Crônica do viver baiano seiscentista - cidade e seus pícaros - Adãos de Massapê
Índice OS SEUS DOCES EMPREGOS
A CERTO HOMEM PRESUMIDO; QUE AFFECTAVA FIDALGUIAS POR ENGANOSOS
MEYOS.
AO MESMO SUGEYTO PELOS MESMOS ATREVIMENTOS.
AOS PRINCIPAIS DA BAHIA CHAMADOS OS CARAMURUS.
AO MESMO ASSUMPTO.
A COSME MOURA ROLIM INSIGNE MORDAZ CONTRA OS FILHOS DE PORTUGAL.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
12 – ADÃOS DE MASSAPÊ
Que é fidalgo nos ossos, cremos nós, Que nisto consistia o mor brasão daqueles, que comiam seus avós.
Faça mesuras de A, com pé direito.
A CERTO HOMEM PRESUMIDO; QUE AFFECTAVA FIDALGUIAS POR ENGANOSOS
MEYOS.
Bote a sua casaca de veludo, E seja Capitão sequer dous dias, Converse à porta de Domingos Dias, Que pega fidalguia mais que tudo.
Seja um magano, um pícaro abelhudo, Vá a palácio, e após das cortesias Perca quando ganhar nas mercancias, E em que perca o alheio, esteja mudo.
Sempre se ande na caça, e montaria, Dê nova locução, novo epiteto, E digo-o sem propósito à porfia;
Que em dizendo: "facção, pretexto, efecto"
Será no entendimento da Bahia Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.
AO MESMO SUGEYTO PELOS MESMOS ATREVIMENTOS.
Faça mesuras de A com pé direito, Os beija-mãos de gafador de péla, Saiba a todo o cavalo a parentela, O criador, o dono, e o defeito.
Se o não souber, e vir rocim de jeito, Chame o lacaio, e posto na janela, Mande, que lho passeie a mor cautela, Que inda que o não entenda, se há respeito.
Saia na armada, e sofra paparotes, Damas ouça tanger, não as fornique, Lembre-lhe sempre a quinta, o potro, o galgo:
Que com isto, e o favor de quatro asnotes De bom ouvir, e crer se porá a pique De um dia amanhecer um grão fidalgo.
AOS PRINCIPAIS DA BAHIA CHAMADOS OS CARAMURUS.
Há cousa como ver um Paiaiá Mui prezado de ser Caramuru, Descendente de sangue de Tatu, Cujo torpe idioma é cobé pá.
A linha feminina é carimá Moqueca, pititinga caruru Mingau de puba, e vinho de caju Pisado num pilão de Piraguá.
A masculina é um Aricobé Cuja filha Cobé um branco Paí Dormiu no promontório de Passé.
O Branco era um marau, que veio aqui, Ela era uma Índia de Maré Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí.
AO MESMO ASSUMPTO.
Um calção de pindoba a meia zorra Camisa de Urucu, mantéu de Arara, Em lugar de cotó arco, e taquara, Penacho de Guarás em vez de gorra.
Furado o beiço, e sem temor que morra, O pai, que lho envazou cuma titara, Senão a Mãe, que a pedra lhe aplicara, A reprimir-lhe o sangue, que não corra.
Animal sem razão, bruto sem fé, Sem mais Leis, que as do gosto, quando erra, De Paiaiá virou-se em Abaeté.
Não sei, once acabou, ou em que guerra, Só sei, que deste Adão de Massapé, Procedem os fidalgos desta terra.
A COSME MOURA ROLIM INSIGNE MORDAZ CONTRA OS FILHOS DE PORTUGAL.
Um Rolim de Monai Bonzo Bramá Primaz da Greparia do Pegu, Que sem ser do Pequim, por ser do Açu, Quer ser filho do Sol nascendo cá.
Tenha embora um Avô nascido lá, Cá tem três pare as partes do Cairu, Chama-se o principal Paraguaçu Descendente este tal de um Guinamá.
Que é fidalgo nos ossos, cremos nós Que nisto consistia o mor brasão Daqueles, que comiam seus avós.
E como isto lhe vem por geração, Tem tomado por timbre em seus teirós Morder, aos que provêm de outra Nação.
Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos,
3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.