Crônica do viver baiano seiscentista - cidade e seus pícaros - Ângela
Índice A CIDADE E SEUS PÍCAROS
OS SEUS DOCES EMPREGOS
VIO HUMA MANHÃA DE NATAL AS TRES IRMÃAS, A CUJAS VISTAS FEZ AS
SEGUINTES DÉCIMAS.
AO MESMO ASSUMPTO.
AO MESMO ASSUMPTO
PONDERA AGORA COM MAIS ATTENÇÃO A FORMOSURA DE D. ANGELA.
RETRATA O POETA AS PERFEIÇÕES DE SUA SENHORA A IMITAÇÃO DE OUTRO
SONETO QUE FEZ FELIPPE IV À HUMA DAMA SOMENTE COM TRADUZI-LO NA
LINGUA PORTUGUEZA
NO DIA EM QUE FAZIA ANNOS ESTA DIVINA BELLEZA; ESTE PORTENTO DE
FORMOSURA DONA ANGELA, POR QUEM O POETA SE CONSIDERAVA
AMOROSAMENTE PERDIDO, E QUASI SEM REMEDIO PELA GRANDE
IMPOSSIBILIDADE DE PODER LOGRAR SEUS AMORES: CELEBRA OBSEQUIOSA, E
PRIMOROSAMENTE SUAS FLORENTES PRIMAVERAS COM ESTA LINDISSIMA
CANÇÃO.
ROMPE O POETA COM A PRIMEYRA IMPACIENCIA QUERENDO DECLARAR-SE E
TEMENDO PERDER POR OUZADO.
SEGUNDA IMPACIENCIA DO POETA.
FALLA O POETA COM SUA ESPERANÇA.
AUSENTE O POETA DAQUELLA CASA, FALLECEO D. THEREZA HUA DAS IRMÃS, E
COM ESTA NOTICIA SE ACHOU O POETA COM VASCO DE SOUZA A PEZAMES, ONDE FEZ O PRESENTE SONETO.
EPITAFIO À MESMA BELLEZA SEPULTADA.
LIZONGEA O POETA A VASCO DE SOUZA FAZENDO EM SEU NOME ESTA
LACRIMIMOSA NENIA.
LIZONGEA OS SENTIMENTOS DE DONA VICTORIA COM ESTE SONETO FEYTO EM
SEU NOME.
LIZONGEA O SENTIMENTO DE FRANCISCO MONIZ DE SOUZA SEU IRMÃO
FAZENDO EM SEU NOME ESTE SONETO.
PERTENDE O POETA CONSOLAR O EXCESSIVO SENTIMENTO DE VASCO DE
SOUZA COM ESTE SONETO
A VISTA DO EXCESSO DE VASCO DE SOUZA PONDERA O POETA,QUE O
VERDADEYRO AMOR, AINDA TIRADA A CAUSA NÃO CESSA NOS EFFEYTOS, CONTRA A REGRA DE ARISTOTELES.
LINZONGEA FINALMENTE O POETA COM ESTAS MORALIDADES TRISTES DE
HUMA VIDA FLORECENTE PELAS FRIAS VOCES DAQUELLA SEPULTADA BELLEZA
SUA FORMOSAS IRMÃAS, AVIVANDOLHE OS MOTIVOS DA DOR.
DESTA VEZ SE DEIXOU O POETA ESQUECER NAQUELLA CASA, ESPERANDO
OCCASIÃO DE DECLARAR SE, E SEMPRE SE ACOBARDOU A VISTA DA CAUSA, SEMPRE EM LUTAS COM O AMOR, E RESPEYTO.
ADMIRAVEL EXPRESSÃO QUE FAZ O POETA DE SEU ATIENCIOSO SILENCIO.
TERCEIRA IMPACIENCIA DOS DESFAVORES DE SUA SENHORA.
ENCARECE O POETA A GRAÇA E A BIZARRIA COM QUE SUA SENHORA
DESEMBARCOU A SEUS OLHOS E FOY LEVADA POR QUATRO ESCRAVOS.
OUTRA VEZ O ASSALTÃO NOVOS PENSAMENTOS DE DECLARAR-SE, E TEMER.
A VISTA DE HUM PENHASCO QUE VERTENDO FRIGIDISSIMAS AGUAS LHE
CHAMÃO NO CAIPPE A FONTE DO PARAIZO, IMAGINA AGORA O POETA MENOS
TOLERAVEL A SUA DISSIMULAÇÃO.
COM O EXEMPLO DO LACRIMOSO PENHASCO ENTRA A SUSPIRAR, FAZ PAUSA, E
RESOLVE ULTIMAMENTE A PROSEGUIR, RESGATANDO O SILENCIO A NOBREZA DA
CAUSA.
EM CONTRAPOSIÇÃO DO QUE RESOLVEO, SE ENTREGA O POETA NOVAMENTE
AO SILENCIO, RESPEYTANDO, A QUE OS SUSPIROS POSTO QUE CONSOLÃO, NÃO
ALLIVIÃO POR MENOS NOBRES.
PORFIA O POETA EM LOUVAR SEU NECESSARIO SIIENCIO, COMO QUEM FAZ
VIRTUDE DA NECESSIDADE.
PERTENDE AGORA PERSUADIR A HUM RIBEYRINHO A QUE NÃO CORRA, TEMENDO, QUE SE PERCA: QUE HE MUY PROPRIO DE HUM LOUCO ENAMORADO
QUERER QUE TODOS SIGAM O SEU GAPRICHO. E RESOLVE A COBIÇARLHE A
LIBERDADE.
