU N. SENHORA DE MONSARRATE.
Temor de um dano, de uma oferta indício Pronta em divina Origem desatado, Que tendo por horrível ao pecado Sois a Deus agradável sacrifício.



Esperança da fé, terror do vício, Enigma em dois assuntos decifrado, Que pareceis castigo ameaçado E sois executado benefício.



Duas cousas qualquer delas possível Tendes, ó pranto, para ser forçoso, e envolveis o prodígio para crível.



Tendo um motivo ingrato, outro piedoso, Um na minha dureza aborrecível, Outro no vosso amparo generoso.




A S. FRANCISCO TOMANDO O POETA O HABITO DE TERCEYRO.

Ó magno serafim, que a Deus voaste Com asas de humildade, e paciência, E absorto já nessa divina essência Logras o eterno bem, a que aspiraste:



Pois o caminho aberto nos deixaste, Para alcançar de Deus também clemência Na ordem singular de penitência Destes Filhos Terceiros, que criaste.



A Filhos, como Pai, olha queridos, E intercede por nós, Francisco Santo, Para que te sigamos, e imitemos.



E assim desse teu hábito vestidos Na terra blasonemos de bem tanto, E depois para o Céu juntos voemos.




AO GLORIOSO PORTUGUEZ SANTO ANTONIO

MOTE


Deus, que é vosso amigo d'alma, na palma se vos vem pôr, para mostrar, que de amor só vós levastes a palma.


Quando o livrinho perdestes lá na mata do botão, Antônio, grande aflição dentro em vossa alma tivestes:
e se da dor, que vencestes levastes vitória, e palma, bem se colhe, que em tal calma tal dor, e tal agonia só aliviar-vos podia Deus, que é vosso amigo d'alma.



Fez-vos Deus nessa ocasião visita bem lisonjeira, e por não puxar cadeira, se sentou na vossa mão:
foi larga a conversação, que o assunto foi de amor, e porque um Frade menor, (sendo menor que o Menino)
era de tal palma digno, Na palma se vos vem pôr.



Convosco o Menino então um jogo, Antônio, jogou:
ele a palma vos ganhou, mas vós ganhastes por mão:
não jogou entonces não com o seu Servo o Senhor para mostrar, que o favor nasceu da ociosidade, senão por mais majestade Para mostrar, que de amor.


Mostrou, que em quererdes bem a um Deus, a quem imitastes, não só premissas pagastes, mas os dízimos também:
e por deixar em refém deste amor a mais pura alma, pois todas deixais em calma, cantam os coros celestes, que porque a palma a Deus destes Só vos levastes a palma.


AO MESMO ASSUMPTO.

MOTE


Qual dos dois terá mor gosto, Antônio em braços com Cristo, ou Cristo em seus braços posto?


Gosta Cristo de mostrar que é de Antônio amante fino, por isso se faz menino, para em seus braços estar:
mas quem poderá falar, quando está de rosto a rosto Cristo com Antônio posto, Antônio com Cristo em braços em tão amorosos laços Qual dos dois terá mor gosto?



Mas sendo Cristo o que vem para em seus braços se ver, com razão se há de dizer, que Cristo mor gosto tem:
mas se ainda houver alguém, que duvide assim ser isto, em seus braços bem se há visto Cristo, porque quis mostrar, que somente pode estar Antônio em braços com Cristo.



Foi tão raro, e peregrino este Santo Lusitano, que mereceu, sendo humano, adorações de divino:
finalmente foi tão digno de excelências, que em seu rosto realça de Cristo o gosto:
pois onde Cristo estiver, logo Antônio se há de ver, Ou Cristo em seus braços posto.


AO MESMO QUE LHE DERAM A GLOZAR.
MOTE Bêbado está Santo Antônio Entrou um bêbado um dia pelo templo sacrossanto do nosso Português Santo, e para o Santo investia:
a gente, que ali assistia, cuidando, tinha o demônio, lhe acudiu a tempo idôneo, gritando-lhe todos, tá, tem mão, olha, que acolá, Bêbado, está Santo Antônio.


A CANONIZAÇÃO DO BEATO STANISLAO KOSCA.

Na conceição o sangue esclarecido, No nascimento a graça, consumada, Na vida a perfeição mais regulada, E na morte o triunfo mais devido.



O sangue mal na Europa competido, A graça nas ações sempre admirada, A profissão no breve confirmada, O triunfo no eterno merecido.



