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Textos para uso geral de domínio público.

Tratado da Terra do Brasil

TRATADO DA TERRA DO BRASIL, NO QUAL SE CONTEM A INFORMAÇÃO DAS COUSAS
QUE HÁ NESTAS PARTES, FEITO POR PERO DE MAGALHÃES

Ao mui alto e Sereníssimo Príncipe dom Henrique, Cardeal, Infante de Portugal.
Posto que os dias passados apresentei outro summario da terra do Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta obrigação de Vassallo que todos devemos a nosso Rei: e por esta razão me pareceu cousa mui necessaria (muito Alto e Sereníssimo Senhor) offerecer também este a V. A. a quem se devem referir os louvores e accrescentamento das terras que nestes Reinos florecem: pois sempre desejou tanto augmentá-las, e conservar seus Subditos e Vassallos em perpetua paz. Como eu isto entenda, e conheça quam acceitos são os bons serviços a V. A. que ao Reino se fazem imaginei comigo que podia trazer destas partes com que désse testemunho de minha pura tenção: e achei que não se podia dum fraco homem esperar maior serviço (ainda que tal não pareça) que lançar mão desta informação da terra do Brasil (cousa que ategora não empreendeu pessôa alguma) pera que nestes Reinos se divulgue sua fertilidade e provoque a muitas pessoas pobres que se vão viver a esta provincia, que nisso consiste a felicidade e augmento della. E por que V. A. sabe quanto serviço de Deos e del-Rey nosso Senhor seja esta denunciação, determinei colligi-la com deliberação de a offerecer a V. A. a quem humilmente peço ma receba, e com tamanha mercê ficarei satisfeito rogando a nosso Senhor lhe dê prosperos e largissimos annos de Vida, e deixe permanecer seu Real estado em perpetua felicidade. Amem.
Pero de Magalhães Humilde Vassallo de S. A.
PROLOGO AO LECTOR
Minha tenção não foi outra neste summario (discreto e curioso lector) senão denunciar em breves palavras a fertilidade e abundancia da terra do Brasil, para que esta fama venha a noticia de muitas pessoas que nestes Reinos vivem com pobreza, e não duvidem escolhe-la para seu remedio; por que a mesma terra he tam natural e favoravel aos estranhos que a todos agazalha e convida como remedio por pobres e desemparados que sejão. E assi cada vez se vai fazendo mais prospera, e depois que as terras viçosas se forem povoando (que agora estão desertas por falta de gente) hão de se fazer nellas grossas fazendas como já estão feitas nas que possuem os moradores da terra, e também se espera desta provincia que por tempo floreça tanto na riqueza como as Antilhas de Castella por que he certo ser em si a terra mui rica e haver nella muitos metaes, os quaes ataegora se não descobrem ou por não haver gente na terra pera cometer esta empreza, ou tambem por negligencia dos moradores que se não querem dispor a esse trabalho: qual seja a causa por que o deixão de fazer não sei. Mas permitirá nosso Senhor que ainda em nossos dias se descubram nella grandes thesouros, assi para serviço a augmento de S. A., como pera proveito de seus Vassallos que o desejão servir.
DECLARAÇÃO DA COSTA
Esta costa do Brasil está pera a parte do occidente, corre-se Norte e Sul . Da primeira povoação até derradeira ha trezentas e cinco legoas. São oito Capitanias, todas têm portos mui seguros onde podem entrar quaesquer naos por grandes que sejão. Não ha pela terra de povoações de portuguezes por causa dos indios que não no consentem e tambem pelo socorro e tratos do Reino lhes he necessario estarem junto ao mar pera terem comunicação de mercadorias. E por este peito vivem todos junto da Costa.
CAPÍTULO PRIMEIRO
DA CAPITANIA DE TAMARACÁ A povoação da primeira Capitania, e mais antiga está numa ilha que se chama Tamaracá pegada com a terra firme; tem tres legoas de comprido e duas de largo. Tem trinta e cinco legoas de terra pela Costa pera o Norte. He de dona Jeronima Dalbuquerque, mulher que foi de Pero Lopes de Sousa, na qual tem posto Capitão de sua mão. Ha nella hum engenho dassucre e agora se fazem dous novamente e muito pau do Brasil e algodão. Póde ter até cem vizinhos. Ha nesta Capitania muitas e boas terras pera se povoarem e fazerem nellas fazendas.
CAPÍTULO SEGUNDO
DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO
A Capitania de Phernambuco está cinco legoas de Tamaracá pera o Sul em altura de oito graos, da qual he Capitão e governador Duarte Coelho Dalbuquerque. Tem duas povoaçõess a principal se chama Olinda, a outra Guarassú, que está quatro legoas pela terra dentro. Haverá nesta Capitania mil vizinhos.
Tem vinte e tres engenhos dassucre posto que destes tres ou quatro não são ainda acabados.
Alguns moem com bois, a estes chamão trapiches, fazem menos assucre que os outros: mas a maior parte dos engenhos do Brasil moem com agoa. Cada engenho destes hum por outro, faz tres mil arrobas cada anno, nesta Capitania se fazem mais assucres que nas outras, por que houve anno que passarão de cincoenta mil arrobas, ainda que o rendimento delles não he certo, são segundo as novidades e os tempos que se offerecem. Esta se acha huma das ricas terras do Brasil, tem muitos escravos indios que he a principal fazenda da terra. Daqui os levão e compram pera todas as outras Capitanias, por que ha nesta muitos, e mais baratos que em tôda a Costa: ha muito pao do Brasil e algodão de que enriquecem os moradores desta Capitania. O porto onde os navios entrão está huma legoa da povoação Olinda;
servem-se pela praia etambem por hum rio pequeno que vai dar junto da mesma povoação. A esta Capitania vão cada anno mais navios do Reino que a nenhuma das outras. Ha nella hum mosteiro de Padres da Companhia de Jesus.
RIOS
Há dous Rios caudaes até a Bahia de Todos os Santos; hum se chama de São Francisco, está em dez graos e meio, o qual entra no mar com tanta furia que vinte legoas pelo mesmo mar correm suas agoas.
Outro Rio está em onze graos e dous tercos que se chama o Rio Real, tambem he mui grande e correm suas aqoas pelo mar.
CAPÍTULO TERCEIRO
DA CAPITANIA DA BAHIA DE TODOS OS SANTOS
A Capitania da Bahia de Todos os Santos está cem legoas de Phernambuco em altura de treze graos.
Terra del-Rei nosso Senhor, onde residem os governadores e bispo e Ouvidor geral de toda a Costa. Esta he a terra mais povoada de portuguezes que ha no Brasil. Tem tres povoações, a principal he a Cidade do Salvador. A outra se chama Villa Velha que está junto da barra. Esta povoação foi a primeira que houve nesta Capitania: depois Thomé de Sousa, sendo governador, edificou esta Cidade do Salvador mais adiante meia legoa ao longo da Bahia por ser lugar mais conveniente e proveitoso pera os moradores da terra. Quatro legoas pela terra dentro está outra que se chama Paripe. Póde haver nesta capitania mil e cem vizinhos. Tem dezoito engenhos, alguns se fazem novamente. Também se tira delles, muito assucre, ainda que os moradores se lançam mais ao algodão que a canas dassucres por que se dá melhor na terra.
