Textos
Textos para uso geral de domínio público.

O Paulo

Se o senhor conhecesse o meu amigo Paulo, com certeza o estimaria: era um excelente rapaz, um belo camarada.
Há dezesseis anos que ele se tinha casado, por amor, com uma linda moça, e nunca houve marido mais amante, mais solícito, mais cumpridor dos seus deveres, para empregar aqui esta frase cômoda, em que o vulgo envolve todas as virtudes maritais.
Ao cabo de um ano de casamento, nasceu ao Paulo uma filha que completou a sua felicidade, e fez com que ele se considerasse a mais venturosa das criaturas humanas.
Essa ilusão durou muito tempo, durou até o dia em que o pobre rapaz, perdendo o emprego que tinha, e arranjando outro menos rendoso, foi obrigado a mudar-se para uma casa mais modesta e a restringir as suas despesas. A mulher, que gostava muito de se embonecar e de se divertir, achou que isso era a miséria e o deu a perceber ao marido. Este afligiu-se tanto que adoeceu.
Em janeiro deste ano, uma tarde, voltando para casa, depois do trabalho, o Paulo não encontrou a mulher.
- Que é de tua mãe? - perguntou à filha.
- Saiu; não me disse onde ia, mas deixou uma carta para papai.
Ele sentiu logo um grande abalo no coração e teve um terrível pressentimento. As mulheres que abandonam o domicílio conjugal fazem, por via de regra, como os homens que se matam: deixam uma carta. O Paulo sabia disso e tremeu.
Nã0 se enganava. A desgraçada deixou-o e deixou também a filha, uma pobre moça de quatorze anos, que precisava tanto dos cuidados maternos.
O Paulo era forte de coração, mas fraco de espírito; o golpe aniquilou-o; entretanto, fez das fraquezas força e continuou a viver e a trabalhar por amor da filha, que confiou a uma família amiga.
Passados alguns meses, a mulher, que tinha ido viver em companhia de um amante, sentiu saudades da menina, e tentou reavê-la. Não o conseguindo, naturalmente, por meio de súplicas e sabendo que não tinha a lei por si, a desgraçada teve uma idéia monstruosa, talvez sugerida pelo seu digno amante: escreveu uma carta ao marido afiançando-lhe que ele não era pai daquela criança.
A carta infame produziu o desejado efeito: o pobre Paulo, depois de alguns dias de profunda melancolia, teve um violento acesso de loucura e foi internado no Hospício.
Ao cabo de algum tempo foi removido para a casa de um parente, mas durou apenas uma semana. Faleceu anteontem e foi enterrado ontem.
A viúva provavelmente vai casar-se com o amante, e a infeliz menina ficará sob a tutela do padrasto.
Aí tem, meu ilustre amigo, um caso que se passou neste ano de 1908, caso verídico e pungente pelo qual substituo hoje um conto inventado, sem mesmo disfarçar o nome do meu desventurado amigo, que se chamava realmente Paulo.


Domínio Público Gov.BR


Compartilhe esse texto!

O que você achou desse texto?

Comente abaixo e participe!

0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Os comentários não representam a opinião do site e seus parceiros. A responsabilidade do conteúdo da mensagem é unicamente do autor do comentário.