Tudo se vincula ao ser profundo De Estanislau, que a glória do seu norte Foi ser portento ao céu, prodígio ao mundo.



Por isso teve a fama de tal sorte, Que o fazem nela unidos sem segundo Conceição, Nascimento, Vida, e Morte.




SOLILOQUIO DE Me. VIOLANTE DO CEO AO DIVINISSIMO
SACRAMENTO: GLOZADO PELO POETA, PARA TESTEMUNHO DE SUA DEVOÇÃO, E CREDITO
DA VENERAVEL RELIGIOSA.

MOTE

Soberano Rei da Glória, que nesse doce sustento sendo todo entendimento quisestes ficar memória.

Numa cruz vos exaltastes, meu Deus, para padecer, e nas ânsias de morrer ao Eterno Pai clamastes:
sangue com água brotastes do lado para memória, e como consta da História, quisestes morrer constante por serdes tão fino amante, Soberano Rei da Glória.



Se na glória, em que reinais, amante vos concedeis bem mostrais, no que fazeis, que extremosamente amais:
mas se em pão vos disfarçais, dando-vos por alimento, pergunta o entendimento, onde assistis com mais luz?
mas direis, doce Jesus Que nesse doce sustento.



Sabendo enfim, que morríeis, amante vos entregastes, e no Horto, quando orastes ânsias de morte sentíeis:
já, divino Amor, sabíeis, da vossa morte o tormento, e já desde o nascimento todo o saber comprendestes, porque, Senhor, já nascestes Sendo todo entendimento.



Vivas lembranças deixastes da vossa morte, Senhor, e para maior amor mesmo em lembrança ficastes:
numa ceia apresentastes vosso corpo em tanta glória, que para contar a história da vossa morte, e tormento, no divino Sacramento Quisestes ficar memória.


MOTE

Sol, que estando abreviado nesse cândido Oriente, abonais o mais ardente, ostentando o mais nevado.


Sendo Sol, que dominais dos céus a máquina fera, em tão limitada esfera, como esse Sol ostentais?
creio, que a entender nos dais, meu Redentor extremado, que em lugar tão limitado só o amor caber se atreve como num círculo breve Sol, que estando abreviado


Bem nesse lugar tão breve vemos com tanto arrebol abrasar-se tanto sol nos epiciclos da neve:
muito a vosso amor se deve, pois como Sol no nascente pelo cristal transparente divinamente ilustrais, e todo vos abrasais Nesse cândido Oriente.



Todo neve na brancura, todo sol, no que brilhais, como sol nos abrasais, sendo neve na frescura:
mas tanto o divino apura no cristal o transparente, que ali fazendo patente o quanto estais empenhado, de fino amor abrasado Abonais o mais ardente.



Nascem desempenhos tais desses divinos primores, que em requintados amores todo a nós nos dedicais:
mas bem que vos empenhais, vejo-vos mui bem trajado nessa gala de encarnado, que tomastes de Maria, agora por bizarria Ostentando o mais nevado.


MOTE
Emblema de amor mais puro, enigna de amor mais raro, que sendo à vista tão claro, sois também à vista escuro.


Depois de crucificado vos admirei, bom Senhor, fino retrato do amor, quando vos vi retratado:
então de um iluminado sanguinosamente escuro, se bem que estou mui seguro das finezas do Calvário, vos contemplei no sudário Emblema de amor mais puro


E suposto o pensamento se pasma do escuro enigma, mais o mistério sublima vendo-vos no Sacramento:
ali meu entendimento conhecendo-vos tão claro, melhor esforça o reparo de que estais tão luzido, quando melhor comprendido Enigma de amor mais raro

Que no Sacramento estais todo, e toda a divindade, conheço com realidade, suposto que o disfarçais:
para que vos ocultais nesse mistério tão raro, se a maravilha reparo, penetrando-vos atento, mais claroao entendimento, Que sendo à vista tão claro?




Que se de neve coberto fica o divino admirado, bem se pode um disfarçado conhecer melhor ao perto:
porém vós andais tão certo, e tanto em recatos puro, que se ver-vos me asseguro nesse disfarce, em que andais, inda que patente estais, Sois também à vista escuro.


MOTE

Agora que entre candores a vosso amor dais a palma, escutai, Senhor, uma alma, que por vós morre de amores.