SOLITARIO EM SEU MESMO QUARTO A VISTA DA LUZ DO CANDIEYRO PORFIA O
POETA ENSAMENTEAR EXEMPLOS DE SEU AMOR NA BARBOLETA.
RATIFICA SUA FIDALGA RESOLUÇÃO TIRANDO DENTRE SALAMANDRA E
BARBOLETA O MAIS SEGURO DOCUMENTO PARA BEM AMAR.
AO RIO DE CAIPPE RECORRE QUEYXOSO O POETA DE QUE SUA SENHORA
ADMITTE POR ESPOSO OUTRO SUJEITO.
IMAGEM SINGULAR DE SUA DESESPERADA PAYXAO, VENDO QUE SUA SENHORA
SEM EMBARGO DE RECEBERLHES SEUS AMOROSOS DIVERTIMENTOS, ACEYTAVA
EM CASAMENTO HUM SUGEYTO MUYTO DA VONTADEDE DE SEUS PAYS: MAS
NEM ESTAS, NEM OUTRAS OBRAS OUSAVA ELLE A CONFIAR MAIS QUE DO SEU
BAUL.
CHORA O POETA A ULTIMA RESOLUÇÃO DE SEU IDOLATRADO IMPOSSIVEL TAM
MERECEDORA DESTES DELICADOS VERSOS.
CHORA O POETA DE HUMA VEZ PERDIDAS ESTAS ESPERANÇAS.
VAGAVA O POETA POR AQUELLES RETIROS FILOSOFANDO EM SUA DESDITA SEM
PODER DESAPEGAR AS HARPIAS DE SEU JUSTO SENTIMENTO.
AO PÉ DAQUELLE PENHASCO LACRIMOSO QUE JA DICEMOS PERTENDE
MODERAR SEU SENTIMENTO, E RESOLVE, QUE A SOLEDADE Ó NÃO ALIVIA.
III - A CIDADE E SEUS PÍCAROS
Quando escrevo para todos que não falo em cultos modos, mas em frase corriqueira Os doutos estão nos cantos os ignorantes na Praça Eu não me quero emendar, pois faço versos em rimas, e às unhadas os sujeito de quem os corta, e belisca.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
1 - ÂNGELA
Pertende o Poeta casar-se com esta Senhora, e por se achar alcançado em annos, e abatido em bens, Introduzio amizade com seo Irmão o Capitão Francisco Moniz de Souza fazendo especial menção delle na festa das virgens e depois com hum soneto, e varias obras pertendendo assim introduzir-se naquella casa. Posto com effeyto nella, vio huma manhãa de Natal as tres Irmãas, a cuyas vistas fez as seguintes décimas Manuel Pereira Rabelo, licenciado que digo eu? este mundo inteiro namorei eu tão primeiro, que nisto de namorar podeis vós comigo estar a soldada de Escudeiro.
são feias, mas são mulheres VIO HUMA MANHÃA DE NATAL AS TRES IRMÃAS, A CUJAS VISTAS FEZ AS
SEGUINTES DÉCIMAS.
1 Numa manhã tão serena como entre tanto arrebol pode caber tanto sol em esfera tão pequena?
quem aos pasmos me condena da dúvida há de tirar-me, e há de mais declarar-me, como pode ser ao certo estar eu hoje tão perto de três sóis, e não queimar-me.
2 Onde eu vi duas Auroras com tão claros arrebóis, que muito visse dois sóis nos raios de três Senhoras:
mas se as matutinas horas, que Deus para aurora fez, tinham passado esta vez, como pode ser, que ali duas auroras eu vi, e os sóis eram mais de três?
3 Se lhes chamo estrelas belas, mais cresce a dificuldade, pois perante a majestade do sol não luzem estrelas:
seguem-se-me outras seqüelas, que dão mais força à questão, com que eu nesta ocasião peco à Luz, que me conquista, que ou me desengane a vista, ou me tire a confusão.
4 Ou eu sou cego em verdade e a luz dos olhos perdi, ou tem a luz, que ali vi, mais questão, que a claridade:
cego de natividade me pode o mundo chamar, pois quando vim visitar a Deus em seu nascimento, me aconteceu num momento, vendo a três luzes, cegar.
AO MESMO ASSUMPTO.
Debuxo singular, bela pintura, Adonde a Arte hoje imita a Natureza, A quem emprestou cores a Beleza, A quem infundiu alma a Formosura.
Esfera breve: aonde por ventura O Amor, com assombro, e com fineza Reduz incompreensível gentileza, E em pouca sombra, muita luz apura.
Que encanto é este tal, que equivocada Deixa toda a atenção mais advertida Nessa cópia à Beleza consagrada?
Pois ou bem sem engano, ou bem fingida No rigor da verdade estás pintada, No rigor da aparência estás com vida.
AO MESMO ASSUMPTO
Vejo-me entre as incertezas de três Irmãs, três Senhoras, se não três sóis, três auroras, três flores, ou três belezas:
para sóis têm mais lindezas que aurora mais resplandor, muita graça para flor, e por final conclusão três enigmas do Amor são, mais que as três cidras do Amor.
PONDERA AGORA COM MAIS ATTENÇÃO A FORMOSURA DE D. ANGELA.
Não vi em minha vida a formosura, Ouvia falar nela cada dia, E ouvida me incitava, e me movia A querer ver tão bela arquitetura.
Ontem a vi por minha desventura Na cara, no bom ar, na galhardia De uma Mulher, que em Anjo se mentia, De um Sol, que se trajava em criatura.
Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.
Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me, Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.
