Crônica do viver baiano seiscentista - a cidade e seus pícaros - Bárbora ou Babu
Índice OS SEUS DOCES EMPREGOS
PEDE O POETA NESTA OBRA CONTA DO SEU PROCEDER À SUAS IRMÃAS
EUGENIA E MACOTTA.
PONDERA QUE OS DESDENS SEGUEM SEMPRE COMO SOMBRAS O SOL DA
FORMOSURA.
HUMA TARDE ENTROU O POETA EM CASA DESTA DAMA, QUE ESTAVA NO
INTERIOR ENOJOADA PELA MORTE DE SUA MÃE, E COMO ERA HOMEM
DIVERTIDO, TANGEU NUMA VIOLLA, QUE ACASO VIO, PONDO A VIOLLA OS
SENTIMENTOS DE BARBORA: E ELLA ENFURECIDA LHE DISSE ALGUMAS
INJURIAS.
COLHE-SE DO ESTILO DESTAS OBRAS QUE O AMOR DESTA DAMA NÃO
INQUIETAVA AO POETA.
ENFERMOU E O POETA DA VISTA DE BARBORA, FEZ O SEU TESTAMENTO, E
ACABOU OS DIAS: MAS APENAS FOY VISTO PELA MESMA DAMA LOGO RESURGIO
PARA NOVAS FINEZAS: E ISTO HE SER LAZARO DE AMOR. DIZ, QUE SE HA DE
CASAR COM BARBORA, E EM CONSCIENCIA O PODIA FAZER: PORQUE QUEM
RESURGE, NÃO ESTÁ OBRIGADO AO PRIMEYRO MATRIMONIO.
ESTA CANTIGA ACCOMODA O POETA COM PROPORÇÃO À BARBORA PELO NOME
E TRATO, NÃO DEYXANDO DE FORA OS SEUS AMANTES DEZEJOS.
AMOROSA HYPOCREZIA DE CONFORMIDADE EM PENAS.
DE HUMA QUEDA QUE DEO O POETA EM CASA DESTA BARBORA, ERGUE NOVOS
CONCEYTOS À SUA ROGATIVA.
AO MESMO ASSUMPTO.
VENDO-SE FINALMENTE EM HUMA OCCASIÃO TAM PERSEGUIDA ESTA DAMA DO
POETA, ASSENTIO NO PREMIO DE SUAS FINEZAS; COM CONDIÇÃO POREM, QUE
SE QUERIA PRIMEYRO LAVAR; AO QUE ELLE RESPONDEO COM A SUA
COSTUMADA JOCOSERIA.
A BARBORA HUMA MULATA MERETRIZ A QUEM CERTOS FRADES LHE PASSARAM
HUM GERAL, DO QUAL FICOU TAM PERIGOSA QUE VEIO A SACRAMENTAR-SE.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
7 – BÁRBORA OU BABU
Foy Dama muy caprichosa e bella: rematada de notável genio com engraçada viveza. Teve mais duas Irmãas Eugenia e Maria. O Poeta jocosamente galantea os seus desdens.
Manuel Pereira Rabelo, licenciado Nunca meu pai me fizera branco de cagucho, e cara, mas não deixes de querer-me, porque sou branco de casta, que se me tens cativado, sou teu negro, e teu canalha PEDE O POETA NESTA OBRA CONTA DO SEU PROCEDER À SUAS IRMÃAS
EUGENIA E MACOTTA.
Eugênia, convosco falo, e com Macota também, dai-me novas de Babu, se acaso dela sabeis.
Que me dizem, que esta noise a bruxa se foi meter e ninguém a viu em casa até que amanheceu.
Dizei-me, se está arranhada, porque se está, sinal é, que andou por barro de folha Carmo aquém, e Carmo além.
Eu não sinto estas mudanças, e só me queixo, de que correndo a cidade toda não chegasse a esse vergel.
Porque pudera eu sair, e acompanhá-la também por todo esse lararipe e embruxar toda a mulher.
A minha fora a primeira, e morrendo de uma vez casar-me-ia com Babu, para ter cunhadas três.
Qualquer delas me fizera mil regalos, mil mercês, e engordando como um Conde levará vida de rei.
Mas ela me tem tal ódio, que fugirá té de ser madrasta do Gonçalinho, que é lindo enteado à fé.
Vós Eugênia, e vós Macota, vigiai-me essa Mulher, que é bruxa, e tem-se embruxado desde a cabeça até os pés.