Todo amante, e todo digno vos veio estar neste trono, prestando ao amor de abono quilates do ardor mais fino:
porém, Senhor, se contino abrasado estais de amores, entre tantos resplandores, que por fineza ocultais, vede, que nos abrasais Agora, que entre candores.




De amor tão qualificado digo, ó cordeiro bendito, que vos aclame infinito tanto espírito elevado:
que eu vos não louvo ajustado, bem que supra afetos d'alma, pois meu amor nesta calma, sendo do vosso vencido, reconheço, que subido A vosso amor dais a palma.




Mas por amor tão subido ouvi, como tenro amante, este pecador constante, que se chega arrependido: seja de vós admitido o pranto, em que se desalma para crédito da palma, que dais a vossos amores, dos humildes pecadores Escutai, Senhor, uma alma.




Ouvi desta alma humilhada, Senhor, um fraco conceito, e é, que entreis em meu peito a fazer vossa morada:
achareis de boa entrada tormentos, ânsias, e dores, que deram os malfeitores em toda a vossa paixão, e vereis um coração, Que por vós morre de amores.


MOTE
Escutai vossos efeitos em grosseiras humildades que para vós as verdades têm mais valor, que os conceitos.



Já sei, meu Senhor, que vivo depois que em meu peito entrastes, porque logo me deixastes ardendo em um fogo ativo:
agora tenho motivo para melhorar conceitos, quando dos vossos respeitos palpita meu peito o ardor, e para ver vosso amor Escutai vossos efeitos


Mas se o infinito ardor pode atalhar, quanto diga, sempre o meu termo periga nas eloqüências de amor:
cale-se a língua melhor em tantas dificuldades, vos intenta ponderar, mil erros lhe haveis de achar Em grosseiras humildades.




Quem, Senhor, na confissão andara tão acertado, que do mais leve pecado soubera ter contrição:
que de todo o coração com assaz de realidades sentira essas propriedades confessando, o que mandais, pois sei, que não quereis mais Que para vós as verdades.




Bem advertido, Senhor, estou, que sois lince vós, e que penetrais em nós os movimentos de amor:
tanto conheceis a dor, que temos em nossos peitos, que sendo de amor efeitos os verdadeiros sinais, convosco verdades tais Têm mais valor, que os conceitos.


MOTE

Exercite os mais subidos, quem busca humanos agrados, que sempre são levantados, os que são de vós ouvidos.



Oh quem tivera empregados em vós, meu Amor divino, cuidados, que de contino se multiplicam cuidados:
fazei, que a vós levantados se acreditem de luzidos pensamentos, que abatidos seguem do mundo os enganos, e que deixando os humanos, Exercite os mais subidos.



Quem conquistando, Senhor, vosso amor, perdera a vida, porque a dá por bem perdida quem a perde em vosso amor!
Se eu, terníssimo Pastor, acudira a vossos brados, então sim, que os meus cuidados coroara de alta dita, já que fino se acredita Quem busca humanos agrados.



Porque aqueles, que vos amam, e em tais delícias se enlevam, o prêmio consigo levam, e filhos vossos se aclamam:
que como no amor se inflamam, os que são vossos amados, sendo já purificados por filhos do vosso amor, quem há de negar, Senhor, Que sempre são levantados?



Quem de contino a bradar por vós no maior rigor nas enchentes desse amor não acha de graça um mar?
quero com ânsias mostrar a dor, a pena, os gemidos;
pois sendo a vós repetidos, serão de vós bem lembrados, que são bem-aventurados Os que são de vós ouvidos.

MOTE

Ai Senhor, quem alcançara um bem tão alto, e divino, que de meus ais o contino a tais ouvidos chegara!

Ai meu Deus, quem merecera trazer-vos tão dentro d'alma, que abrasado em viva calma do vosso amor falecera!
Ai Senhor, quem padecera por vós, e só vos amara!
ai quem por vós desprezara tanta enganosa ruína, e vossa graça divina Ai Senhor, quem alcançara.



Ai quem fora tão ditoso, que soubera bem amar-vos, e na ação de conquistar-vos rejeitara o mais custoso!
quem, Senhor, tão sequioso todo amante, e todo fino elevara o seu destino a beber da fonte clara, que desta sorte lograra, Um bem tão alto, e divino.



Quem disposto a padecer por vós buscara os retiros.
onde com ais, e suspiros soubera por vós morrer!
quem sabendo comprender desse vosso amor o fino se elevara peregrino por um amor de tal porte, que me dera a melhor sorte, Que de meus ais o contino!