RETRATA O POETA AS PERFEIÇÕES DE SUA SENHORA A IMITAÇÃO DE OUTRO
SONETO QUE FEZ FELIPPE IV À HUMA DAMA SOMENTE COM TRADUZI-LO NA
LINGUA PORTUGUEZA
Se há de ver-vos, quem há de retratar-vos, E é forçoso cegar, quem chega a ver-vos, Se agravar meus olhos, e ofender-vos, Não há de ser possível copiar-vos.
Com neve, e rosas quis assemelhar-vos, Mas fora honrar as flores, e abater-vos:
Dois zéfiros por olhos quis fazer-vos, Mas quando sonham eles de imitar-vos?
Vendo, que a impossíveis me aparelho, Desconfiei da minha tinta imprópria, E a obra encomendei a vosso espelho.
Porque nele com Luz, e cor mais própria Sereis (se não me engana o meu conselho)
Pintor, Pintura, Original, e Cópia.
NO DIA EM QUE FAZIA ANNOS ESTA DIVINA BELLEZA; ESTE PORTENTO DE
FORMOSURA DONA ANGELA, POR QUEM O POETA SE CONSIDERAVA
AMOROSAMENTE PERDIDO, E QUASI SEM REMEDIO PELA GRANDE
IMPOSSIBILIDADE DE PODER LOGRAR SEUS AMORES: CELEBRA OBSEQUIOSA,E
PRIMOROSAMENTE SUAS FLORENTES PRIMAVERAS COM ESTA LINDISSIMA
CANÇÃO.
1 Pois os prados, as aves, as flores ensinam amores, carinhos, e afetos:
venham correndo aos anos felizes, que hoje festejo:
Porque aplausos de amor, e fortuna celebrem atentos as aves canoras as flores fragrantes e os prados amenos.
2 Pois os dias, as horas, os anos alegres, e ufanos dilatam as eras;
Venham depressa aos anos felizes, que Amor festeja.
Porque aplausos de amor, e fortuna celebrem deveras os anos fecundos, os dias alegres, as horas serenas.
3 Pois o Céu, os Planetas, e Estrelas com Luzes tão belas auspiciam as vidas, venham luzidas aos anos felizes que Amor publica.
Porque aplausos de amor, e fortuna celebrem um dia a esfera imóvel, os astros errantes, e as estrelas fixas.
4 Pois o fogo, água, terra, e os ventos são quatro elementos, que alentam a idade, venham achar-se aos anos felizes que hoje se aplaudem.
Porque aplausos de amor, e fortuna celebrem constantes a terra florida, o fogo abrasado, o mar furioso, e as auras suaves.
ROMPE O POETA COM A PRIMEYRA IMPACIENCIA QUERENDO DECLARAR-SE E
TEMENDO PERDER POR OUZADO.
Anjo no nome, Angélica na cara, Isso é ser flor, e Anjo juntamente, Ser Angélica flor, e Anjo florente, Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente, Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu custódio, e minha guarda Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
SEGUNDA IMPACIENCIA DO POETA.
Cresce o desejo, falta o sofrimento, Sofrendo morro, morro desejando, Por uma, e outra parte estou penando Sem poder dar alívio a meu tormento.
Se quero declarar meu pensamento, Está-me um gesto grave acobardando, E tenho por melhor morrer calando, Que fiar-me de um néscio atrevimento.
Quem pertende alcançar, espera, e cala Porque quem temerário se abalança, Muitas vezes o amor o desiguala.
Pois se aquele, que espera sempre alcança, Quero ter por melhor morrer sem fala, Que falando, peder toda esperança.
FALLA O POETA COM SUA ESPERANÇA.
Não te vás, esperança presumida, A remontar a tão sublime esfera, Que são as dilações dessa quimera Remora para o passo desta vida.
Num desengano acaba reduzida A larga propensão, do que se espera, E se na vida o adquirir te altera, Para penar na morte te convida.
Mas voa, inda que breve te discorres, Pois se adoro um desdém, que é teu motivo, Quando te precipitas, me discorres.
Que ne obriga meu fado mais esquivo, Que se eu vivo da causa, de que morres, Que morras tu da causa, de que vivo.
AUSENTE O POETA DAQUELLA CASA, FALLECEO D. THEREZA HUA DAS IRMÃS, E
COM ESTA NOTICIA SE ACHOU O POETA COM VASCO DE SOUZA A PEZAMES, ONDE FEZ O PRESENTE SONETO.
Astro do prado, Estrela nacarada Te viu nascer nas margens do Caípe Apolo, e todo o coro de Aganipe, Que hoje te chora rosa sepultada.
Por rainha das flores aclamada Quis o prado, que o certo participe Vida de flor, adonde se antecipe Aos anos a gadanha coroada.
Morrer de flor é morte de formosa, E sem junções de flor nasceras peca, Que a pensão de acabar te fez pomposa.
Não peca em fama, quem na morte peca, Nácar nasceste, e eras fresca rosa:
O vento te murchou, e és rosa seca.
EPITAFIO À MESMA BELLEZA SEPULTADA.
Vemos a luz (ó caminhante espera)
De todas, quantas brilham, mais pomposa, Vemos a mais florida Primavera, Vemos a madrugada mais formosa:
Vemos a gala da luzente esfera, Vemos a flor das flores mais lustrosa Em terra, em pó, em cinza reduzida:
Quem te teme, ou te estima, ó morte, olvida.
LIZONGEA O POETA A VASCO DE SOUZA FAZENDO EM SEU NOME ESTA
LACRIMIMOSA NENIA.
Morreste, Ninfa bela, na florescente idade:
nasceste para flor, como flor acabaste.
Viu-te a Alva no berço, a Véspora no jaspe, mimo foste da Aurora, a lástima da tarde.