Porque ou há de resolver-se a querer, que a queira eu, ou lhe hei de tirar o sangue, e o fadário há de perder.
Não quero, que seja a bruxa, ou hei de sê-lo também para acompanhar de noite, e de dia a recolher.
Aliás hei de acusá-la a seu Pai, quando vier, porque se em prisões me mata, em prisões morra também.
PONDERA QUE OS DESDENS SEGUEM SEMPRE COMO SOMBRAS O SOL DA
FORMOSURA.
Cada dia vos cresce a formosura, Babu, e tanto cresce, que me embaça, Se cresce contra mim, alta desgraça, Se cresce para mim, alta ventura.
Se cresce por chegar-me à mor loucura, Para seres mais dura, e mais escassa, Tal rosto se não mude, antes se faça Mais firme do que a minha desventura.
De que pode servir, seres mais bela, Ver-vos mais soberana, e desdenhosa?
Dai ao demo a beleza, que atropela, Bendita seja a feia, e a ranhosa, Que roga, que suspira, e se desvela Por dar-se toda a troco de uma prosa.
HUMA TARDE ENTROU O POETA EM CASA DESTA DAMA, QUE ESTAVA NO
INTERIOR ENOJOADA PELA MORTE DE SUA MÃE, E COMO ERA HOMEM
DIVERTIDO, TANGEU NUMA VIOLLA, QUE ACASO VIO, PONDO A VIOLLA
OS SENTIMENTOS DE BARBORA: E ELLA ENFURECIDA LHE DISSE ALGUMAS
INJURIAS.
Babu: dai graças a Deus, que um dia vos vi bonita, não tendes mais que andar sempre raivosa para ser linda.
Apareceste na sala tão fera, e tão raivosinha, que à fé, que vos tive medo, sendo homem, e vós menina.
Vi a escarlata co'a neve tão casada, e tão unida na face do vosso rosto, que sangrado o presumia.
Devia de ser vergonha, que o vosso rosto então tinha de ver-se ante quem o adora, sendo vós de ingrata indigna.
Os olhos vibrando raios, porque sempre raios vibra o céu incendido em fogo, ou encapotado em ira.
Agastastes-vos deveras, vendo, que ali se tangia em uma casa enojada tão enlutada, e sentida.
Deus me não salve a minha alma, se eu então vos conhecia, porque vós não sois magreira, e por ética vos tinha.
Levantei-me da cadeira sem saber, o que fazia, que me tinha perturbado tão supitânea visita.
Destes-me quatro razões, que eram quatro mil faíscas do fogo da vossa raiva em o meu erro incendidas Inda assim vos respondi dois verbos em cortesia, que a beleza foi respeito, e a fraqueza é comedida.
Fostes-vos lá para fora vagarosamente altiva, paráveis de quando em quando, e olháveis de travessia.
Eu logo me pus na rua, e perguntando a Matias quem era aquela Senhora, disse, que era minha Tia.
Fiquei entendendo então, que vós só por seres vista tomastes do meu cantar aquele pé de cantiga.
Já não hei de cantar mais, nem que o mande a minha amiga, chorareis vossa dureza, chorarei minha mofina.
COLHE-SE DO ESTILO DESTAS OBRAS QUE O AMOR DESTA DAMA NÃO
INQUIETAVA AO POETA.
Babu: como há de ser isto?
eu já me sinto acabar, e estou tão intercadente, que não chegue até amanhã.
Morro de vossa beleza, se ela me há de matar, como creio, que me mata, formosa morte será.
Mas seja formosa, ou feia, se o Deão me há de enterrar, por mais formosa que seja, sempre caveira será.
Todos aqui desconfiam tudo é já desconfiar da minha vida os doutores e eu do vosso natural.
Desconfio, de que abrande vosso rigor pertinaz, e a minha vida sem cura sem dúvida acabará.
Porque se estais incurável, e tão sem remédio vai o achaque de não querer-me, e o mal de querer-me mal:
Que esperança posso ter, ou que remédio há capaz, se vós sois a minha vida, e morreis por me matar?
Amor é união das almas em conformidade tal, que, porque estais sem remédio, por contágio me matais.
Curai-me do mal querer-me, e do fastio, em que estais à minha triste figura, que ao demo enfastiará.
Comei, e seja o bocado, que corn gosto se vos dá, porque em vós convalescendo, então me hei de eu levantar.
Assim sararemos ambos, porque se vós enfermais pelo contágio, o remédio por simpatia será.
