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Textos para uso geral de domínio público.

Goyaz

PREFÁCIO
Havendo em 1872 sido eleito deputado por Goyaz à 15ª legislatura e em 1875 reeleito, entendeu o autor deste volume, como preito ao eleitorado que o havia delegado ao Parlamento, escrever uma memória analisando a contribuição da província, que representava, à Exposição Nacional do Rio de Janeiro, preparatória à do Brasil no grande certame universal da Filadélfia, em 1876, comemorativo do primeiro centenário da independência dos Estados Unidos da América.
É esta memória que hoje se republica em segunda edição, mercê do carinho com que os meus prezados amigos os srs. Weiszflog Irmãos1 se têm empenhado em oferecer ao público brasileiro uma edição completa das obras de meu pai, já hoje constante de 32 volumes.
Mereceu o estudo do Taunay largo apreço do público. Há quase meio século esgotou-se a sua primeira edição. Os exemplares que dela andam nas livrarias de obras brasileiras atingem preços significativos do empenho dos candidatos à sua posse.
Freqüentemente vêm as suas páginas citadas na imprensa e em obras que se ocupam do grande Estado central. É um livro, por assim dizer, inédito, pois que hoje tenho a honra de apresentar ao público brasileiro.
Em anexo à obra de meu pai resolvi publicar valioso trabalho oficial referente a um dos maiores problemas de Goyaz e do Brasil Central – o estabelecimento da navegação franca dos dois imensos caudais, o Araguaia e o Tocantins.
Subscreve-o um nome glorioso nos fastos militares brasileiros: o de Antônio Florêncio Pereira do Lago, o heróico soldado que foi uma das mais notáveis figuras da campanha de Mato Grosso, sobretudo da Retirada da Laguna,2 e mais tarde prestou ainda, valiosíssimos serviços ao Brasil, como proficiente engenheiro militar e sertanista afeito a todas as rudezas da vida.
É-me sobremodo grato associar neste volume as obras de dois companheiros de armas, irmanados por uma amizade que jamais sofreu uma diminuição por pequena que
1 Trata-se de Otto e Alfried Weiszflog, editores originários de Hamburgo (Alemanha), fundadores da Weiszflog Irmãos & Cia., mais tarde Companhia Melhoramentos, ainda hoje em atividade.
2 Episódios da Guerra do Paraguai (1864-70), da qual Taunay participou como engenheiro militar. Sua experiência na campanha do Paraguai rendeu pelo menos duas obras: Diário do Exército (1870) e A Retirada da Laguna (1871). fosse, e de que meu pai, biógrafo de seu amigo, imenso se desvanecia.
É hoje raro este documento valioso, este relatório de Pereira do Lago ao Governo Imperial, por quem foi publicado na Imprensa Nacional em 1876. Os que amam o estudo das coisas da nossa terra apreciarão certamente estas páginas de tão prestante quanto indefesso servidor do Brasil que foi Antônio Florêncio Pereira do Lago.
S. Paulo, 3 de setembro de 1931 Affonso de E. Taunay GOYAZ
I
O grande certame universal de Filadélfia em 1876.
O convite dos Estados Unidos ao Brasil Para comemorar o primeiro centenário de sua heróica e penosa independência, teve a grande confederação norte-americana um pensamento elevado e digno sem duvida daquele memorável dia.
Congregar em tomo de si todas as nações do mundo civilizado para a glorificação, em comum, do trabalho, que tanto a exaltou; fazer das riquezas do globo e das maravilhas da indústria humana auréola à grandiosa recordação; apelidar todos os povos à vasta e incruenta arena, como rememoração de sanguinolentas vitórias: tal foi a realização daquela idéia que o orbe acolheu jubiloso, porque com razão ligou a essa majestosa festa o sentimento consagrador de um dos mais esplêndidos e duradouros triunfos da liberdade.
Na história das duas Américas a exposição universal de Filadélfia por certo marcará era notável. Significa a confiança e a força que a atividade e a união produzem:
significa o progresso e a prosperidade do novo mundo que, sem receio do julgamento dos países europeus, os convida a virem dar maior realce às suas festividades.
Para todos os povos destes dois grandes continentes, a ocasião é, pois, solene.
Pela vez primeira voltar-se-ão as vistas da Europa para além-Atlântico, a contemplar não o embate das armas, o encontro de exércitos a se despedaçarem, mas esperando com curiosidade, e talvez sobressalto, o resultado do pleito pacífico em que se empenhou ao lado de povos que ela viu nascer e formou, que são seus filhos e pupilos – crianças quase, a competir com velhos.