O nácar, e os alvores da tua mocidade foram, se não mantilhas, mortalha a teus donaires.
Oh nunca flor nasceras, Se imitando-as tão frágil, no âmbar de tuas folhas te ungiste, e te enterraste.
Morreste, e logo Amor quebrou arco, e carcases;
que muito se lhe faltas, que logo se desarme?
Ninguém há neste monte, ninguém naquele vale, o cortesão discreto, o pastor ignorante:
Que teu fim não lamente, dando aos quietos ares já fúnebres endechas, já trágicos romances.
O eco, que responde a qualquer voz do vale, já agora só repete meus suspiros constantes.
A árvore mais forte, que gemia aos combates do vento, que a meneia ou do raio, que a parte, Hoje geme, hoje chora com lamento mais grave forças da tua estrela mais que a força dos ares.
Os Ciprestes já negam às aves hospedagem, porque gemendo tristes, andarn voando graves.
Tudo enfim se trocou, montes, penhas, e vales, o penedo insensível, o tronco vegetável.
Só eu constante, e firme choro o teu duro transe, o mesmo triste sernpre por toda a eternidade.
Ó alma generosa, a quem o Céu triunfante usurpou a meus olhos para ser lá deidade.
Aqui onde o Caípe já te erigiu altares por Deusa destes montes, e por flor destes vales:
Agrário o teu Pastor não te forma de jaspes sepulcro a tuas cinzas túmulo a teu cadáver.
Mas em lágrimas tristes, e suspiros constantes de um mar tira dois rios, de um rio faz dois mares.
LIZONGEA OS SENTIMENTOS DE DONA VICTORIA COM ESTE SONETO FEYTO EM
SEU NOME.
Alma ditosa, que na empírea corte Pisando estrelas vais de sol vestida, Alegres com te ver fomos na vida, Tristes com te perder somos na morte.
Rosa encarnada, que por dura sorte Sem tempo do rosal foste colhida, Inda que melhoraste na partida, Não sofre, quem te amou, pena tão forte.
Não sei, como tão cedo te partiste Da triste Mãe, que tanto contentaste, Pois partindo-te, a alma me partiste.
Oh que cruel comigo te mostraste!
Pois quando a maior glória te subiste, Então na maior pena me deixaste.
LIZONGEA O SENTIMENTO DE FRANCISCO MONIZ DE SOUZA SEU IRMÃO
FAZENDO EM SEU NOME ESTE SONETO.
Flor em botão nascida, e já cortada, Tiranamente murcha em flor nascida, Que nos primeiros átomos da vida, Quando apenas sois nada, não sois nada.
Quem vos despiu a púrpura corada?
Como assim da beleza estais despida?
Mas ah Parca cruel! Morte atrevida!
Por que cortaste a flor mais engraçada?
Porém que importa, bem que me desvela Na flor o golpe, se maior ventura Vos prometo no Céu, bela Teresa.
De flor ao Céu passais a ser estrela, E não perde de flor a formosura, Quem no Céu melhor flor logra a beleza.
PERTENDE O POETA CONSOLAR O EXCESSIVO SENTIMENTO DE VASCO DE
SOUZA COM ESTE SONETO
Sôbolos rios, sôbolas torrentes De Babilônia o Povo ali oprimido Cantava ausente, triste, e afligido Memórias de Sião, que tem presentes.
Sôbolas do Caípe águas correntes Um peito melancólico, e sentido Um anjo chora em cinzas reduzido, Que são bens reputados sobre ausentes.
Para que é mais idade, ou mais um ano, Em quem por privilégio, e natureza Nasceu flor, a quem um sol faz tanto dano?
Vossa prudência pois em tal dureza Não sinta a dor, e tome o desengano Que um dia é eternidade da beleza.
A VISTA DO EXCESSO DE VASCO DE SOUZA PONDERA O POETA, QUE O
VERDADEYRO AMOR, AINDA TIRADA A CAUSA NÃO CESSA NOS EFFEYTOS, CONTRA A REGRA DE ARISTOTELES.
Errada a conclusão hoje conheça O Mestre, que mais douto na ciência Nos deixou em prolóquio sem falência, Que em a causa cessando, o efeito cessa.
Porque a dor de um Magoado nos confessa, Que arrastou a Beleza com violência, Que o que efeito causara uma assistência, Apartado da causa então começa:
Apartada a Beleza inda lhe causa Um efeito tão forte, que suspeito, Que não tem inda a causa feito pausa.
Porque já em domínios de seu peito, Se na vida a rendia como causa, Hoje o vence na morte pelo efeito.
LINZONGEA FINALMENTE O POETA COM ESTAS MORALIDADES TRISTES DE
HUMA VIDA FLORECENTE PELAS FRIAS VOCES DAQUELLA SEPULTADA
BELLEZA SUA FORMOSAS IRMÃAS, AVIVANDOLHE OS MOTIVOS DA DOR.
MOTE
Ya que flor, mis Flores, fui Vuestro exemplo aora soy, pues de flor a sol subi, y oy de mi aun sombras doy.
1 En flor, mis Flores, se muere, quien en la vida fué flor, que es la muerte com rigor de las Flores Malmequiere:
quien de vosotras se huviere desconocido haste aqui, su triste flor veya en mi como en un puro cristal, que espejo soy de su mal, ya que flor, mis Flores, fui.
2 Triunfar, Flores, en effecto ya me visteis de la suerte, si mal me quiso la muerte, siempre he sido Amor perfecto:
desengañada os prometto de la ceniza, en que estoy, pues al sepulchro me voy, Flores, para que nasci, que si Perpetua no fui, Vuestro exemplo aora soy.