Só então fora feliz, e fora então venturoso, se conhecera ditoso, que meus suspiros ouvis:
se minha dor admitis, ditoso então me chamara;
oh se de uma dor tão rara ouvísseis um só gernido, e se um ai enternecido A tais ouvidos chegara!

MOTE
Porém justamente espera cada qual chegar-vos logo, porque a suspiros de fogo nunca nos negais esfera.



Esta alma, meu Redentor, que vos busca peregrina, por vossa grasa divina suspira em contlnua dor:
diz, e protesta, Senhor, que se mil vidas tivera, todas por vós as perdera, e não só não se embaraça no pedir da vossa graça, Porém justamente espera.



Espera, e não estranheis o confiar de um preverso, que pertende já converso, que a todos, Senhor, salveis:
peço-vos, que nos livreis desse dilúvio de fogo;
ouvi por todos meu rogo, inda que vos não compete, que todos juntos, promete Cada qual chegar-vos logo.



Porque se abrasado o peito vosso amor está chamando, não é muito, que chorando seja cada qual desfeito:
bem posso formar conceito desta causa, Senhor, logo, pois vós ouvistes meu rogo, e atendeis à minha mágoa, porque vós venceis com água Porque a suspiros de fogo.



Arde meu peito em calor, se bem estou anelando, quando me estou abrasando em tanto fogo de amor:
se se realça o ardor, que um peito amante verbera quem o favor não espera de tanto carinho ao rogo, se a chamas de ativo fogo Nunca vos negais esfera?



MOTE
Ai meu bem! ai meu Esposo!
ai Senhor Sacramentado!
que mal pode o disfarçado ocultar o poderoso.



Ai meu Deus, que já não sei vendo, que vos ausentais, dizer, como me deixais neste abismo, em que fiquei ai Senhor! e que farei para alcançar venturoso, o que por menos ditoso perdi, ou talvez de indigno:
ai meu Redentor divino!




Ai meu bem! ai meu Esposo Ai Senhor, que me deixais nesta dura soledade morto na realidade, bem que vivo me vejais:
mistérios de amor guardais, porque estais inda encerrado em dar-me a vida empenhado, e do vosso amor a palma:
ai amante da minha alma!
Ai Senhor Sacramentado!



Se nos disfarces metido roubar as almas quereis, que importa, vos disfarceis, ficando à vista o vestido?
mas de que (já conhecido pelo vestido encarnado)
vos importa o rebuçado:
pois conhecido o poder, tanta luz escurecer Que mal pode o disfarçado.




Diáfano, e transparente esse cristal puro, e fino com resguardar o divino declara o onipotente:
tanto nele permanente está sempre o majestoso, que então brilha mais lustroso pelas veias do cristal, e oculta instrumento tal Ocultar o poderoso.

MOTE
Ai que bem se deixa ver nessa Hóstia, Rei Supremo, que quanto é maior o extremo, tanto é maior o poder.


Cuidei que não permitisse vosso poder sublimado, que estando assim disfarçado, tão claramente vos visse:
mas porque bem arguísse, qual seja o vosso poder, breve cheguei a colher pelo cristal transparente, o que em vós como acidente Ai que bem se deixa ver!



Bendito seja, e louvado, pelo que tem de amoroso, um Deus, que é tão poderoso, um Senhor tão sublimado:
deixar de ser exaltado poder tão grande, não temo, pois se vê de extremo a extremo, que a grandeza, que se sabe cabendo em vós, toda cabe Nessa Hóstia, Rei Supremo.



Exaltada a Majestade seja de um Rei tão divino, e louvada de contino tão suprema divindade:
porque, Senhor, na verdade dessas profundezas temo, quando a razão, Rei Supremo, responde à minha rudeza (sobre o subir da grandeza)
Que quanto é maior o extremo.




E colhida a admiração no Sacramento está visto quando Pão, ser todo Cristo quando Cristo, todo Pão unido na Encarnação ao divino e humano ser e sendo imortal morrer um Deus, que tanto se humilha sendo grande a maravilha Tanto é maior o poder

MOTE
Porque, quem em pão se encerra Ser divino, e Ser humano, que muito que soberano fabricasse o céu, e a terra.