Dentro da Cidade está hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus, na qual têm Collegio onde ensinam latim e casos de consciencia. Afora este ha cinco egrejas pela terra dentro entre os indios forros, onde residem alguns padres pera fazerem christãos e casarem os mesmos indios por não estarem amancebados.
Esta Capitania tem huma bahia mui grande e fermosa, ha tres legoas de largo, e navega-se quinze por ella dentro, tem muitas ilhas de terras mui viçosas que dão infinito algodão; divide-se em muitas partes esta bahia: e tem muitos braços e enseadas dentro. Os moradores da terra todos se servem por ella com barcos pera suas fazendas.
RIOS
Doze legoas desta Bahia de Todos os Santos está hum Rio que se chama Tinharé, onde se recolhem muitas embarcações que passão pera as outras Capitanias. Tres legoas por elle dentro está hum engenho dum Bastiam de Ponte, junto do qual estão muitas terras perdidas por falta de moradores, das quaes se conseguiria muito proveito se as povoassem. Mais avante seis legoas está hum Rio que se chama Camamú em treze graos e meio no qual podem entrar quaesquer naos seguramente quatro, cinco legoas por elle dentro.
Ao longo deste Rio ha terras mui viçosas e muitas agoas pera se poderem fazer engenhos dassucre, as quaes tambem se perdem por não haver gente que as vá povoar. Tém dentro algumas ilhas de terras mui grossas e acomodadas pera se fazerem nellas muita fazenda. Nesse mesmo Rio ha muito peixe em estremo, e junto delle muita infinita caça de porcos e veados. Aqui se póde fazer huma povoação, onde os homens vivão mui abastados e fação muitas fazendas. Ha outro que se chama o Rio das Contas, está em quatorze graos e meio, mas não he tam grande, ainda que tambem entram nelle algumas embarcações. Em todos estes Rios ha muita abundancia de peixes e de caça.
CAPÍTULO QUARTO
DA CAPITANIA DOS ILHEOS
A Capitania dos llheos está trinta legoas da Bahia de Todos os Santos em quatorze graos e dous terços;
he de Francisco Giraldes na qual tem posto Capitão de sua mão. Pode haver nella duzentos vizinhos.
Tem hum Rio onde os navios entrão, o qual está junto da povoação, divide-se em muitas partes pela terra dentro, servem-se os moradores por elle pera suas fazendas em almadias. Há nesta Capitania oito engenhos dassucre. Dentro da povoação está hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus que agora se faz novamente.
Sete legoas da mesma povoação pela terra dentro está huma lagoa doce que tem tres legoas de comprido e tres de largo e tem dez, quinze braças de fundo e dahi pera cima. Sae della hum Rio pequeno pelo qual vão lá ter barcos. Tem esta lagoa hum local neste Rio, tão estreito, que apenas cabe um barco por elle, e depois que anda dentro quasi não sabe determinar por onde entrou. Tem tanta abundancia dagoa que podem andar nella quaesquer naos, por grandes que sejão, á vela; e assi quando venta muito, alevantão-se alli ondas tão furiosas como se fosse no meio do mar com tormenta. Tem muita infinidade de peixes grandes e pequenos. Crião-se nella muitos Peixes-bois, os quaes têm o focinho como de boi e dous cotos com que nadão á maneira de braços; não têm nenhuma escama nem outra feição de peixe se não o rabo. Matão-nos com arpões, são tão gordos e tamanhos que alguns pesão trinta, quarenta arrobas.
He hum peixe muito sabroso e totalmente parece carne e assi tem o gosto della; assado parece lombo de porco ou de veado, coze-se com couves, e guiza-se como carne, nem pessoa alguma o come que o tenha por peixe, salvo se o conhecer primeiro. As femeas têm duas mamas pelas quaes mamão os filhos, crião-se com leite (cousa que se não acha noutro peixe algum): tambem ha destes em algumas bahias e rios desta Costa e posto que se criem no mar costumão beber agoa doce, por isso acodem muitos a esta lagoa ou a parte onde algum ribeiro se meta no mar. Tambem ha muitos tubarões nesta lagoa, e lagartos e muitas cobras. E achão-se nella outros monstros marinhos de diversas maneiras. Há muitas terras e mui viçosas arredor della, e muita caça; e neste rio que sae da lagoa muita fertilidade de peixe. Finalmente que huma das abastadas terras de mantimentos que ha no Brasil he esta Capitania dos ilheos.
CAPÍTULO QUINTO
DUMA NAÇÃO DE GENTIO QUE SE ACHA NESTA CAPITANIA
Pelas terras desta Capitania até junto do Spirito Santo, se acha huma certa nação de gentio que veio do sertão há cinco ou seis annos, e dizem que outros indios contrarios destes, vierão sobre elles a suas terras, e os destruirão todos e os que fugirão são estes que andão pela Costa. Chamão-se Aymorés, a lingoa delles he differente dos outros indios, ninguem os entende, são elles tam altos e tam largos de corpo que quasi parecem gigantes; são mui alvos, não têm parecer dos outros indios na terra nem têm casas nem povoações onde morem, vivem entre os matos como brutos animaes; são mui forçosos em estremo, trazem huns arcos mui compridos e grossos conforme a suas forças e as frechas da mesma maneira.
Estes indios têm feito muito dano aos moradores depois que vierão a esta Costa e mortos alguns portuguezes e escravos, porque são inimigos de toda gente. Não pelejão em campo nem têm animo para isso, põem-se entre o mato junto dalgum caminho e tanto que passa alguem atirão-lhe ao coração ou a parte onde o matem e não despedem frecha que não na empreguem. Finalmente, que não têm rosto direito a ninguem, senão a traição fazem a sua. As mulheres trazem huns paos tostados com que pelejão.
Estes indios não vivem senão pela frecha, seu mantimento he caça, bichos e carne humana, fazem fogo debaixo do chão por não serem sentidos nem saberem onde andão. Muitas terras viçosas estão perdidas junto desta Capitania as quaes não são possuidas dos portuguezes por causa destes indios. Não se pode achar remedio pera os destruirem porque não têm morada certa, nem saem nunca dentre o matto: E assi quando cuidamos que vão fugindo ante quem os persege, então ficam atraz escondidos e atirão aos que passão descuidados. Desta maneira matão alguma gente. Todos quantos indios ha no Brasil são seus inimigos e temem-nos muito, porque he gente atreiçoada. E assi onde os ha nenhum morador vai a sua fazenda por terra que não leve quinze vinte es cravos consigo de carcos e fréchas. Estes Aymorés são mui feroz e crueis, não se pode com palavras encarecer a dureza desta gente. Não andao todos Juntos, derramão-se por muitas partes, e quando se querem ajuntar assobiam como passaros ou como bogios de maneira que huns aos outros se entendem e se conhecem Tambem os portuguezes matão alguns delles, e têm muitos destruidos principalmente nesta Capitania dos llheos, e guardão-se muito delles, porque já sabem suas manhas e conhecem mui bem sua malicia.