3 de aqueste jardin de Flora, que flagra oloroso aliento, ya fui gallardo elemento, ya fui bellissima aurora:
pero, mis Flores, aora nada soy, de lo que fui, bien que los habitos di, con que a los astros llegué, y en el cielo me quedé, Pues de flor e sol subi.
4 Alerta, Flores, que ayrada la rnuerte uzurpa las flores, en quien colores, y olores son exemplos de la nada:
alerta pues que prostada mis brios llorando estoy;
lo que va de ayer a oy aprended de um muerto sol, que ayer candido arrebol, y oy de mi aun sombras doy.
DESTA VEZ SE DEIXOU O POETA ESQUECER NAQUELLA CASA, ESPERANDO
OCCASIÃO DE DECLARAR SE, E SEMPRE SE ACOBARDOU A VISTA DA
CAUSA, SEMPRE EM LUTAS COM O AMOR, E RESPEYTO.
MOTE
Muero por dizir mi mal, Va-me la vida en callar.
1 Dos vezes muerto me hallo de los arpones de Amor, una al dizir mi dolor, y otra vez quando lo callo.
No sé corno remediarllo, pues su implicacion es tal, que hazes mi dolor mortal, y con peligro tan fiero, que quando por callar muero, Muero por dizir mi mal.
2 Aqui el contrario no es medio de curar a su contrario, porque el remedio ordinario no es para mi mal remedio:
yo tengo un azar, um tedio a todo, lo que es sanar, porque todo es peligrar;
si callo, pierdo la vida, y si digo, mi homicida, Va-me la vida en callar.
ADMIRAVEL EXPRESSÃO QUE FAZ O POETA DE SEU ATIENCIOSO SILENCIO.
Largo em sentir, em respirar sucinto Peno, e calo tão fino, e tão atento, Que fazendo disfarce do tormento Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.
O mal, que fora encubro, ou que desminto, Dentro no coração é, que o sustento, Com que para penar é sentimento, Para não se entender é labirinto.
Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.
Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros Dos combates, que vão dentro no peito.
TERCEIRA IMPACIENCIA DOS DESFAVORES DE SUA SENHORA.
Dama cruel, quem quer que vós sejais, Que não quero, nem posso descobrir-vos, Dai-me agora licença de argüir-vos, Pois para amar-vos tanto me negais.
Por que razão de ingrata vos prezais, Não pagando-me o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos Que a ingratidão a formosenta mais.
Não há cousa mais feia na verdade;
Se a ingratidão aos nobres envilece, Que beleza fará uma fealdade?
Depois que sois ingrata, me parece Torpeza hoje, o que ontem foi beldade E flor a ingratidão, que em flor fenece.
ENCARECE O POETA A GRAÇA E A BIZARRIA COM QUE SUA SENHORA
DESEMBARCOU A SEUS OLHOS E FOY LEVADA POR QUATRO ESCRAVOS.
1 Esperando uma bonança, cansado já de esperar um pescador, que no mar tinha toda a confiança:
receoso da tardança de um dia, e mais outro dia pela praia discorria, quando aos olhos de repente uma onda lhe pôs patente, quanto uma ausência encobria.
2 Entre as ondas flutuando um vulto se divisava, sendo, que mais flutuava, quem por ela está aguardando:
e como maior julgando o tormento da demora como se Leandro fora, lançar-se ao mar pertendia, quando entre seus olhos via quem dentro em seu peito mora.
3 Mora em seu peito uma ingrata tão bela ingrata, que adrede pescando as demais com rede, ela só com a vista mata:
as redes, de que não trata vinha agora recolhendo;
porque como estava vendo todo o mar feito uma serra, vem pescar almas à terra, de amor pescadora sendo.
4 Logo que à praia chegou, tratou de desembarcar, mas sair o sol do mar só esta vez se admirou:
tão galharda enfim saltou, que quem tão galharda a via, justamente presumia, para mais abono seu, que era Vênus, que nasceu do mar, pois do mar saía.
5 Pôs os pés na branca areia, que comparada cos pés ficou pez, em que lhe pes, porque em vê-la a areia areia:
pisando a margem, que alheia de um arroio os dois extremos, todos julgamos, e cremos Galatéia a Ninfa bela, pois bem que vimos a Estrela, fomos cegos Polifemos.
6 Toda a concha, e toda a ostrinha, que na praia achou, a brio, mas nenhum aljôfar viu, que todos na boca tinha:
porém se em qualquer conchinha pérolas o sol produz, daqui certo se deduz, que onde quer, que punha os olhos, produz pérolas a molhos pois de dois sóis logra a luz.
7 Em uma portátil silha ocaso a seu sol entrou, e pois tal peso levou, não sentiu peso a quadrilha:
vendo tanta maravilha tanta luz de monte a monte, abrasar-se o Horizonte, temi com tanto arrebol, pois sobre as Pias do sol ia o carro de Faetonte.
OUTRA VEZ O ASSALTÃO NOVOS PENSAMENTOS DE DECLARAR-SE, E TEMER.
MOTE
Ay de ti, pobre cuydado, que en la carcel del silencio has de tener tu razon, porque lo manda el respeyto.
1 Si por fuerça del respeyto, ou floxedad de alvedrio nasciste, cuydado mio, tan captivo, y tan sugeto:
y aun eres tan indiscreto, que de nescio, y porfiado quieres por lo bien hablado librar tu innocencia mucha, con quien te riñe y no escucha, Ay de ti, pobre cuydado.
