O Touro Negro
PREFÁCIO DA 1 ª EDIÇÂO
Em todas as coleções de obras completas dos grandes escritores, organizadas depois da morte deles, há sempre um volume em que se reúnem os trabalhos avulsos e que não tiveram, em vida do respectivo autor, as honras do livro, esquecidos ou perdidos, até então, nas páginas efêmeras das gazetas, onde foram inicialmente publicados. Nas OBRAS
COMPLETAS, de Aluízio Azevedo, ora editadas pelos Srs. F. Briguiet e Cia, esse volume é -
O TOURO NEGRO. Dai certa falta de homogeneidade entre os trabalhos - crônicas, fantasias, cartas - que o compõem. Uma miscelânea de cousas antigas, um "pot-pourri" de assuntos olvidados durante largo tempo, em que, porém, rebrilha vivaz e magnificamente o espírito de Aluízio Azevedo, dividido em pequeninos bocados por motivos vários, por intenções diversas e, não raro, dispares. Mas, que, não há como negar, em cada um deles estão palpitantes de seiva e de elegância verbal, as mesmas qualidades do escritor que em tudo se denunciava o notável romancista maranhense.
Aluízio sabia ser leve ou profundo à feição do assunto de que se ocupava. Este volume testemunhará - "per secula seculorum" - esta verdade. Leiam-se as páginas do O TOURO
NEORO - impressão realista de uma tourada na Espanha, que, pelo seu vigor, pelo apurado do desenho, pelo colorido das imagens, pela segurança dos conceitos, em nada deixa a desejar, mesmo aos paladares mais requintados e exigentes, mesmo aqueles que antes hajam lido as impressões da "Última corrida de touros em Salvaterra", de Rabelo da Silva.
Aluízio Azevedo as teria lido antes de escrever o seu conto encantador? Sou propenso a afirmar que não. Embora muito lido, parece-me magro o seu cabedal de conhecimento dos autores clássicos portugueses, se bem que cite um ou outro na sua correspondência a Xavier Batista. Mas, mesmo que os tivesse liso, isso certo há muitos anos, e que no seu subconsciente houvesse ainda resquícios dessa leitura, em nada, absolutamente em nada, isso concorreu para a feitura de O Touro Negro, páginas de um impressionismo fortíssimo e de um vigoroso e empolgante realismo, que de modo algum lembram os do ilustre e reputado clássico português.
O TOURO NEGRO - é uma água-forte, como as sabia fazer o gênio eminente de Durer.
A seguir, neste livro, outras páginas de rara concisão na translação de pensamentos profundos e sábios - HAMLETO. Jamais li, em autores brasileiros ou portugueses, cousa que se pareça aos conceitos emitidos por Aluízio sobre os enigmáticos personagens de Shakespeare. Mas, ao lado desses primores, vêm RENDAS E FITAS e FLUXO E REFLUXO, este, uma facécia no gênero do "Salto de Leucade", de Joaquim Serra, e que são duas peças leves, elegantes, encantadoras de verve, de "humour", de ironia.
E o volume foi assim organizado. Há também a crítica literária, há um nada de costumes, há um pouco de conto, de fantasia, de humorismo. Termina o livro uma série de cartas de Aluísio para diversos amigos, já divulgadas pela "Revista da Academia Brasileira de Letras", proficientemente anotadas pelo Sr. Fernando Nery, competente escritor patrício, chefe da Secretaria desse instituto de letras. Sendo os seus comentários elucidativos, foram eles -
"data vênia" - aproveitados nesta nova publicação.
Uma última nota sobre a organização deste volume. Salvo o primeiro trabalho - O TOURO
NEGRO - que dá título ao livro e que é de Nápoles, Agosto de 1910, assim o mais recente de todos os que aqui se reúnem, os demais seguem a ordem cronológica de aparecimento, que data de 1882 a 1903. Isso mostrará que se naquela remota cifra, já Aluízio era um escritor de apurado gosto e de fartos recursos de dicção, demonstrará de outra parte o formoso e límpido esmero a que alcançou, escrevendo em português, não apenas correto, mas elegante e saboroso, flexível de frase e sóbrio de adjetivação, apropriada e justa, perfeitamente amoldada às exigências do assunto. Simplicidade maravilhosa essa - desespero dos que começam - que os grandes mestres somente conseguem atingir depois de muito estudo, acurada aplicação e constante sacrifício de arabescos e ornatos tão caros aos neófitos e principiantes.
Essa deliciosa simplicidade é igualmente constatada na correspondência de Aluízio com que se encerra este volume. Que medida, que equilíbrio, que propriedade de expressão! Destarte, as páginas do epistolário de Aluízio, serão um suculento manjar mental para os que se habituaram a amar e a querer o notável romancista do O MULATO, CASA DE PENSÃO, O
CORTIÇO, O CORUJA, O HOMEM e LIVRO DE UMA SOGRA, que sai desta prova ainda maior, ainda mais forte e com melhores e mais legítimos predicados para ser querido e amado por seus numerosos leitores.
M. Nogueira da Silva.