CAPÍTULO SEXTO
DA CAPITANIA DE PORTO SEGURO
A Capitania de Porto Seguro está trinta legoas dos Ilheos em dezaseis graos e meio. He do Duque d'Aveiro, na qual tem posto Capitão de sua mão . Tem tres povoações, a principal he Porto Seguro, que está junto do porto onde os navios entrão. Outra está dahi huma legoa que se chama Santo Amaro; outra Santa Cruz, que está dahi quatro legoas pera o Norte. Pode haver nesta Capitania duzentos e vinte vizinhos. Tem cinco engenhos dassucre. Ha nella hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus.
Tambem chegão a esta Capitania os Aymorés e fazem nella dano aos moradores como nos Ilheos. He terra mui abastada de caça, e de peixes que matão no rio que está junto da povoação.
CAPÍTULO SÉTIMO
DA CAPITANIA DO SPIRITO SANTO
A Capitania do Spirito Santo está cincoenta legoas de Porto Seguro em vinte graos, da qual he Capitão e governador Vasco Fernandes Coutinho. Tem hum engenho somente, tira-se delle o melhor assucre que ha em todo o Brasil. Pode ter até cento e oitenta vizinhos. Há dentro da povoação hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus,. Tem hum rio mui grande onde os navios entrão, no qual se achão mais peixes bois que noutro nenhum rio desta Costa. No mar junto desta Capitania matão grande copia de peixes grandes e de toda maneira, e também no mesmo rio ha muita abundancia delles. Nesta Capitania ha muitas terras e mui largas onde os moradores vivem mui abastados assi de mantimentos da terra como de fazendas. E quando se tomou a fortaleza do Rio de Janeiro desta mesma Capitania do Spirito Santo sustentarão toda a gente e proverão sempre de mantimentos necessarios enquanto estiverão na terra os que defendião.
RIOS
Avante desta Capitania em altura de vinte e hum graos está o rio de Paraiba, este he mui grande e fermoso e tem infinito peixe. Junto do Cabofrio em altura de vinte e dous graos está a Bahia fermosa, na qual se pode fazer huma Capitania de muitos vizinhos, onde tambem se perdem muitas terras por falta de gente. Outros muitos rios ha nestas partes que deixo de escrever por serem pequenos e não se fazer tanto caso delles, nem minha tenção foi outra se não tratar destes mais notaveis, onde se podem fazer algumas povoações e conseguir porveito das terras viçosas que por esta Costa estão desertas.
CAPÍTULO OITAVO
DA CAPITANIA DO RIO DE JANEIRO
A capitania do Rio de Janeiro, Cidade de Sam Sebastião, está sessenta legoas do Spirito Santo em vinte e tres graos e hum terço, terra del Rei nosso Senhor. Pode ter pouco mais ou menos cento e quarenta vizinhos, agora se começa de povoar novamente. Esta he a mais fertil e viçosa terra que ha no Brasil.
Tem terras mui singulares e muitas agoas pera engenhos dassucre. Ha nella muito infinito pao do Brasil, de que os rnoradores da terra fazem muito proveito.
Esta Capitania tem hum rio mui largo e fermoso; divide-se dentro em muitas partes, e quantas terras estão ao longo delle se podem aporveitar, assi pera roças de mantimentos como pera canas dassucres e algodões, porque são mui viçosas e melhores de quantas ha por toda esta Costa. Ha nesta Cidade hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus, os quaes tambem augmentarão muito esta terra e desejão muito vela povoada de muitos moradores, porque são como digo as terras desta Capitania mui largas, e sabem quam proveitosas são pera toda gente pobre que as for possuir. E por tempo hão de se fazer nellas grandes fazendas: e os que la forem viver com esta esperança não se acharão enganados.
CAPÍTULO NONO
DA CAPITANIA DE SAM VICENTE
A Capitania de Sam Vicente está sessenta legoas do Rio de Janeiro em vinte e quatro graos, he de Pero Lopes de Sousa, na qual tem posto Capitão de sua mão: esta e o Rio de Janeiro são as mais frias terras que ha no Brasil, gea nellas em tempo de inverno quasi como neste Reino.
Nesta Capitania se deu já trigo, mas não no querem semear por haver na terra outros mantimentos de menos custo. Tem tres povoações, e huma fortaleza que está numa ilha junto da terra firme quatro legoas pera o Norte que se chama Britioga; daqui defendem esta Capitania dos indios, e francezes com artilharia que ha na mesma fortaleza. A principal povoação se chama Santos, onde está hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A outra mais avante ao longo do Rio huma legoa he Sam Vicente; tambem ha nella outro mosteiro de padres da Companhia. Pela terra dentro dez legoas edificarão os mesmos padres huma povoação entre os indios que se chama — o Campo, na qual vivem muitos moradores, a maior parte delles são mamalucos filhos de portuguezes e de indias da terra. Aqui e nas mais Capitanias têm feito estes padres da Companhia grande fruito e fazem com que a terra va em muito crescimento, trabalhão por fazer Christãos a muitos indios e metem muitas pazes entre os homens; tambem fazem restituir as liberdades de muitos indios que alguns moradores da terra têm mal resgatados: assi que sempre acodem aos que se desvião do serviço de Deos e de S. A.
Haverá nesta Capitania quinhentos vizinhos, tem quatro engenhos dassucre, e muitas terras viçosas de que os moradores tirão muitos mantimentos e fazenda e vivem todos mui abastados. Esta he a ultima Capitania que ha nestas partes do Brasil . . .
TRATADO SEGUNDO
DAS COUSAS QUE SÃO GERAES POR TODA COSTA DO BRASIL
CAPÍTULO PRIMEIRO
DAS FAZENDAS DA TERRA
Os moradores desta Costa do Brasil todos têm terras de Sesmarias dadas e repartidas ppelos Capitães da terra, e a primeira cousa que pretendem alcançar são escravos pera lhes fazerem e grangearem suas roças e fazendas, porque sem elles não se podem sustentar na terra: e huma das cousas porque o Brasil não florece muito mais, he pelos escravos que se alevantarão e fugirão pera suas terras e fogem cada dia: e se estes indios não forão tam fugitivos e mudaveis, não tivera comparação a riqueza do Brasil. As fazendas donde se colnsegue mais proveito são assuscres, algodões e pao do Brasil, com isto fazem pagamento aos mercadores que deste Reino lhes levão fazenda porque o dinheiro he pouco na terra, e assi vendem e trocão huma mercadoria por outra em seu justo preço. Quantos moradores ha na terra têm roças de mantimentos e vendem muitas farinhas de pao huns aos outros, de que tambem tirão muito porveito. O
mais gado que ha nesta Costa são bois e vacas, deste ha muita abundancia em todas as Capitanias, porque são as hervas muitas, e sempre a terra está coberta de verdura, ainda que em Porto Seguro não se querem dar nenhumas vacas senão o primeiro anno, no qual engordão tanto que do muito viço dizem que morrem todas. Cabras e ovelhas ha muito poucas ategora, começão de multiplicar novamente; as cabras se dão melhor que as ovelhas e parem dous, tres filhos de cada vez. Fazem os moradores da terra muito por esta criacão. Tambem ha egoas e cavallos, mas ainda são caros por não haver muitos na terra, levão-nos de Cabo Verde pera lá e dão-se muito bem na terra.