Vós, Babu, virais-me as costas?
pois eu feito outro que tal, estou às portas da morte, e a fala me falta já.
Quero fazer testamento;
mas já não posso falar, que vós por costume antigo sempre a fala me quitais.
Mas testarei por acenos, que tudo em direito há e se por louco não posso, posso por louco em amar.
Todos meus bens, se os tivera.
os deixara a vós não mais, mas deixo-vos para os outros, que é, o que posso deixar.
Se hei de deixar-me a vós quantos bens no mundo há, em vos deixar a vós mesma, arto deixada ficais.
Em sufrágios da minha alma não gasteis o cabedal, que aos vossos rigores feito, penas não hei de estranhar.
Mas se por minhas virtudes, ou se por vos jejuar, ou se por tantas novenas, que à vossa imagem fiz já:
Vos mereço algum perdão dos pecados, que fiz cá, assim em vos perseguir, como em vos desagradar:
Com as mãos postas vos peço, que no vosso universal juízo mandeis minha alma ao vosso céu descansar.
Não a mandeis ao inferno que arto inferno passou cá, Adeus, apertai-me a mão, que eu já vou a enterrar.
ENFERMOU E O POETA DA VISTA DE BARBORA, FEZ O SEU TESTAMENTO, E
ACABOU OS DIAS: MAS APENAS FOY VISTO PELA MESMA DAMA LOGO
RESURGIO PARA NOVAS FINEZAS: E ISTO HE SER LAZARO DE AMOR. DIZ, QUE
SE HA DE CASAR COM BARBORA, E EM CONSCIENCIA O PODIA FAZER: PORQUE
QUEM RESURGE, NÃO ESTÁ OBRIGADO AO PRIMEYRO MATRIMONIO.
1 Ontem para ressurgir vos tornei, Babu, a ver, e tornou-se-me a acender o gosto de vos servir:
não vos quereis persuadir, a que eu com todo o primor mereça o vosso favor, porque em casando-me absorto cuida o Brasil, que sou morto para negócios de amor.
2 O Brasil é um velhaco, um falso, e um embusteiro, porque ou casado, ou solteiro quanto ensaco, desensaco:
e a vez que me desataco, a pecúnia tanta, ou quanta deu por pagar mercê tanta;
porque sei, que na Bahia a coisa por qualquer via val, conforme se levanta.
3 Se por casado não sigo a dita de vos servir, daqui venho a inferir, que quereis casar comigo:
casemo-nos, que o perigo, que eu corro, é ser açoutado por duas vezes casado;
e quando nisto me encoutem, que me dá a mim, que me açoutem depois de vos ter logrado?
4 A Cota, que é toda treta, vendo, que o algoz madraço me vai limpando o espinhaço com toalha de vaqueta, rirá como uma doideta, e dando um, e outro amém, alegre dirá, inda bem, que me deu Deus um cunhado homem de bem no costado, e nas costas de rebém.
5 Ora sus, minha Senhora já me canso de esperar, dai-vos pressa a me chamar, e não seja ali a desoras:
que para quem se namora de vários aventureiros, se os quer trazer prazenteiros, há de ter sempre chamados ao meio-dia os casados, e à meia-noite os solteiros.
ESTA CANTIGA ACCOMODA O POETA COM PROPORÇÃO À BARBORA PELO
NOME E TRATO, NÃO DEYXANDO DE FORA OS SEUS AMANTES DEZEJOS.
MOTE
Pobre de ti, Barboleta, imitação do meu mal, que ern chegando ao fogo morres, porque morres, por chegar.
1 Passeias em giro a chama, simples Barboleta, em hora, que se a chama te enamora, teu mesmo estrago te chama:
se o seu precipício ama, quem o seu mal inquieta, e tu simples, e indiscreta tens por formosura grata luz, que traidora te mata, Pobre de ti, Barboleta.
2 Ou tu imitas meu ser, ou eu tua natureza, pois na luz de uma beleza, ando ardendo por arder:
se à luz, que vejo acender, te arrojas tão cega, e tal que imitas ao natural, com que arder por ti me vês, me obrigas a dizer, que és Imitação do meu mal.
3 És, Barboleta, comua, pois a toda luz te botas, e eu cego, se bem o notas, sou só, Barboleta, tua:
qualquer segue a estrela sua, mas tu melhor te socorres, quando em fogo algum te torres, porque eu nunca ao fogo chego, e tu logras tal sossego, Que em chegando ao fogo morres.