Outra consideração de mais vulto ainda se prende também àquela solenidade.
Ali serão, embora em resumido quadro, descortinadas a opulência e possança da natureza americana e como, sem contestação, são eles os mais poderosos auxiliares do homem na aplicação de sua energia, terão, pela admiração que incutirem, decisiva influência na questão hoje vital para qualquer das nacionalidades da América: a emigração.
Ah! Se o Brasil, este dilatado Império que há tantos anos goza os benefícios de sábias instituições e as doçuras de inalterável ordem e tranqüilidade; se este país, regido por libérrima norma, que só pela grandeza territorial logo se impõe à atenção de quem lança os olhos para um mapa-múndi: se ele pudesse aproveitar o ensejo e, ao passo que desdobrasse ante as vistas maravilhadas do mundo a assombrosa magnificência de sua natureza, proclamasse a quantos se achem peados, infelizes, descontentes ou desanimados no seu torrão natal:
– Vinde, vinde! Aqui encontrareis a hospitalidade na sua mais bela e ampla forma – a grande naturalização. Vinde! Aqui achareis todas as leis protetoras, a prática das aspirações generosas do século, a garantia para vossas famílias, a liberdade, a segurança e a paz! Trazei-me o concurso de vossa inteligência, de vossa ilustração, de vossa atividade, de vosso trabalho, e eu, ajudado por esta natureza que vos obumbra, dar-vos-ei riqueza e felicidade, consideração e amor.
Ah! Se o Brasil dissesse isso, a exposição de Filadélfia devera ser abençoada por quantos estremecem a pátria e impacientes quereriam vê-la marchar pujante, como é digna, como pode, entre as primeiras nações do mundo...
II
A exposição nacional brasileira de 1875.
O apelo às diversas circunscrições do país.
A resposta goiana A falta desse deslumbrante programa que ainda não podemos apregoar, busquemos aparecer de modo condigno na festa a que fomos convidados, mostrando que temos sabido caminhar, senão com pasmosa celeridade, em todo caso com seriedade e tino, na carreira da vida.
Realização de tão justo empenho foi sem dúvida a exposição nacional organizada no palácio do Ministério da Agricultura. Ali se reuniram todos os produtos enviados por cada uma das vinte províncias do Império, a fim de serem sujeitos a rigoroso exame e irem depois conjuntamente representar o Brasil no que tem de importante, de útil, curioso e interessante, no que patenteia o seu incremento e justifica as fagueiras esperanças do futuro.
Como todas as outras, foi a província de Goyaz convidada a cooperar com o contingente que em suas forças coubesse; convite obrigatório que, nas circunstâncias especiais em que se acha, trazia-lhe grave o custoso compromisso. Só de um lado houve logo e devia haver nos seus nobres filhos o desejo patriótico de acudir ao chamado do país, de outro era-lhe natural, e bem desculpável, o sentimento de esquivança em vir entrar em desvantajosa competência com outras porções do Império privilegiadas pela força das coisas ou pelo favor dos homens, e exibir apoucadas amostras daquilo que por si é grandioso e infunde grata surpresa.
Nessa alternativa, a província de Goyaz procedeu com a lealdade e clareza que lhe são costumadas e, com os recursos financeiros de que dispõe, à exposição nacional enviou o que pôde, unicamente como inequívoca prova de boa vontade, e não como representação do que é, do que vale, do que poderá ser e há de valer um dia.
Basta enumerar a soma empregada na aquisição e remessa dos produtos agrícolas e industriais, que deviam viajar por terra centenas de léguas antes de chegarem às prateleiras onde estiveram dispostos, basta enunciá-la para dar plena justificação à singeleza daquela exposição e ver que baldados haviam do ser os esforços dos filhos de tão longínqua zona e do seu digno, probo e estimado administrador: um conto e seiscentos mil réis!
III
Variedade e exuberância dos recursos goianos.
Goyaz e as outras províncias do Império.
O papel civilizador de S. Paulo E entretanto Goyaz, pela variedade e exuberância, dos recursos naturais que encerra, é uma província imensa, uma região favorecida dos mais opulentos e apetecidos dons da criação.
Grandes rios por toda a parte lhe cortam a extensa área, como que incitando o comércio interno e a permuta: campos ubérrimos se alongam desertos e inaproveitados;
metais preciosos jazem ocultos nas entranhas da terra; matas de alentados madeiros orlam os caudais e cobrem o dorso de serras salpicadas de custosos cristais: todos os tesouros, enfim, da natureza acham-se ali espalhados com inexcedível profusão, tão abundante quão abandonados.