Se no pão vos disfarçais, por cobrir vossa grandeza, já do pão na natureza toda a grandeza expressais.
melhor no pão publicais o poder a toda a terra, pasme o mar, e trema a serra, e reconheça o percito, que o Pão é Deus infinito;
Porque quem em pão se encerra?



Neste Pão sacramentado, que dos Anjos é sustento, têm as almas grande alento por meio de um só bocado:
perdoa a todo o pecado por mais torpe, e desumano, e eu me confesso tirano, porque me não arrependo se estou no Pão conhecendo Ser divino, e ser humano.



Na Ceia se apresentou o Senhor com realidade, neste Pão da divindade, que a todos sacramentou:
se a cada um transformou, passando a divino o humano que muito, que o desumano pecador já convertido seja aos Anjos preferido?
Que muito, que soberano?



Quem assim o permitiu com tão alta onipotência, que o pó da suma indigência sobre as esferas subiu:
quem este pó preferiu à luz, que luzes desterra, que muito a contrária guerra pacifique aos elementos?
que muito, que a seus intentos Fabricasse o Céu, e a terra?

MOTE

Que muito, que vivo alento desse a um barro insensível um Deus, que lhe foi possível dar-se a si mesmo em sustento.


De um barro frágil, e vil, Senhor, o homem formastes, cuja obra exagerastes por engenhosa, e sutil:
graças vos dou mil a mil, pois em conhecido aumento tem meu ser o fundamento na razão, em que se estriba, se lhe infundis alma viva, Que muito, que vivo alento.




Depois de feita a escultura, e por um Deus acabada, obra não houve extremada como a humana criatura:
ali para mais ventura (sendo o barro assaz terrível)
alma lhe deu infalível, e me admira ver, que aquela alma, que ali fez tão bela Desse a um barro insensível.



Possível lhe foi fazer este Arquiteto divino participando do Trino aquela alma a seu prazer:
para mais se engrandecer engrandeceu o insensível, desatando-se passível daquele sagrado nó, que apertava três, e só Um Deus, que lhe foi possível.



Foi grandeza do poder aquele querer mostrar sendo divino encarnar para humano vir nascer:
e foi grandeza o morrer um Deus, que é todo portento;
e se bem no Sacramento se adverte grande fineza, de seu poder foi grandeza Dar-se a si mesmo em sustento.


MOTE

Ó divina Onipotência!
Ó divina Majestade!
que sendo Deus na verdade sois também Pão na aparência.


Já requintada a fineza Nesse Pão sacramentado temos, Senhor, ponderado vossa inaudita grandeza:
mas o que apura a pureza da vossa magnificência é, quererdes, que uma ausência não padeça, quem deixais, pois que partindo ficais, Ó divina Onipotência.


Permiti por vossa cruz, por vossa morte, e paixão, que entrem no meu coração os raios da vossa luz:
clementíssimo Jesus sol de imensa claridade, sem vós a mesma verdade, com que vos amo, periga;
guiai-me, porque vos siga, Ó divina Majestade.



Na verdade esclarecida do vosso trono celeste toda a potência terrestre de comprender-vos duvida:
porém na forma rendida de um cordeiro a Majestade aos olhos da humanidade melhor a potência informa, sendo cordeiro na forma, Que sendo Deus na verdade.




Cá neste trono de neve, onde humanado vos vejo, melhor aspira o desejo, melhor a vista se atreve:
aqui sabe, o que vos deve (vencendo a maior ciência)
amor, cuja alta potência adverte nesse distrito, que sendo Deus infinito, Sois também Pão na aparência.


MOTE
Ó Soberana Comida!
Ó maravilha excelente!
pois em vós é acidente, o que em mim eterna vida.


À mesa do Sacramento cheguei, e vendo a grandeza admirei tanta beleza, dei graças de tal portento:
com santo conhecimento só então folguci ter vida, pois vendo-a convosco unida na flama de tanta calma disse (recebendo-a n'alma)
Ó Soberana Comida!




Naquela mesa admirando anda a graça tanto a rodo, que dando-se a todos, todo vos estais comunicando:
e de tal modo exaltando vosso ser onipotente, que quando estais tão patente nessa nevada pastilha, vos louvam por maravilha, Ó maravilha excelente!




Como num excelso trono realmente verdadeiro, na Hóstia estais todo inteiro, Senhor, por maior abono:
se por ser das almas dono vos empenhais tão patente, hei de apelidar contente com a voz ao céu subida, que esse Pão me seja vida, Pois em vós é acidente.