Acha-se tambem por esta Costa muito Amber que o mar de si lança fóra as mais das vezes quando faz tormenta e são agoas vivas, então ha muitas pessoas que mandam seus escravos pela praia busca-la nos lugares onde costuma sair mais vezes, e muitas vezes acontece enriquecerem alguns assi do que achão seus escravos como do que resgatão aos indios forros. Segundo a dita e ventura de cada hum. Os panos que nesta terra se fazem são dalgodão, todo o mais vai deste Reino. E assi ha tambem muitos escravos de Guiné: estes são mais seguros que os indios da terra porque nunca fogem nem têm pera onde. Ha tambem muita criação de porcos e muitas galinhas, adens e patos da terra. Estas são as fazendas que possuem os moradores do Brasil.
CAPÍTULO SEGUNDO
DOS COSTUMES DA TERRA
As pessoas que no Brasil querem viver, tanto que se fazem moradores da terra, por pobres que sejão, se cada hum alcançar dous pares ou meia duzia de escravos (que pode hum por outro custar pouco mais ou menos até dez cruzados) logo tem remedio pera sua sustentação; porque huns lhe pescão e cação, outros lhe fazem mantimentos e fazenda e assi pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na terra com mais descanço que neste Reino, porque os mesmos escravos indios da terra buscam de comer pera si e pera os senhores, e desta maneira não fazem os homens despeza com seus escravos em mantimentos nem com suas pessôas.
A maior parte das camas do Brasil são redes, as quaes armão numa casa com duas cordas e lanção-se nellas a dormir. Este costume tomarão os indios da terra.
Os moradores destas Capitanias tratão-se muito bem e são mais largos que a gente deste Reino, assi no comer como no vestir de suas pessoas, e folgão dajudar huns aos outros com seus escravos e favorecem muito os pobres que começão a viver na terra. Isto se costuma nestas partes: e fazem outras muitas obras pias por onde todos têm remedio de vida e nenhum pobre anda pelas portas a pedir como neste Reino.
CAPÍTULO TERCEIRO
DAS QUALIDADES DA TERRA
Ha nestas nestas partes do Brasil seis mezes de verão e seis de inverno: os de verao são de Setembro até Fevereiro, os de inverno de Março até Agosto. Assi que quando nesta provincia do Brasil he inverno cá neste Reinos he verão, e os dias quasi sempre são tamanhos como as noites huma hora somente crecem e mingoão. Cursão sempre ventos geraes, no inverno seis mezes Sul e Sueste, no verão Nordeste. Sempre correm as agoas com o vento por costa, e porisso se não pode navegar de huma Capitanias pera outras se não esperarem por monções pera irem com a agoas e com o vento, porque cursão como digo seis mezes duma parte e seis doutra, e portanto são muitas vezes as viagens vagarosas, e quando vão contra tempo as embarcações correm muito risco, arribão ás mais das vezes ao porto donde sairão. Mete-se no meio e na força deste verão, oito dias ante os Santos, huma tormenta de vento Sul que dura huma semana, este he mui certo e geral, nunca se acha que naquelles dias faltasse. Muitas embarcações esperão por este vento e fazem com elle sua viagens. Esta terra sempre he quente quasi tanto no inverno como no verão.
A viração do vento geral entra ao meio dia pouco mais ou menos, he tam fresco este vento e tam frio que não se sente mais calma, e ficão recreados os corpos das pessoas.
Dura este vento do mar até de madrugada, torna dalli a calmar outra vez por causa dos vapores da terra que o apagão e quando amanhece está o Ceo todo coberto de nuvens e as mais das manhãs chove nesta partes e a terra fica toda coberta de nevoa, porque tem muitos arvoredo e chama a si todos estes humores. E tanto que este geral acalma começa ventar da terra hum vento brando que nella se gera, até que o Sol con sua quentura o torna apagar e alimpa tudo outra vez e faz ficar o dia claro e sereno, entra logo o vento do mar acostumado. Este vento da terra he mui perigoso e doentio; e se acerta de permanecer alguns dias morre muita gente assi portuguezes como indios da terra: mas quer Nosso Senhor que aconteça isto poucas vezes; e tirado este mal, he esta terra mui salutifera e de bons ares, onde as pessoas se achão bem dispostas e vivem muitos annos, principalmente os velhos têm melhor disposição e parecem que tornão a renovar, e por isso alguns se não querem tornar ás suas patrias, temendo que nellas se lhes offereça a morte mais cedo. Os ares de pela manhã são mui frescos e sadios; muitas pessoas se costumão alevantar cedo porque se aporveitem delles em quanto tem esta virtude. A terra em si he lassa e deleixada; achão-se nella os homens algum tanto fracos e mingoados das forças que possuem cá neste Reino por respeito da quentura e dos mantimentos que nella usão, isto he em quanto as pessoas são novas na terra, mas depois que por tempo se acostumão ficão tam rijos e bem dispostos como se aquella terra fora sua mesma patria. Manda-se dar nesta terra aos enfermos carne de porco, pera qualquer doença he porveitosa, e não faz mal a nenhuma pessoa; o peixe tambem tem a mesma qualidade e põe muita sustancia aos doentes. Esta terra he mui fertil e viçosa, toda coberta de altissimos e frondosos arvoredos, permanece sempre a verdura nella inverno e verão; isto causa chover-lhe muitas vezes e não haver frio que offenda ao que produz a terra. Ha por baixo destes arvoredos grande mato e mui basto e de tal maneira está escuro e serrado em partes que nunca participa o chão da quentura nem da claridade do Sol, e assi está sempre humido e manando agoa de si. As agoas que na terra se bebem são mui sadias e sabrosas, por muita que se beba não prejudica á saude da pessoa, a mais della se torna logo a suar e fica o corpo desalivado e são. Finalmente que esta terra tam deleitosa e temperada que nunca nella se sente frio nem quentura sobeja.