4 Tu mais feliz, ao que entendo, inda que percas a vida, porque a dá por bem perdida, quem vive de andar morrendo:
eu não morro, e o pertendo, porque falta a meu pesar a fortuna de acabar:
tu morres, e tu sossegas, e vais morta, quando cegas, Porque morres por chegar.
AMOROSA HYPOCREZIA DE CONFORMIDADE EM PENAS.
Deus vos dê vida, Babu, para tirar-me, a que tenho, que segundo usais comigo, eu vos não sinto outro jeito.
Todo o bairro sente o dano, que ides ao bairro fazendo, só eu não sinto o meu mal, mas antes vo-lo agradeço.
Porque se a vossa beleza é causa do meu tormento, como hei de sentir meu mal, se é tão forçoso, e tão belo.
Matai-me, embora, contanto que saibam, que estou morrendo, Babu, de vossa beleza, porque entendam, que o mereço.
Quem perder por vós a vida, e com tal merecimento, que chegue a morrer por vós, que mais quer, que merecê-lo?
É verdade, que lastimo, aos que assim me vêem morrendo, que a glória do padecer não pode entendê-la um néscio.
Lástima os néscios me têm, e poderão ter-me os néscios de ver-me morrer inveja, mais de que ver-me vivendo.
Viver, não pode, quem ama, e eu olvidar-vos não quero, se hei de morrer, quando amo, e viver, quando aborreço.
Morra embora de adorar-vos, que este é formoso tormento, esta a suave agonia, este o pesar lisonjeiro.
Dai-me licença, que escolha, nestes dois contrários meios antes morrer por amar-vos, que viver de aborrecer-vos.
DE HUMA QUEDA QUE DEO O POETA EM CASA DESTA BARBORA, ERGUE NOVOS
CONCEYTOS À SUA ROGATIVA.
Fui, Babu, à vossa casa e indo com sentido em mim, do sentido combatido vim finalmente a cair.
Com cair a vossos pés nenhum resguardo senti, porque eram vossos sapatos poucos para me cobrir.
Fui reverente a beijá-los, e querendo-o conseguir sobrou boca, e faltou pé, e assim os beijos perdi.
Que com pé tão pequenino tão abreviado, e sutil uma boca desmedida faz maridagem ruim.
Ergui-me por melhorar, e então menos consegui, que se os pés por si me fogem, vós cos braços me fugis.
Fiquei muito envergonhado, e em caso tão infeliz envergonhei-me de ver-vos, porém não me arrependi.
Mas se o meu sangue, e meus rogos, vos não podem persuadir, verta-se o sangue em dilúvios, e os rogos em frenesi.
Não se quis o meu rogado, pois no instante, em que vos vi, se inclinou meu sangue ao vosso, e rebentou por se unir.
Para queimardes-me o sangue, me matar, e me afligir rogos não são necessários, para admitir-me isso sim.
E tão bom dia, que bastem para um amor se admitir, pois rogar, a quem não ama, é tão mau, como pedir.
Por isso nunca vos peço, que não sois vós a Beatriz, que me hei de fazer ditoso com vossa graga a ceitis.
Pois por dar-vos desenganos vós, como os dou a mim, sabei, que hei de sempre amar-vos uma vez, que bem vos vi.
Pois esse rosto de neve, esses dedos de jesmim, esse Maio florescente de boca, que bota Abris, Me estão sempre aconselhando, que vos queira, pois vos quis, que vos sofra, pois vos amo, vos busque, pois vos perdi.
AO MESMO ASSUMPTO.
1 Babu: o ter eu caído, nenhum susto me tem dado, porque a vossos pés prostrado me julgo então mais subido:
direis, que fiquei sentido:
mas sabei, que não sentira, inda que me não subira o cair, onde caí, se como no chão me vi, convosco em terra me vira.
2 Porém que isso me suceda, por mais quedas, que inda dê, não creio, pois vejo, que não tenho convosco queda, vossa crueza me veda este bem, que entanto abraço:
quem viu semelhante passo, que encontre meu desvario, Babu, em vosso desvio a minha queda embaraço?
3 Confesso, que então caído fiz tenção de me sangrar, mas não me quis mais picar, porque assaz fiquei corrido:
não andei pouco advertido (falo, como quem vos ama)
porque eu sei, formosa Darna, que por mais que me sangrasse livre estou, de que chegasse a ver-me por vós na cama.