Neste excesso do poder só podia o majestoso obrar ali de amoroso, o que chegou a emprender:
eu, que venho a merecer lograr a Deus por comida, tenho por cousa sabida neste excesso do Senhor serem delíquios do amor, O que em mim eterna vida.


MOTE

Ó poder sempre infinito, que o céu admira suspenso, pois se encerra um Deus imenso em tão pequeno distrito.


Três vezes grande, Senhor, o mesmo céu nos publica, e este louvor multiplica com repetido clamor:
não cessa o santo louvor, porque não cessando o grito de tanto elevado esprito, isso mesmo é propriedade, que defende a majestade O poder sempre infinito.



Quem chegar a compreender essa grande imensidade, há de pasmar na verdade reconhecido o poder:
porém eu hei de dizer, que nesse globo in extenso vejo aquele sol imenso, que tantos pasmos conduz, vejo aquela imensa luz, que o Céu admira suspenso.



Tal a meus olhos exposto vos vejo no Sacramento.
que supre esse entendimento os delírios do meu gosto:
porém se encobris o rosto, já desanimo suspenso, e vós sabeis por extenso da águia, que se vos aplica, qual se desmaia, e qual fica, Pois se encerra um Deus imenso.



Quando em partes dividido vos creio nas partes todo, e vos vejo em raro modo todo nas partes unido:
e de empenho tão subido a inteligência repito, pois me informa o infinito, que estar pode na verdade do Céu toda a majestade Em tão pequeno distrito.

MOTE

Com razão, divina neve, a vós se prostram coroas, pois inclue três pessoas a partícula mais breve.
Sol de justiça divino sois, Amor onipotente, porque estais continuamente no luzimento mais fino:
porém, Senhor, se o contino resplandecer se vos deve, fazendo um reparo breve desse sol no luzimento, sois sol, mas no Sacramento Com razão divina neve.



Só em vós, meu Redentor, S tanta grandeza se encerra:
porque dos céus, e da terra sois absoluto Senhor:
da terra o poder maior um tempo em ardentes loas humilharam três pessoas, prostrando-se ao vosso pé bem advertidos, de que A vós se prostram coroas.




Mas porém se o disfarçado não diminui o valor, como ocupais, meu Senhor, um lugar tão limitado? de maior porém penhado nos dais advertências boas;
mas convencendo as coroas, mostrais ao peito arrogante que esse lugar é bastante, Pois inclue três pessoas.




A maravilha maior, que causa o vosso portento, é, que estais no Sacramento todo em partes por amor:
porém se o maior valor ao mais humilde se deve, e so quem menos se atreve, esse voz goza, e vos prende, com razão vos compreende A partícula mais breve.

MOTE

Ora quereis doce Esposo, quereis, luz dos meus sentidos, que fiquemos sempre unidos em um vínculo amoroso?



Agora, Senhor, espero, que consintais, no que digo;
quereis vós ficar comigo, que eu partir convosco quero?
que o permitais considero fazendo-me a mim ditoso, pois vos prezais de amoroso:
já quero as entranhas dar-vos, e vede se assim tratar-vos, Ora quereis, doce Esposo.




Já, Senhor, seguir-vos posso, pois vosso amor me rendeu, ser todo vosso, e não meu, nada meu, e todo vosso:
permiti como Pai nosso, não andemos divididos, mas antes que muito unidos estejamos entre nós, porque eu já quero, o que vós Quereis, luz dos meus sentidos.




Façamos, Senhor, um laço entre nós tão apertado, que de vós mais apartado não possa mudar um passo:
porque com este embaraço andemos tão prevenidos, que não ousem meus sentidos sair de vossos cuidados, e de tal sorte ajustados, Que fiquemos sempre unidos.




Seja pois este querer-nos de tal sorte requintado, que fique todo admirado, quem assim chegar a ver-nos:
onde possa conhecer-nos o mundo de curioso me inveje pelo ditoso, vendo, que comigo amante vos ajustais mui constante em um vínculo amoroso
MOTE
Levantai minha humildade humilhai vossa grandeza, porque em vós seja fineza, o que em mim felicidade.



Não é minha voz ousada a pedir-vos mas prossigo, que quoirais estar comigo, inda que, Senhor, sou nada:
e se minha alma ilustrada quereis, que fique em verdade, pois que sem dificuldade me podeis engrandecer, ao auge do vosso ser Levantai minha humildade.