CAPÍTULO QUARTO
DOS MANTIMENTOS DA TERRA
Nestas partes do Brasil não semeião trigo nem se dá outro mantimento algum deste Reino, o que lá se come em lugar de pão he farinha de pao: Esta se faz da raiz duma planta que se chama mandioca, a qual he como inhame. E tanto que se tira de baixo da terra, está cortindo-se em agoa tres, quatro dias, e depois de cortida pizão-na ou relão-na muito bem e espremem-na daquelle sumo de tal maneira que fique bem escorrida, porque he aquella agoa que sáe della tam peçonhenta, que qualquer pessoa ou animal que a beber logo naquelle instante morre: assi que depois de a terem deste modas curada, poem hum alguidar grande sobre o fogo e como se aquenta, botão aquella mandioca nelle e por espaço de meia hora está naquella quentura cozendo-se, dalli a tirão, e fica temperada pera se comer. Ha todavia farinha de duas maneiras: huma se chama de guerra, e outra fresca, a de guerra he muito seca, fazem-na desta maneira pera durar muito e não se danar: a fresca he mais branda e tem mais sustancia; finalmente que não he tão aspera como a outra, mas não dura mais que dous, tres dias; como passa daqui logo se dana. Desta mesma mandioca fazem outra maneira de mantimentos, que se chamão beijús, são mui alvos e mais grossos que obreas, destes usão muito os moradores da terra porque são mais sabrosos e de melhor digestão que a farinha. Outra raiz ha duma planta que se chama aypim, da qual fazem huns bollos que parecem pão fresco deste Reino e tambem se come assada como batata, de toda maneira se acha nella muito gosto. Tambem ha na terra muito milho Zaburro, este se dá em todas as Capitanias, e faz hum pão muito alvo. Ha nesta terra muita copia de leite de vacas, muito arroz, fava, feijões, muitos inhames e batatas, e outros legumes que fartão muito a terra. Ha muita abundancia de marisco e de peixe por toda esta Costa; com estes mantimentos se sustentão os moradores do Brasil sem fazerem gastos nem diminuirem nada em suas fazendas.
CAPÍTULO QUINTO
DA CAÇA DA TERRA
Huma das cousas que sustenta e abasta muito os moradores desta terra do Brasil, he a muita caça que ha nestes matos de muitos generos e de diversas maneiras, a qual os mesmos indios da terra matão assi com frechas como por industria de seus laços e fojos, onde costumão tomar a maior parte della.
Ha muitos veados e muita somma de porcos montezes de muitas castas. Huns pequenos ha na terra que têm as cerdas mui grossas, asperas e crespas; estes têm o embigo nas costas, matão-se muitos delles, e doutros grandes que não são desta qualidade. Ha muitas antas que quasi são tamanhas como vacas e pascem hervas como outro gado qualquer, sua carne tem o sabor como da vaca: a pelle deste animal he muito grossa e rija. Ha tambem coelhos, mas têm as orelhas doutra maneira mais pequenas e redondas.
Ha outros animaes maiores que lebres que se chamão pacas, tambem têm carne muito sabrosa. Huns bichos ha nesta terra que tambem se comem e se têm pela melhor caça que ha no mato.
Chamão-lhes tatüs, são tamanhos como coelhos e têm hum casco à maneira da lagosta como de cagado, mas he repartido em muitas juntas como laminas; parecem totalmente hum cavallo armado, têm hum rabo do mesmo casco comprido, o focinho he como de leitão, e não botão mais fora do casco que a cabeça, têm as pernas baixas e crião-se em covas, a carne delles tem o sabor quasi como de galinha. Esta caça he muito estimada na terra. Ha tambem muitas galinhas de mato que os indios matão com frechas, e outras muitas aves mui gordas e sabrosas melhores que perdizes. Desta e doutra muita caça ha no Brasil muita abundancia.
CAPITULO SEXTO
DAS FRUITAS DA TERRA
Huma fruita se dá nesta terra do Brasil muito sabrosa, e mais prezada de quantas ha. Cria-se numa planta humilde junto do chão, a qual tem humas pencas como cardo, a fruita della nasce como alcachofras e parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho, chamão-lhes Ananazes, e depois de maduros tém hum cheiro muito excellente, colhem-nos como são de vez, e com huma faca tirão-lhes aquella casca grossa e fazem-nos em talhadas e desta maneira se comem, excedem no gosto a quantas fruitas ha neste Reino, e fazem todos tanto por esta fruita, que mandão plantar roças della, como de cardaes: a este nosso Reino trazem muitos destes ananazes em conserva. Outra fruita se cria numas arvores grandes, estas se não plantão, nascem pelo mato muitas; esta fruita depois de madura he muito amarella: são como peros repinaldos compridos, chamão-lhes Cajús, têm muito sumo, e cria-se na ponta desta fruita de fora hum caroço como castanha, e nasce diante da mesma fruita, o qual tem a casca mais amargosa que fel, e se tocarem com ella nos beiços dura muito aquelle amargor e faz empollar toda a boca; pelo contrario este caroço assado, he muito mais gostoso que amendoa; são de sua natureza mui quentes em estremo. Ha na terra tantos destes caroços que os medem aos adqueires. Tambem ha huma fruita que lhe chamão Bananas, e pela lingua dos indios Pacovas: ha na terra muita abundancia dellas: parecem-se na feição com pepinos, nascem numas arvores mui tenras e não são muito altas, nem têm ramos senão folhas mui compridas e largas. Estas bananas crião-se em cachos, algum se acha que tem de cento e cincoenta pera cima, e muitas vezes he tam grande o peso dellas que faz quebrar a arvore pelo meio; como são de vez colhem estes cachos, e depois de colhidos amadurecem, e tanto que estas arvores dão huma fruita, logo as cortão porque não frutificão mais que a primeira vez, e tornão a rebentar pelos pés outras novas. Esta he huma fruita mui sabrosa e das boas que ha na terra, tem huma pelle como de figo, a qual lhes lanção fora quando as querem comer e se come muitas dellas fazem dano á saude e causão febre a quem se desmanda nellas. E assadas maduras são muito sadias e mandão-se dar aos enfermos. Com esta fruita se mantem a maior parte dos escravos desta terra, porque assadas verdes passão por mantimento e quasi tem sustancia de pão. Ha duas qualidades desta fruita huma são pequenas como figos berjaçotes, as outras são maiores e mais com pridas. Estas pequenas têm dentro em si huma cousa estranha, a qual he que quando as cortão pelo meio com huma faca ou por qualquer parte que seja acha-se nellas hum signal á maneira de Crucifixo, e assi totalmente o parecem. Tambem ha huma fruita que se chama Bracases, são como nespras posto que comão muita não fazem mal á saude. Ha muita pimenta da terra, come-se verde, queima muito em grande maneira Outras muitas fruitas ha pelo mato dentro de diversas qualidades, e são tantas que já se acharão pela terra dentro algumas pessoas e sustentarão-se com ellas muitos dias sem outro mantimento algum. Estas que aqui escrevo são as que os portuguezes têm entre si em mais estima e as melhores da terra. Algumas fruitas deste Reino se dão nestas partes, scilicet, muitos melões, pepinos e figos de muitas castas, romãs, muitas parreiras que dão uvas duas, tres vezes no anno, e tanto que humas se acabão, começão logo outras novamente. E desta maneira nunca está o Brasil sem fruitas.
De limões e laranjas ha muita infinidade; dão-se muito na terra estas arvores de espinho e multiplicão mais que as outras.