2 Cessa y serás escuchado, que en la quexa de un tormento las vozes se lleva el viento, no el alivio, que es passado:
calla, y no hables deslumbrado al dueño, à quien reverencio, y sien la quietud, que agencio, conviene, que mi razon se prenda, que mas prision, Que en la carcel del silencio 3 Mi concejo esto contiene, y porque mejor se entienda, antes la razon se prenda, que quien la rason se tiene:
la prudencia lo previene con viva demonstracion:
tener quieres duracion?
luego debes entender, que para rason tener Has de tener tu rason.
4 Y pues dizirla es perderla, porque hablada va perdida, tenla en tu pecho escondida, que assi vendras a tenerla:
no temas el no entenderla de tu silencio el objecto:
pues callando te prometto, que en prueba de rnis lealdades sepan, que callé verdades, Porque lo manda el respeto.
A VISTA DE HUM PENHASCO QUE VERTENDO FRIGIDISSIMAS AGUAS LHE
CHAMÃO NO CAIPPE A FONTE DO PARAIZO, IMAGINA AGORA O POETA MENOS
TOLERAVEL A SUA DISSIMULAÇÃO.
Como exalas, Penhasco, o licor puro, Lacrimante a floresta lisonjeando, Se choras por ser duro, isso é ser brando, Se choras por ser brando, isso é ser duro.
Eu, que o rigor lisonjear procuro, No mal me rio, dura penha, amando;
Tu, penha, sentimentos ostentando, Que enterneces a selva, te asseguro.
Se a desmentir objetos me desvio, Prantos, que o peito banham, corroboro De teu brotado humor, regato frio.
Chora festivo já, ó cristal sonoro, Que quanto choras, se converte em rio, E quanto eu rio, se converte em choro.
COM O EXEMPLO DO LACRIMOSO PENHASCO ENTRA A SUSPIRAR, FAZ PAUSA, E
RESOLVE ULTIMAMENTE A PROSEGUIR, RESGATANDO O SILENCIO A NOBREZA
DA CAUSA.
Suspiros, que pertendeis Com tanta despesa de ais, Se quando um alívio achais, todo um segredo rompeis?
Não vedes, que a opinião sente o segredo rompido, quando no alívio adquirido Consta a sua perdição?
Não vedes, que se acompanha o desafogo do peito, mais se perde no respeito, do que no alívio se ganha?
Não vedes, que o suspirar diminui o sentimento, usurpando ao rendimento tudo, quanto dais ao ar?
Mas direis, que uma tristeza publica a sua desgraça, porque o silêncio não faça inútil sua fineza.
Direis bem, que o padecer da beleza é pundonor, e guardar segredo à dor será agravar seu poder.
Eia, pois, coração louco, suspirai, dai vento ao vento, que tão grande sentimento não periga com tão pouco.
Quem disser, que suspirais por dar à dor desafogo, dizei-lhe, que tanto fogo ao vento se acende mais.
Não caleis, suspiros tristes, que importa pouco o segredo e jamais me vereis ledo, como algum tempo me vistes.
EM CONTRAPOSIÇÃO DO QUE RESOLVEO, SE ENTREGA O POETA NOVAMENTE
AO SILENCIO, RESPEYTANDO, A QUE OS SUSPIROS POSTO QUE CONSOLÃO, NÃO ALLIVIÃO POR MENOS NOBRES.
MOTE
Ay de ti, que en tus suspiros has de lograr el consuelo, no el alivio, que es culpar la attencion del rendimiento.
1 Coraçon: siente tu anhelo, que quien gime en su tormento, no haze aggravio al sentimiento, si hallo en sentir consuelo:
gime dentro en tu desvelo, que ni te oygan tus retiros, mas si la nota haze tiros, ay de ti, que en tus razones faltas a las submissiones?
Ay de ti, que en tus suspiros!
2 Ay de ti, pobre cuydado, que en un suspiro sentido si ganas lo divertido no pierdes lo desdichado!
ay de ti, que desahogado al ayre vital del cielo no creyo, que en tu desvelo algun alivio consigas, ni pienso, que en tus fadigas Has de lograr el consuelo.
3 Si el consuelo se quedó, en quien suspira, en quien llora, quede el consuelo en buen hora, mas el alívio esso nó:
el consuelo podrè yo en un triste assegurar que el dar suspiros al viento es culpa del sentimiento No el alivio, que es culpar.
4 No se alivia, el que suspira, si gimiendo se consuela, que como el gimir anhela, del alivio se retira:
ten pues, cuydado, la mira, en que no floxa el tormento, viva intacto el sentimiento, que bien el de coro observa, quien siente, calla, y reserva la attencion del rendimiento PORFIA O POETA EM LOUVAR SEU NECESSARIO SIIENCIO, COMO QUEM FAZ
VIRTUDE DA NECESSIDADE.
MOTE
Sentir por solo sentir es el sentir verdadero, que en saber sentir está el premio del sentimiento. 1 Coraçon: suffre, y padece, que quien alivia el tormento el premio del suffrimiento nesciamente desmerece:
siente, y en tus dolores cresce:
suffre, que solo el suffrir sera el rnedio de luzir:
calla, que la causa es tal, que está mandando a tu mal Sentir por solo sentir.
2 Sentir, suffrir, y callar medio será de salvar-te:
pero no sientan llorar-te porque es arte de aliviar:
el suffrimiento hade estar sugeto al arpon severo, evitando el ser grossero con silencio, o con rason, que sentir sin reflexion Es el sentir verdadero.
3 No suffras, por mas suffrir, que en suffrir por merecer, la attencion hecha a perder, quando llega a competir:
nada intentes conseguir, que es vana gloria, y quisá que todo se perderá:
la mudez no es meritoria?