Tenho, Senhor, no sentido para duvidar de ousado, que mal pode o desairado pertender o esclarecido:
de minhas culpas tolhido na abominável torpeza, vendo em vós tanta beleza, mal posso, Senhor, chegar-vos, e para poder lograr-vos Humilhai vossa grandeza.




Fazei por mim, meu Senhor, tudo quanto possa ser, e pois tendes tal poder me podeis dar vosso amor:
uni o vosso valor com a minha singeleza, e fique a vossa grandeza unida, Senhor, comigo;
fazei isto, que vos digo, Porque em vós seja fineza.



Vosso corpo por inteiro introduzi no meu peito, porque assim ficarei feito um sacrário verdadeiro:
ostentai, manso cordeiro, com a minha indignidade vossa grande Majestade, suposto que o não mereça, porque traça em vós pareça O que em mim felicidade.

MOTE
Uni meu sujeito indigno a esse objeto soberano, fareis do divino humano, fareis do humano divino.



Mostrai, Senhor, a grandeza de tão imenso poder, unindo este baixo ser a tão suprema beleza:
uni, Senhor, com firmeza a este barro nada fino o vosso ser tão divino, ligai-vos comigo amante, convosco em laço constante Uni meu sujeito indigno.



Fazei, Senhor, com que fique desta união tal memória, que tão peregrina história a vosso amor se dedique:
justo será, que publique em seu pergaminho lhano vossa glória o peito humano, e que o mundo suspendido vejo um pecador unido A esse objeto soberano.




Como da vossa grandeza não há mais onde subir, será realce o vestir as túnicas da vileza:
muito o vosso amor se preza de abater o soberano;
serei eu o Publicano indigno do vosso amor:
vinde a meu peito, Senhor, Fareis do divino humano.




Fareis humanado em mim créditos à divindade, porque o vosso incêndio há de transformar-me em serafim: fareis deste barro enfim frágua de incêndio mais digno, fareis do grosseiro o fino, que isso é glória do saber e por timbre do poder Fareis do humano divino.

MOTE

Ai quem tal bem merecera!
que de vós não se apartara!
ai quem melhor vos amara!
ai quem só em vós vivera!

Ai quem bem considerara na glória só de vos ver, que abrasado em seu querer salamandra vos buscara!
ai quem tanto vos amara, que tudo por vós perdera!
ai quem por vós padecera!
ai quem já pudera ver-vos!
ai quem soubera queter-vos!
Ai quem tal bem merecera!




Quem bem convosco se unira, meu Senhor, e por tal arte, que juntos em qualquer parte um, e outro amor se vira! quem tanto bem conseguira, e quem tanto vos amara, que um instante não deixara de assistir-vos cuidadoso!
e quem fora tão ditoso Que de vós não se apartara!




Ai quem soubera adorar-vos de tal sorte, meu Senhor, que deixara o próprio amor nas pertendências de amar-vos!
quem, a alma querendo dar-vos, o coração não deixara, que desse modo lograra a glória, Senhor, de ver-vos!
ai quem soubera querer-vos!
Ai quem melhor vos amara!




Quem morto se imaginara nas glórias da humana vida!
vida em bonanças perdida, vida, que a morte prepara:
ai quem tão só vos buscara, que para o mundo morrera!
quem por ganhar-vos perdera todas as glórias do mundo! ai quem morrera ao imundo!
Ai quem só em vós vivera!

MOTE
Ai quem soubera querer-vos!
ai quem soubera agradar-vos!
ai quem soubera explicar-vos!
quanto anela o bem de ver-vos.



Quem fora tão fino amante, que mostrara a seu objeto bem nas entranhas do afeto prendas do amor palpitante:
quem nessa pira flamante purificara o temer-vos!
ai quem temera ofender-vos só por amor de agradar-vos!
ai quem soubera pagar-vos!
Ai quem soubera querer-vos!




Quem submergido na pena prantos a mares vertera, que outro Pedro parecera, ou qual outra Madalena!
mas se contudo é pequena para em justiça obrigar-vos ai quem no rumo de amar-vos, que de outro amor me desterra, fora cos olhos na terra!
Ai quem soubera agradar-vos!




Se a vossa divina mão, amantíssimo Pai nosso, (como a de Tomé o vosso)
palpara o meu coração:
ai que delícias então sentira a razão de amar-vos!
ai quem pudera mostrar-vos o fino do meu amor!
e as circunstâncias da dor Ai quem soubera explicar-vos!