CAPÍTULO SÉTIMO
DA CONDIÇAO E COSTUMES DOS INDIOS DA TERRA
Não se pode numerar nem comprender a multidão de barbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não acha povoações de indios armados contra todas as nações humanas, e assi como são muitos permitiu Deos que fossem contrarios huns dos outros, e que houvesse entrelles grandes odios e discordias, porque se assi não fosse os portuguezes não poderião viver na terra nem seria possivel conquistar tamanho poder de gente.
Havia muitos destes indios pela Costa junto das Capitanias, tudo enfim estava cheio delles quando começarão os portuguezes a povoar a terra; mas porque os mesmos indios se alevantarão contra elles e fazião-lhes muitas treições, os governadores e capitães da terra destruirão-nos pouco a pouco e matarão muitos delles, outros fugirão pera o Sertão, e assi ficou a costa despovoada de gentio ao longo das Capitanias. Junto dellas ficarão alguns indios destes nas aldêas que são de paz, e amigos dos portugueses.
A lingua deste gentio toda pela Costa he, huma: carece de tres letras —scilicet, não se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente.
Estes indios andão nús sem cobertura alguma, assi machos como femeas; não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descoberto quanto a natureza lhes deu. Vivem todos em aldêas, póde haver em cada huma sete, oito casas, as quaes são compridas feitas a maneira de cordoarias; e cada huma dellas está cheia de gente duma parte e doutra, e cada hum por si tem sua estancia e sua rede armada em que dorme, e assi estão todos juntos huns dos outros por ordem, e pelo meio da casa fica hum caminho aberto pera se servirem. Não ha como digo entre elles nenhum Rei, nem Justiça, sómente em cada aldêa tem hum principal que he como capitão, ao qual obedecem por vontade e não por força; morrendo este principal fica seu filho no mesmo lugar; não serve doutra cousa se não de ir com elles á guerra, e conselha-los como se hão de haver na peleja, mas não castiga seus erros nem manda sobrelles cousa alguma contra sua vontade. Este principal tem tres, quatro mulheres, a primeira tem em mais conta, e faz della mais caso que das outras. Isto tem por estado é por honra. Não adorão cousa alquma nem têm pera si que ha na outra vida gloria pera os bons, e pena pera os maos, tudo cuidão que se acaba nesta e que as almas fenecem com os corpos, e assi vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem medida.
Estes indios sãs mui belicosos e têm sempre grandes guerras huns contra os outros; nunca se acha nelles paz nem he possivel haver entrelles amizade; porque humas nações pelejão contra outras e matão-se muitos delles, e assi vai crecendo o odio cada vez mais e ficão imigos verdadeiros perpetuamente. As armas com que pelejão são arcos e frechas; a cousa que apontarem não na errão, são mui certos com esta arma e mui temidos na guerra, andão sempre nella exercitados. E são mui inclinados a pelejar, e mui valentes e esforçados contra seus adversarios, e assi parece cousa estranha ver dous, tres mil homens nús duma parte e doutra com grandes assobios e grita frechando huns aos outros; e emquanto dura esta peleja nunca estão com os corpos quedos meneando-se duma parte pera outra com muita ligeireza pera que não possão apontar nem fazer tiro em pessoa certa; algumas velhas costumão apanhar-lhes as frechas pelo chão e servi-los emquanto pelejão. Gente he esta mui atrevida e que teme muito pouco a morte e quando vão á guerra sempre lhes parece que têm certa a victoria e que nenhum de sua companhia hade morrer. E
quando partem dizem, vamos matar: sem mais consideracão, e não cuidão que tambem podem ser vencidos. Não dão vida a nenhum cativo, todos matão e comem, emfim que suas guerras são mui perigosas, e devem-se ter em muita conta porque huma das cousas que desbaratou muitos portuguezes foi a pouca estima em que tinhão a guerra dos indios, e o pouco caso que fazião delles, e assi morrerão muitos miseravelmente por não se aperceberem como convinha; destes houve muitas mortes desastradas:
e isto acontece cada passo nestas partes.
Quando estes indios tomão alguns contrarios, se logo com aquelle impeto os não matão, levão-nos vivos pera suas aldêas (ou sejão portuguezes ou quaesquer outros indios seus imigos), e tanto que chegão a suas casas lanção huma corda mui grossa ao pescoço do cativo pera que não possa fugir, e armão-lhe huma rede em que durma e dão-lhe huma india moça, a mais fermosa e honrada que ha na aldêa, pera que durma com elle, e tambem tenha cuidado de o guardar, e não vai pera parte que não no acompanhe.
Esta india tem cargo de lhe dar muito bem de comer e beber; e depois de o terem desta maneira cinco ou seis mezes ou o tempo que querem, determinão de o matar; e fazem grandes cerimonias e festas aquelles dias, e aparelhão muitos vinhos pera se embedarem, e fazem-nos da raiz duma herva que se chama aypim, a qual fervem primeiro e depois de cozida mastigão-na humas moças virgens espremem-na nuns potes grandes, e dalli a tres ou quatro dias o bebe. E o dia que hão de matar este cativo, pela manhã se alguma ribeira está junto daldêa levão-no a banhar nella com grandes cantares e foliaz tanto que chegão com ele á aldêa, atão-no pela cinta com quatro cordas cada huma pera sua parte e tres, quatro indios pegados em cada ponta destas e assi o levão ao meio dum terreiro, e tirão tanto por estas cordas que não se possa bolir pera huma parte nem pera outra, as mãos deixão soltas porque folgão de o ver defender com ellas. Aquelle que o hade matar empenna-se primeiro com pennas de papagaio de muitas cores por todo o corpo: ha de ser este matador o mais valente da terra, e mais honrado. Traz na mão huma espada dum pao mui duro e pesado com que costumão de matar, e chega-se ao padecente dizendo-lhe muitas cousas e ameaçando-lhe sua geração que o mesmo ha de fazer a seus parentes; e depois de o ter afrontado com muitas palavras injuriosas da-lhe huma grande pancada na cabeça, e logo da primeira o mata e lhe fazem pedaços. Está huma india velha com hum cabaço na mão, e assi como elle cae acode muito de pressa com elle a meter-lho na cabeça pera tomar os miollos e o sangue: tudo emfim cozem e assão, e não fica delle cousa que não comam. Isto he mais por vingança e por odio que por se fartarem.
Depois que comem a carne destes contrarios ficão nos odios confirmados e sentem muito esta injuria, e por isso andão sempre a vingar-se huns contra os outros. E se a moça que dormia com o cativo fica prenhe, aquella criança, que pare depois de criada, matão-na e comem-na e dizem que aquella menina ou menino era seu contrario verdadeiro por isso estimão muito comer-lhe a carne e vingar-se delle. E porque a mãi sabe o fim que hão de dar a esta criança, muitas vezes quando sente prenhe mata-a dentro da barriga e faz com que morra. E acontece algumas vezes affeiçoar-se tanto a este cativo e tomar-lhe tanto amor que foge com elle pera sua terra pera o livrar da morte. E assi alguns portuguezes ha que desta maneira escaparão e estão hoje em dia vivos; e muitos indios que do mesmo modo se salvarão, ainda que são alguns tam brutos que não querem fugir depois de os terem presos; porque houve algum que estava já no terreno atado pera padecer e davão-lhe a vida e não quiz senão que o matassem, dizendo que seus parentes o não terião por valente, e que todos correrião com elle; e daqui vem não estimarem a morte; e quando chega aquella hora não na terem em conta nem mostrarem nenhuma tristeza naquelle passo.
