Crônica do viver baiano seiscentista - a cidade e seus pícaros - Joana
Índice Joana Achando se o poeta em huma festividade na igreja de Sam Francisco daquella villa, viiu estas trez moças; e entrando em questão com outros amigos, que ali estavão sobre qual era a mais formosa, ellege entre as trez a Joana por mais formosa e singular.
Retrata o poeta as galhardas perfeyções desta dama sem hyperbole de encarecimento.
Descaindo esta moça da graça do poeta, à sacode com a mesma penna, que à louvou nas obras antecedentes, aparecendo com hua saya verde.
19 – JOANA
Huma Moça galharda, e formosa, que morara na Villa de San Francisco com duas Irmãas também formosas, honestas, e recatadas.
Manuel Pereira Rabelo, licenciado As mulatas me esqueceram a quem com veneração darei o meu beliscão por amoroso ACHANDO SE O POETA EM HUMA FESTIVIDADE NA IGREJA DE SAM FRANCISCO
DAQUELLA VILLA, VIU ESTAS TREZ MOÇAS; E ENTRANDO EM QUESTÃO COM
OUTROS AMIGOS, QUE ALI ESTAVÃO SOBRE QUAL ERA A MAIS FORMOSA, ELLEGE ENTRE AS TREZ A JOANNA POR MAIS FORMOSA E SINGULAR.
1 Dão agora em contender sobre qual Moça é mais bela, Joana, se a parentela, e eu me não sei resolver:
se eu pudera a Páris ser de tão diversos Zagalos, de tais garbos, de tais galas, não só Joana julgara, que as mais prefere na cara mas a Vênus, Juno, e Palas.
2 Se Páris julgou com risco, pois pela sentença dada vemos a Tróia abrasada, arda embora São Francisco:
reduzida a cinza, ou cisco o sítio de idade a idade dê assunto à posteridade;
arda ao sítio, o mundo arda, viva Joana galharda, e eu morra pela verdade.
3 As mais são muito formosas, mui graves, e mui atentas, nas Joana entre as Parentas é Almirante entre as rosas:
as estrelas luminosas sendo à Lua paralelas são belas, mas menos belas, e assim Joana em rigor sendo a Luminar maior és mais bela, que as estrelas.
4 Um Céu a Igreja se viu, onde em luzido arrebol brilham astros, veio o Sol, e as estrelas desluziu:
qual sol Joana subiu, e os astros escureceu;
se o que sucede no Céu, sucede na Terra enfim, bem haja eu, que o julgo assim porque assim me pareceu.
RETRATA O POETA AS GALHARDAS PERFEYÇÕES DESTA DAMA SEM
HYPERBOLE DE ENCARECIMENTO.
Retratar ao bizarro quero Joanica, por ser Moça, galharda sobre bonita.
Que os cabelos são d'ouro, não se duvida, porque o Sol é Joana, que o certifica.
São seus olhos por claros alvas do dia, que põem de ponto em branco a rapariga.
Certo dia encontrei, que alegre ria, mas não vi, que de prata os dentes tinha.
Por entre eles a língua mal se divisa, mas é certo, que fala como entendida.
A boquinha bem feita, e pequenina a pedir vem de boca por bonitinha.
Que tem mãos liberais, quem o duvida.
que as mãos sempre lavadas dá como rica.
Da camisa o cambrai tem rendas finas, e eu lá vi, que os peitinhos me davam figas.
Ser de peito atacado me parecia porque muito delgada a cinta tinha.
Com um guarda-pé verde Os pés cobria, sendo que tomou pé para ser vista.
Sim julguei, que pequenos os pés teria, quando vi que de firme mui pouco tinha.
E com isto vos juro minha Menina, que vos quero, e vos amo por minha vida.
DESCAINDO ESTA MOÇA DA GRAÇA DO POETA, À SACODE COM A MESMA
PENNA, QUE À LOUVOU NAS OBRAS ANTECEDENTES, APARECENDO COM HUA
SAYA VERDE.
Quando lá no ameno prado a Mãe Eva a graça perde, vestiu-se logo de verde em sinal de haver pecado:
a Dama nos há mostrado no verde a sua caída;
se Eva de puro sentida logo de verde se enluta, esta, que provou a fruta, de verde seja vestida.
Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos,
3ª edição, Editora Record,Rio de Janeiro, 1992.