4 E com toda essa desgraça por satisfeito me dera, se com cair merecera sequer cair-vos em graça:
mas porque, Babu, eu faça desta queda estimação inda sobeja razão, se a queda motivo é de prostar-me a vosso pé, para beijar-vos a mão.
VENDO-SE FINALMENTE EM HUMA OCCASIÃO TAM PERSEGUIDA ESTA DAMA
DO POETA, ASSENTIO NO PREMIO DE SUAS FINEZAS; COM CONDIÇÃO POREM, QUE SE QUERIA PRIMEYRO LAVAR; AO QUE ELLE RESPONDEO COM A SUA
COSTUMADA JOCOSERIA.
1 O lavar depois importa, porque antes em água fria estarei eu noite, e dia batendo-vos sempre à porta:
depois que um homem aporta, faz bem força por entrar, e se hei de o postigo achar fechado com frialdade, antes quero a sujidade, porque enfim me hei de atochar.
2 Não serve o falar de fora, Babu, vós bem o sabeis, dai-me em modo, que atocheis, e esteja ele sujo embora:
e se achais, minha Senhora, que estes são os meus senãos, não fiquem meus gostos vãos, nem vós por isso amuada, que ou lavada, ou não lavada cousa é, de que levo as mãos.
3 Lavai-vos, minha Babu, cada vez que vós quiseres, já que aqui são as mulheres lavandeiras do seu cu:
juro-vos por Berzabu, que me dava algum pesar vosso contínuo lavar, e agora estou nisso lhano, pois nunca se lava o pano, senão para se esfregar.
4 A que se esfrega amiúdo se há de amiúdo lavar, porque lavar, e esfregar quase a um tempo se faz tudo:
se vós por modo sisudo o quereis sempre lavado, passe: e se tendes cuidado de lavar o vosso cujo por meu esfregão ser sujo, já me dou por agravado.
5 Lavar a carne é desgraça em toda a parte do Norte, porque diz, que dessa sorte perde a carne o sal, e graça:
e se vós por esta traça lhe tirais ao passarete o sal, a graça, e o cheirete, em pouco a dúvida topa, se me quereis dar a sopa, dai-ma com todo o sainete.
6 Se reparais na limpeza, ides enganada em suma, porque em tirando-se a escuma, fica a carne uma pureza:
fiai da minha destreza, que nesse apertado caso vos hei de escumar o vaso com tal acerto, e escolha, que há de recender a olha desde o Nascente ao Ocaso.
7 As Damas, que mais lavadas costumam trazer as peças, e disso se prezam, essas são Damas mais deslavadas:
porque vivendo aplicadas a lavar-se, e mais lavar-se deviam desenganar-se, de que se não lavam bem, porque mal se lava, quem se lava para sujar-se.
8 Lavar para me sujar isso é sujar-me em verdade, lavar para a sujidade fora melhor não lavar:
do que serve pois andar lavando antes que mo deis?
Lavai-vos, quando o sujeis, e porque vos fique o ensaio, depois de foder lavai-o, mas antes não o laveis.
A BARBORA HUMA MULATA MERETRIZ A QUEM CERTOS FRADES LHE
PASSARAM HUM GERAL, DO QUAL FICOU TAM PERIGOSA QUE VEIO A
SACRAMENTAR-SE.
1 Não era muito, Babu, o sentires dor de madre, se vos pespegou um Padre, ou Padres o sururu:
grandes poderes tens tu, e vigor mais que papal, que no clima Americal, onde um Rodela te topa, estando fora de Europa, escamastes um geral.
2 A Macotinha, e Jelu, Luísa, e Inácia levaram o geral, porém ficaram, não como ficaste tu:
ou foi o caralho açu, que o interno te burniu, porque jamais ninguém viu, que molestasse um caralho, havendo tanto escorralho, como o teu vaso cumpriu.
3 Se fora a primeira vez, seria por fraca via, mas a tua serventia mil velhacarias fez:
e se tu tão puta és, e sentisse o tal baldão, qualquer era fradigão, dos que dão treze por dúzia, e já que foste brandúzia, sente a dor do madrigão.
4 Chegaste do caso tal, a tomares o Senhor, e fora muito melhor dar-te Berzabu bestial:
que quem pecado mortal comete, e dele enfermou logo o diabo o levou, e quem se serve do demo, navegando a vela, e remo nos infernos ancorou.
Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos,
3ª edição, Editora Record,Rio de Janeiro, 1992.