Finalmente que são estes indios mui deshumanos e crueis, não se movem a nenhuma piedade: vivem como brutos animaes sem ordem nem concerto de homens, são mui deshonestos e dados á sensualidade e entregão-se aos vicios como se nelles não houvera rezão de humanos ainda que todavia sempre têm resguardo os machos e as fêmeas em seu ajuntamento, e mostrão ter nisto alguma vergonha. Todos comem carne humana e têm-na pela melhor iguaria de quantas pode haver: não de seus amigos com quem elles têm paz se não dos contrarios. Tem esta qualidade estes indios que de qualquer cousa que comão por pequena que seja hão de convidar com ella quantos estiverem presentes, só esta proximidade se acha entrelles. Comem de quantos bichos se crião na terra, outro nenhum engeitão por peçonhento que seja, sómente aranha.
Têm estes indios machos por costume arrancar toda a barba e não consentem nenhum cabello em parte alguma de seu corpo, salvo na caeça, ainda que arredor della por baixo tudo arrancão. As femeas presão-se muito de seus cabellos e trazem-nos muito compridos e penteados e as mais dellas ennastrados.
Os machos costumão trazer o beiço furado e huma pedra no buraco metida por galantaria, outros ha que trazem o rosto todo cheio de buracos e assi parecem mui feios e disformes: isto lhes fazem quando são meninos. Tambem alguns indios andão pintados por todo o corpo, pelo qual fazem huns riscos escritos na carne: isto não traz se não quem tem feito alguma valentia. E assi tambem machos como femeas costumão tingir-se com sumo duma fruita que se chama genipapo, que he verde quando se piza e depois que põe no corpo e se enxuga fica mui negro e por muito que se lave não se tira se não aos nove dias: isto tudo fazem por galantaria.
Estas indias guardão castidade a seus maridos e são muito suas amigas, porque tambem elles sofrem mal adulterios; casão osmais delles com suas sobrinhas, filhas de seus irmãos ou irmãs, estas são suas mulheres verdadeiras, e não lhas podem negar seus pais.
Algumas indias se achão nestas partes que jurão e prometem castidade, e assi não casão nem conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem no consentirão ainda que por isso as matem. Estas deixão todo o exercicio de mulheres e imitão os homens e seguem seus officios como se não fossem mulheres, e cortão seus cabellos da mesma maneira que os machos trazem, e vão á guerra com seu arco e frechas e á caça: emfim que andão sempre na companhia dos homens, e cada huma tem mulher que a serve e que lhe faz de comer como se fossem casados.
Estes indios vivem mui descançados, não têm cuidado de cousa alguma se não de comer e beber e matar gente; e por isso são mui gordos em estremo; e assi tambem com qualquer desgosto emagrecem muito; e como se agastão de qualquer cousa comem terra e desta maneira morrem muitos delles bestialmente.
Todos seguem muito o conselho das velhas, tudo o que ellas lhes dizem fazem e têm-no por muito certo:
daqui vem a muitos moradores não comprarem nenhumas por lhes não fazerem fugir seus escravos.
Quando estas indias parem a primeira cousa que fazem depois do parto lavão-se todas num ribeiro e ficão tam bem dispostas como se não parirão; em lugar dellas se deitão seus maridos nas redes, e assi os visitão e curão como se elles fossem os paridos.
Quando algum destes indios morre costumão enterra-lo numa cova assentado sobre os pés, com sua rede ás costas em que elle dormia, e logo pelos primeiros dias põem-lhe de comer em cima da cova. Outras muitas bestialidades usão estes indios que aqui não escrevo, porque minha tenção foi não ser comprido, e passar por tudo isto com brevidade.
DOS RESGATES
Estes indios não possuem nenhuma fazenda, nem procurão acquiri la como os outros homens, sómente cubição muito algumas cousas que são deste Reino—scilicet, camisas, pellotes, ferramentas e outras cousas que elles têm em muita estima e desejão muito alcançar dos portuguezes. A troco disto se vendião huns aos outros, e os portuguezes resgatavão muitos delles e salteavão quantos querião sem ninguem lhes ir á mão, mas já agora não ha isto na terra nem resgates como soía, porque depois que os padres da Companhia vieraõ a estas partes proverão neste negocio e vedarão muitos saltos que fazião os portuguezes por esta Costa, os quaes encarregavão muito suas consciencias com cativarem muitos indios contra direito e moverem-lhes guerras injustas. E por isso ordenarão os padres e fizerão com os Capitães da terra que não houvesse mais resgates nem consentissem que fosse nenhum portuguez a suas aldêas sem licença do mesmo Capitão. E quantos escravos agora vêm novamente do Sertão ou das outras Capitanias todos levão primeiro á Alfândega e alli os examinão e lhes fazem proguntas quem os vendeu, ou como forão resgatados, porque ninguem os pode vender se não seus pais ou aquelles que em justa guerra os cativão, e os que achão mal acquiridos põem-nos em sua liberdade, e desta maneira quantos indios se comprão são bem resgatados, e os moradores da terra não deixão por isso de ir muito avante com suas fazendas.
CAPÍTULO OITAVO
DOS BICHOS DA TERRA
Não me pareceu cousa fóra de proposito tratar tambem neste Summario de alguns bichos que nestas partes se crião, pois tudo ha na mesma terra, dado que daqui se não comprehenda mais que a differença e a variedade das creaturas que ha dumas terras pera outras.
Ha nestas partes muitos bichos mui feros e peçonhentos, principalmente cobras de muitas castas e de nomes diversos. Humas ha tam grandes e tam disformes que engolem hum veado todo inteiro, e affirmão que tem esta cobra tal qualidade que depois de o ter comido arrebenta pela barriga e apodrece com a cabeça e a ponta do rabo sãs; e tanto que desta maneira fica torna pouco a pouco a criar carne nova até que se cobre outra vez da mesma carne tão perfeitamente como dantes: isto virão e experimentarão muitos indios e moradores da terra, a estas chamão pela lingua dos indios giboiossú. Outras ha muito maiores e mais peçonhentas, doutra casta differente, são tam grandes em tanto estremo que apenas desaseis indios podião levar huma que matarão junto da costa entre os portuguezes; a esta cobra chamão surucucú. Outra geração ha dellas que lhe chamão boiteninga, tem na ponta do rabo huma cousa que sôa propriamente como cascavel; e por onde esta cobra vai sempre anda rugindo, he huma das feras bichas que ha na terra. Outras ha na terra que lhe chamão hebijaras, tem duas bocas huma na cabeça outra no rabo, mordem com ambas: esta cobra he branca e mui curta, o mais do tempo está debaixo da terra, he peçonhentissima sobre todas; quem desta for mordido não terá vida muitas horas, e assi qualquer destas outras que morder alguma pessôa o mais que dura são vinte e quatro horas. Ha outra qualidade dellas que não tem dentes nem mordem. Estas não são peçonhentas nem tam pouco muito grandes, chamão-lhes japaranas. Tambem affirmão alguns homens que virão serpentes nesta terra com azas mui grandes e espantosas, mas achão-se raramente.