Sabe sentir por la gloria, Que en saber sentir está.
4 Sabe, que ay indignacion, en quien te puede ultrajar, que ay aborrecer, y amar, mas no sepas la razon:
siente tu injusta passion, mas no sepa el suffrimiento la causa de tu tormento:
discurre sin discurrir, que hallarás en tu sentir El premio del sentimiento.
PERTENDE AGORA PERSUADIR A HUM RIBEYRINHO A QUE NÃO CORRA, TEMENDO, QUE SE PERCA: QUE HE MUY PROPRIO DE HUM LOUCO
ENAMORADO QUERER QUE TODOS SIGAM O SEU GAPRICHO. E RESOLVE A
COBIÇARLHE A LIBERDADE.
Como corres, arroio fugitivo?
Adverte, pára, pois precipitado Corres soberbo, como o meu cuidado, Que sempre a despenhar-se corre altivo.
Toma atrás, considera discursivo, Que esse curso, que levas apressado, No taminho. que emprendes despenhado Te deixa morto, e me retrata ao vivo.
Porém corre, não pares, pois o intento, Que teu desejo conseguir procura, Logra o ditoso fim do pensamento.
Triste de um pensamento sem ventura!
Que tendo venturoso o nascimento, Não acha assim ditosa a sepultura.
SOLITARIO EM SEU MESMO QUARTO A VISTA DA LUZ DO CANDIEYRO PORFIA O
POETA PENSAMENTEAR EXEMPLOS DE SEU AMOR NA BARBOLETA.
Ó tu do meu amor fiel traslado Mariposa entre as chamas consumida, Pois se à força do ardor perdes a vida, A violência do fogo me há prostrado.
Tu de amante o teu fim hás encontrado, Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida, No fogo que exalou, morro abrasado.
Ambos de firmes anelando chamas, Tu a vida deixas, eu a morte imploro Nas constancias iguais, iguais nas chamas.
Mas ai! que a diferença entre nós choro, Pois acabando tu ao fogo, que amas, Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
RATIFICA SUA FIDALGA RESOLUÇÃO TIRANDO DENTRE SALAMANDRA E
BARBOLETA O MAIS SEGURO DOCUMENTO PARA BEM AMAR.
Renasce Fênix quase amortecida.
Barboleta no incêndio desmaiada:
Porém se amando vives abrasada, Ai como temo morras entendida!
Se te parece estar restituída, No que te julgo já ressuscitada, Quanto emprendes de vida renovada, Te receio na morte envelhecida.
Mas se em fogo de amor ardendo nasces, Barboleta, o contrário mal discorres, Que para eterna pena redivives.
Reconcentra esse ardor, com que renasces, Que se qual Barboleta em fogo morres, É melhor, Salamandra, o de que vives.
AO RIO DE CAIPPE RECORRE QUEYXOSO O POETA DE QUE SUA SENHORA
ADMITTE POR ESPOSO OUTRO SUJEITO
Suspende o curso, ó Rio, retrocido, Tu, que vens a morrer, adonde eu morro, Enquanto contra amor me dá socorro Algum divertirmento, algum olvido.
Não corras lisonjeiro, e divertido.
Quando em fogo de amor a ti recorro E quando o mesmo incêndio, em que me torro, Teu vizinho cristal tem já vertido.
Pois já meu pranto inunda teus escolhos, Não corras, não te alegres, não te rias, Nem prateies verdores, cinge abrolhos.
Que não é bem, que tuas águas frias, Sendo o pranto chorado dos meus olhos, Tenham que rir em minhas agonias.
IMAGEM SINGULAR DE SUA DESESPERADA PAYXAO, VENDO QUE SUA SENHORA
SEM EMBARGO DE RECEBERLHES SEUS AMOROSOS DIVERTIMENTOS, ACEYTAVA EM CASAMENTO HUM SUGEYTO MUYTO DA VONTADEDE DE SEUS
PAYS: MAS NEM ESTAS, NEM OUTRAS OBRAS OUSAVA ELLE A CONFIAR MAIS
QUE DO SEU BAUL.
Enfim, pois vossa mercê não ignora, que é forgoso acomodar co'as desgraças, e desbaratar ao gosto:
Ouça os últimos suspiros, de quem no extrerno amoroso fala com língua de mágoas, sente com vozes de fogo.
Que nestas minhas ofensas, e nestes termos suponho, que fez dita o meu afeto, do que você fez estorvo.
Pois adorando excessivo, o que não logrou ditoso, só da esperança fez caso, sern dar ousadia ao logro.
Parecia-me, que nunca chegasse a ser perigoso venerar no pensamento faisas idéias de um gosto.
Mas conhecendo mentiras, quanto me disse o alvoroço, repiro agora, o que quis fazendo negaça ao gosto:
Que como em você conhego, que lhe será mui custoso sem fazer da pena opróbrio:
Vendo, que minha esperança acha o bem dificultoso, e se encontra coas desgraças na observação do decoro.
Advirto a minha razão nos extremos de queixoso com a raiva da fineza como refúgio do choro.
Porque limitando a pena àquele afeto amoroso, cuja firmeza eterniza, por alívio o desafogo!
Quero, se é, que pode ser querer, quem por tantos modos nem para querer lhe deixa ação tão tirano afogo!
Que veja você sepulta a presunção do alvoroço, que na esperança da posse era o caminho do logro.
Para que em mudos suspiros melhor segurem meus olhos, que a influência de estrela só neste estado me há posto.
E assim só dela. me queixo, porque fora lance impróprio clamar contra as divindades nesta queixa, que a Amor formo.