Quantas vezes não fica o viajante extasiado ao ver desenrolarem-se ante seus passos dilatadas e verdejantes campinas, esmaltadas de um sem-número de flores silvestres, sulcadas de córregos limpidíssimos, ornadas de majestosos buritis, e ao longe emolduradas por linhas de montanhas caprichosamente recortadas?
Quantas?
É isto que Goyaz não pôde enviar ao palácio da exposição nacional.
Se o painel é mágico, em compensação as sombras são carregadas.
Goyaz, essa região favorecida, é o centro do Brasil, cuja maior vitalidade e civilização concentram-se, como é sabido, na orla marítima, embora se alargue de dia para dia.
Goyaz não tem população para bem povoar uma zona sequer de seu imenso território; não tem hábitos de trabalho constante, pois não vê a retribuição imediata do labor; não sente em si a evolução do progresso; vive vida lânguida e desanimada e, prostrado sobre minas riquíssimas de ouro, não possui um real de seu.
Amazonas e Mato Grosso podem à primeira vista parecer ainda mais mal aquinhoados e infelizes; mas elas [as províncias] têm o Amazonas e o Paraguai, rios francos, navegados sem interrupção e que são outros tantos braços do oceano a levarem ao centro das mais remotas localidades o alento e o comércio.
Sertão no Brasil quer dizer terreno ainda não de todo ganho ao trabalho e à civilização. Todas as províncias limítrofes de Goyaz o têm largo e até mal conhecido;
mas agora aos pontos mais extremos do Pará, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, S.
Paulo e Mato Grosso, somem-se as léguas e léguas que é preciso vencer para chegar à capital de Goyaz e às suas cidades, senão florescentes, em todo o caso não moribundas, e ter-se-á consideração para quem vive tão segregado e talvez esquecido da comunhão brasileira.
Vai nisto uma increpação, uma censura, um queixume?
Não, até certo ponto.
Ninguém pode ser culpado das desvantagens topográficas com que luta a província; ninguém pode de chofre remediá-las. Ela tem irremessivelmente que esperar que as irmãs que a cercam ganhem forças e progridam, a fim de receber a influição externa e, cobrando robustez, concorrer lambem para o engrandecimento da pátria comum.
E, como S. Paulo, relembrado da antiga e assombrosa energia, marcha na irradiação do progresso novamente para o norte, desta feita assinalando seus passos com triunfos mais duráveis, é por aquele lado que, com razão, esperam os goianos mais depressa receber o abalo que os sacuda do entorpecimento de letal prostração.
Chegue, com efeito, uma linha férrea às margens do majestoso rio Grande – e esse dia não está distante –, e logo raiará, se não para a província toda, com certeza para sua parte meridional, mais povoada e laboriosa, uma era de real prosperidade e de esperanças, ainda não conhecida.
Esse dia, esse momento, Goyaz terá tido o merecimento raro de esperá-lo paciente e resignadamente que é triste viver-se em terra que vai em decadência, sem que ao longe se veja luzir promessa de melhores tempos.
IV
A fase da mineração aurífera.
Dias de esplendor. Decréscimo de mineração.
Desmembramento do território goiano Foi a sede de ouro que trouxe o descobrimento de Goyaz. Aventureiros de toda a casta seguiram as pisadas de Pascoal Paes de Araújo, Manuel Correia, e, sobretudo de Bartolomeu Bueno da Silva – o Anhangüera – e de seu filho, que, varando ínvios sertões, arremessando diante de si hordas de índios, embora pacíficos, e, escravizandoos, foram ter às margens do Araguaia.
As descrições da região [das tribos] dos araés ou aracis, onde eram de ouro as montanhas, de prata o fundo dos lagos encantados e nas rochas viam-se gravados os martírios de Nosso Senhor Jesus Cristo, inflamavam a imaginação daqueles intrépidos exploradores, possuídos todos da febre das riquezas e os impeliam em numerosas e desordenadas chusmas a buscarem as sonhadas maravilhas.
Apesar do que encontraram, do muito ouro que o seio das terras freneticamente revolvido, os rios desviados do curso, as montanhas cortadas a talho aberto, desvendaram, tantos foram os malogros, tamanhos os desenganos que as povoações de Goyaz, às pressas constituídas, nunca tiveram, para assim dizer, um período de verdadeiro florescimento.