Ha muitos lagartos e grandes pelos rios dagoa doce e pelos matos, cujos testiculos cheirão melhor que almiscre. E a qualquer roupa que o chegão fica o cheiro pegado por muitos dias.
Os bichos mais feros e mais damosos que ha na terra são tigres, e estes animaes são delles tamanhos como bezerros, vão-se aos currais do gado dos moradores e matão muito delle e são tam feros e forçosos que huma mão que lanção a huma vitella ou novilho lhe fazem botar os miolos fóra e levão-no arrasto pera o mato. Tambem pela terra dentro matão e comem alguns indios quando se achão famintos. Sobem pelas arvores como gatos, e dalli espreitão a caça que por baixo passa e remetem de salto a ella, e desta maneira não lhes escapa nada: alguns destes animaes matão em fojos os moradores da terra.
Toda esta terra do Brasil he coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano ás parreiras dos moradores, e ás larangeiras que têm nos quintaes; e se não forão estas formigas houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que la são pouco necessarias porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra delle está provida.
Tambem ha muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre humas arvores que se chamão mangues, não pode nenhuma pessoa espera-los; e pelo mato quando não ha viração são mui sobejos e perseguem muito a gente. Tambem ha huma geração de ratos que trazem os filhinhos pendurados na barriga, e alli se crião e andão assi pegados até serem grandes. Bogios ha muitos e de muitas castas, como já se sabe. Tanto que as femeas parem pegão-se os filhos nas suas costas e sempre andão cavalgados nas mãis até serem bem criados. E posto que as persigão e as matem não se querem desapegar dellas. Ha tambem muitos lobos marinhos e porcos marinhos que se crião no mar e na terra.
Outros muitos bichos ha nestas partes pela terra dentro que será impossivei poderem se conhecer nem escrever tanta multidão, porque assi como a terra he grandissima, assi são muitas as qualidades e feições das creaturas que Deos nella criou.
CAPÍTULO NONO
DA TERRA QUE CERTOS HOMENS DA CAPITANIA DE PORTO SEGURO FORÃO A
DESCOBRIR, E DO QUE ACHARÃO NELLA
Posto que minha tenção não era tratar neste Summario se não das cousas que são geraes por toda a Costa do Brasil, de que os moradores da terra participão, pareceu-me tambem necessario e conveniente aos louvores da terra denunciar neste Capitulo a riqueza dos metaes que affirmão haver por ella dentro, provado tudo isto com pessoas que o acharão, virão, e exprementarão: e a maneira como se descobriu foi esta que se segue.
A esta Capitania de Porto Seguro chegarão certos indios do Sertão a dar novas dumas pedras verdes que havia numa serra muitas legoas pela terra dentro, e trazião algumas dellas por amostra as quaes erão esmeraldas, mas não de muito preço. E os mesmos indios dizião que daquellas havia muitas, e que esta serra era mui fermosa e resplandecente. Tanto que os moradores desta Capitania disto forão certificados, fizerão-se prestes cincoenta ou sessenta portuguezes com alguns indios da terra e partirão pelo Sertão dentro com determinação de chegar a esta serra onde estas pedras estavão. Ia por capitão desta gente hum Martim Carvalho, que agora he morador da Bahia de Todos os Santos; entrarão pela terra algumas duzentas e vinte legoas, onde as mais das serras que acharão e virão erão de mui fino christal e toda a terra em si mui fragosa, e outras muitas serras de huma terra azúlada, nas quaes affirmarão haver muito ouro, porque indo elles por entre duas serras, desta maneira forão dar num ribeiro que pelo pé duma dellas descia, no qual acharão entre a areia huns grãos miudos amarellos, os quaes alguns homens apalparão com os dentes e acharão-nos brandos, mas não se desfazião. Finalmente que todos assentarão ser aquillo ouro nem podia ser outro metal, pois o mesmo ouro desta maneira nasce nas partes onde o ha.
Apanharão destes grãos entre a areia do ribeiro quantidade dum punhad, os quaes acharão muito pesados, que tambem era prova de ser ouro: disto não fizerão mais, experiencia por ser aquillo no deserto e haver muitos dias que padecião grande fome nem comião outra cousa senão semente de hervas, e alguma cobra que matavão: passarão adiante determinando a vinda tornar por alli apercebidos de mantimentos pera buscarem a serra mais de vagar, donde aquelle ouro descia ao ribeiro. Acharão pelos matos muita Canafistola, e por este caminho acharão outros muitos metaes que não conhecerão, nem podião esperar pelas guerras dos indios que se alevantarão contra elles. Alguns indios lhes derão noticia segundo a menção que fazião que podião estar cem legoas da serra das pedras verdes que ião buscar, e que não havia muito dalli ao Perú, finalmente que com os imigos que recrecião e pela gente que adoecia tornarão-se outra vez em almadias por hum rio que se chama Cricaré, onde se perdeu numa cachoeira a canoa em que vinhão os grãos douro que trazião pera mostra. Nesta viagem gastarão oito mezes, e assi desbaratados chegarão a esta Capitania de Porto Seguro.
Os que deste perigo escaparão affirmão haver naquellas partes muito ouro, segundo as mostras e os signais que acharão. E se la tornar gente apercebida como convem, com toda a provisão necessaria, e levarem pessoas que disto conheção, dizem que se descobrirão nesta terra grandes minas.
Quezera escrever mais miudamente das particularidades desta provincia do Brasil, mas porque satisfizesse a todos com brevidade guardei-me de ser comprido; posto que os louvores da terra pedissem outro livro mais copioso e de maior volume, onde se comprendessen por extenso as excellencias e diversidades das cousas que ha nella pera remedio e porveito dos homens que la forem viver. E porque a felicidade e augmento desta provincia consiste em ser povoada de muita gente, não havia de haver pessoa pobre nestes Reinos que não fosse viver a estas partes com favor de S. A. onde os homens vivem todos abastados, e fora das necessidades que ca padecem . E desta maneira permitirá Deos que floreça tanto a terra, desta nova Lusitania, que com ella se augmente muito a Corôa destes Reinos, e seja dos outros invejada pera que não desejemos terras estranhas; prometendo esta nossa tanta riqueza, e prosperidade aos que a forem buscar pera seu remedio.
FIM


Fonte:
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil; História da Província Santa Cruz, Belo
Horizonte: Itatiaia, 1980.

Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima
sejam mantidas.



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