Entrai, Senhor, no meu peito, onde ao ver-vos retratado causa sereis, meu amado, inseparável do efeito:
entrai, que sois bem aceito, pelo que sei já querer-vos, e se dentro chego a ter-vos desta minha indignidade haveis de ver na verdade, Quanto anela o bem de ver-vos.

MOTE
Mas se sois lince divino, que o mais oculto estais vendo:
se estais, luz minha, sabendo o mesmo, que eu imagino.



Bem sei, meu amado objeto, fazendo um breve conceito, que penetrais do meu peito o mais oculto, e secreto:
bem vê meu constante afeto da vossa potência o fino, porque neste vidro indigno raiando desse Oriente, se sois sol, não só persente, Mas se sois lince divino.




Deixo à parte haver gerado vosso justo entendimento os astros, o firmamento, e todo o demais criado:
e fico como elevado no poder, a que me rendo, admirando: porém vendo vossa grandeza, e poder, quando chego a comprender, Que o mais oculto estais vendo.



Quando isento o pensamento de toda a minha maldade, vós lá dessa imensidade vedes também meu intento:
se um oculto movimento patente, e claro estais vendo, fico por fé conhecendo desse poder penetrante, que não obsta estar distante, Se estais, luz minha, sabendo.




E posto encubrais o rosto no acidental Sacramento, mui bem vedes meu intento, pois a tudo estais exposto:
muda a língua, e fixo o gosto em vós, meu lince divino, já reconheço, que o fino deste arnor penetrareis, porque, Senhor, bem sabeis O mesmo, que eu imagino.

MOTE

Que importa, que meus cuidados não sejam bem referidos, se para serem sabidos não dependem de explicados.

Se todo a vós me dedico, quando todo a mim vos dais, porque vós em mim ficais, eu também em vós me fico:
vosso querer justifico, tendo em vós assegurados afetos tão requintados;
e se amor é compaixão, a culpa, meu coração, que importa? que? meus cuidados.




Deus amado, e Deus amante, oh quem trouxera ajustados seus amorosos cuidados, que sem vós nem um instante!
mas pois que o mundo inconstante perturba amantes sentidos, valham ardentes gemidos de afetos interiores pelo instante, em que os amores não sejam bem referidos.




Fazei, que eu logre a vitória de uns atrevidos cuidados, que quando quero explicados perturbam minha memória:
oh se me alcançara a glória de ter estes atrevidos na confissão oprimidos, onde não posso explicar, se os conduzo a castigar, Se para serem sabidos.




Sempre nesta explicação de meus cuidados secretos quero mostrar uns afetos de anelante coração:
vaidosa demonstração de amores mal informados que repetir meus cuidados é nescedade de amor, quando convosco, Senhor, Não dependem de explicados.

MOTE
Assim pois vós sabeis tudo ó diviníssimo objeto, valha-se só meu afeto de estilo, que fala mudo.

Nada, meu Senhor, vos digo, nada quisera dizer-vos, porque os atos de querer-vos, têm pelas vozes perigo:
tanto, Senhor, que comigo hei de acabar de ser mudo, e de tal maneira rudo, que quando me perguntares responderei (se escutares)
Assim, pois vós sabeis tudo.




Porém calar-me não quero, quero convosco explicar-me, vede, se quereis levar-me, onde louvar-vos espero:
porque se bem considero distante o golpe secreto, levando-me vós o afeto, de que servem meus sentidos prostrados, e desunidos, Ó diviníssimo objeto



Convosco meu ser se abraça, e não pareçam delírios procurar cândidos lírios da vossa divina graça:
pois neles a alma se enlaça, e convosco, amado objeto, diz, que quer ir em secreto purificar seu valor:
aqui do vosso favor Valha-se só meu afeto.



Finalmente os meus cuidados ordenai, Amor, de sorte, que aos círculos de seu norte correspondam empenhados:
meus sentidos desvelados com excesso sobreagudo vos venerem mais que tudo em finíssimos extremos:
porém, meu Senhor, mudemos De estilo, que fala mudo.
FIM


Crônica do Viver Baiano Seiscentista - Os homens bons, de Gregório de Matos
Fonte:
MATOS, Gregório de. Obra Poética. 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Record, 1992.

Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:
NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima
sejam mantidas.



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