Com que advertir-lhe é preciso, que de tudo, o que me dôo, na execução de agravo as glórias julgo por sonho.
Pois se cheguei a adorar, foi preciso tão notório do destino, a que rendido para este fim nasci logo, E o pertender suspirando com um desvelo, e com outro foram protestos do incêndio, foi do excessivo acordo.
Idolatrar um prodígio, não foi prodígio, nem noto, que o rendimento, e desvelo ficassem acaso opostos:
Porque advertindo, que o céu, e o Planeta Luminoso jurararn pleito homenagem na beleza desse rosto:
O conhecer Liberdade à vista de tanto assombro fora, perdendo os sentidos ser indiscreto e ser louco.
CHORA O POETA A ULTIMA RESOLUÇÃO DE SEU IDOLATRADO IMPOSSIVEL TAM
MERECEDORA DESTES DELICADOS VERSOS.
Alto: divino impossível, de cuja dificuldade, formosura, e discrição qual é maior, não se sabe.
Se impossível pelo estado, a dificuldade é grande, pois casada, e a teu gosto que força há de conquistar-te?
Se impossível na dureza, a ser pedra incontrastável, basta ser de lavradora, para que nunca se lavre.
Se impossível pelo estorvo da família vigilante é o impossível maior, que ao meu coração combate.
Mas se és, divino impossível, de tão alta divindade, creio, que esperanças mortas ressurgirás a milagres.
Se és um milagre composto de neve incendida em sangue, e sempre o Céu de tou rosto, mostra dois astros brilhantes:
As mãos umas maravilhas, um par de jesmins as faces, o corpo um garbo vivente.
os pés um vivo donaire:
Se são milagres divinos, Francelinda, as tuas partes, para viver, quem te adora, que farás. senão milagres!
Dá-me por milagre a vida na esperança de lograr-te, verás ressurgir com glória uma esperança cadáver.
E se és enigma escondido, eu sou segredo inviolável, pois ouves, e não percebes, quem te diz, o que não sabes.
De que selve a discrição, com que o teu nome ilustraste, sendo a Palas destes tempos, Minerva destas idades.
Discorre em tuas memórias os dias, manhãs, e tardes, que foste emprego de uns olhos, que mudamente escutaste.
Porque uns olhos, que atrevidos registam a divindade são sempre d'alma rendida emudecidas linguagens.
Lembra-te, que em tua casa, onde cortês me hospedaste, não me guardaste o seguro das leis da hospitalidade.
Por que matando-me entonces traidoramente suave me calei eu, por guardar essas leis, que tu violaste.
Se inda não cais, em quem sou, porque me estrova explicar-me de uma parte o teu decoro, e o meu temor de outra parte.
Terei paciência por ora, té que me tire os disfarces Amor, que com se vendar, me deu lições de vendar-me.
E se penetras, quem sou, porque já o conjeturaste, e escolhes de pura ingrata não crer-me, por não pagar-me:
Recorre à tua beleza, que sei, que ela há de obrigar-te a crer, que em minhas finezas corto por multas verdades.
E pois me toca pesar as tuas dificuldades, e a ti tua formosura e discrição pesar cabe.
Julguemos ambos de dois, qual dá cuidado mais grande, formosura, e discrição, ou tantas dificuldades.
CHORA O POETA DE HUMA VEZ PERDIDAS ESTAS ESPERANÇAS.
A Deus vão pensamento, a Deus cuidado, Que eu te mando de casa despedido, Porque sendo de uns olhos bem nascido Foste com desapego mai criado.
Nasceste de um acaso não pensado, E cresceu-te um olhar pouco advertido, Criou-te o esperar de um entendido.
E às mãos morreste de um desesperado:
Ícaro foste, que atrevidamente Te rernontaste à esfera da luz pura, De donde te arroiou teu vôo ardente.
Fiar no sol, é irracional loucura, Porque nesse brandão dos céus luzente Falta a razão, se sobra a formosura.
VAGAVA O POETA POR AQUELLES RETIROS FILOSOFANDO EM SUA DESDITA
SEM PODER DESAPEGAR AS HARPIAS DE SEU JUSTO SENTIMENTO.
Quem viu mal como o meu sem meio ativo!
Pois no que me sustenta, e me maltrata, É fero, quando a morte me dilata, Quando a vida me tira, é compassivo.
Oh do meu padecer alto motivo!
Mas oh do meu martírio pena ingrata!
Uma vez inconstante, pois me mata, Muitas vezes ctuel, pois me tem vivo.
Já não há de remédio confiancas;
Que a morte a destruir não tem alentos, Quando a vida empenar não tem mudanças.
E quer meu mal dobrando os meus tormentos, Que esteja morto para as esperanças, E que ande vivo para os sentimentos.
AO PÉ DAQUELLE PENHASCO LACRIMOSO QUE JA DICEMOS PERTENDE
MODERAR SEU SENTIMENTO, E RESOLVE, QUE A SOLEDADE Ó NÃO ALIVIA.
Na parte da espessura mais sombria, Onde uma fonte de um rochedo nasce, Com os olhos na fonte, a mão na face, Sentado o Pastor Sílvio assim dizia.
Ai como me mentiu a fantesia Cuidando nesta estância repousasse!
Que muito a sede nunca mitigasse, Se cresce da saudade a hidropisia.
Solte o Zéfiro brando os seus alentos, E excite no meu peito amantes fráguas, Que subam da corrente os movimentos.
Que é irana oficina para as mágoas Ouvir nas folhas combater os ventos, Por entre as pedras murmurar as águas.
Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,
Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.