Já em 1785 o governador Tristão da Cunha3 assinalava seu profundo abatimento, quando [as povoações] apenas datavam de 1726.

3 Tristão da Cunha Menezes, governador da capitania de Goiás de 27 de junho de 1783 a 25 de fevereiro de 1800. Com efeito, diz um escritor notável, o general Cunha Matos,4 os anos de 1761 e seguintes foram e têm sido anos diversos dos que haviam decorrido desde a descoberta da província. O ouro diminuiu, as fábricas dessecaram-se, os trabalhos extinguiram-se, e os habitantes de Goyaz sentiram a mão férrea da desgraça ir pesando sobre suas cabeças. Endividados com a fazenda pública, com as praças de comércio de beira-mar, com o juízo dos defuntos e ausentes, com o cofre dos órfãos, e com os particulares que os haviam acreditado, perseguidos pelos inexoráveis agentes fiscais e pelos credores, viram-se eles despojados de suas efêmeras riquezas, e reduzidos repentinamente à última indigência.
As coisas nesse declive foram a pior, e, quando Augusto de Saint-Hilaire,5 em 1819, visitou a província, pôde nas seguintes palavras reunir o seu passado e o que ele via com os olhos da mais escrupulosa imparcialidade:
Minas de ouro descobertas por alguns homens audazes e empreendedores; uma multidão de aventureiros precipitando-se sobre riquezas anunciadas com a exageração da avidez e da esperança; uma sociedade que ganha hábitos de ordem sob o rigor da disciplina militar e cujos costumes foram se abrandando pela influência de clima abrasador e mole ociosidade; curtos instantes de esplendor e prodigalidade; ruínas e contristador decaimento; tal é em poucas palavras a história da província de Goyaz.
E como consolo, acrescenta:
É mais ou menos a de todas as regiões auríferas.
Naquelas dolorosas circunstâncias, certo parecia o aniquilamento total.
O que, porém, impediu, que todos os arraiais fossem progressivamente se extinguindo, como aconteceu com tantos de que resta tão-somente o nome, que as populações desacoroçoadas para sempre deixassem os lugares que não podiam mais satisfazer suas largas ambições?
Foi uma nobre resolução.
Os filhos daqueles inquietos exploradores compreenderam que era impossível continuar a ingrata mineração que exaure o solo e só enriquece o forasteiro, e então puseram-se não mais a cavar a terra, mas a cultivá-la, e de pronto colheitas feracíssimas,
4 Raimundo José da Cunha Matos, autor de Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerias e Goyaz e Corografia histórica da província de Goyaz, publicados respectivamente em 1836 e 1874. Veja também bibliografia no final.
5 Naturalista francês (1799-1853), viajou por Goiás entre maio e setembro de 1819, autor de Voyages dans l´intérieur du Brésil, 3ème partie: Voyages aux sources du Rio S. Francisco et dans la province de Goyaz, publicado na França entre 1847 e 1848. Veja também bibliografia no final. umas após outras, cada qual mais copiosa, recompensaram o abençoado trabalho.
Tanta fartura, excedente de muito às necessidades do limitado consumo, foi então aos poucos, mas seguidamente, atraindo nova emigração de gente, e esta moralizada e afeita às lidas da agricultura. Foi assim que milhares de mineiros, paulistas e cearenses vieram e vêm sucessivamente vindo povoar e fertilizar os sertões de Goyaz, trazendo para essa nova terra de promissão todos os benefícios da confiança no futuro.
Daquela transformação difícil, que honra a província e que ainda se está operando, surgiu o apego que todo goiano tem à terra em que nasceu. Pode achá-la tristonha, entorpecida, isolada, mas ama-a com todas as forças do coração.
As mutilações que já sofreu e ainda receia, à vista das pretensões das províncias confinantes, doem-lhe fundamente, e não por tacanho egoísmo, que são as mesmas porções destacadas e unidas a corpos mais vigorosos que se queixam e protestam.
Foi por isto, foi inspirado nesse arreigado e veemente sentimento que, como representante de Goyaz na última legislatura, com tenacidade me opus à projetada desanexação da importante comarca da Boa Vista6 em favor do Pará.
Para tais desmembramentos acabou o pretexto sempre renascente. Hoje Goyaz, sobretudo daquele lado, tem limites perfeitamente naturais, limites como nenhuma outra província; deve conservá-los e esperar unido dias mais felizes e a que tem pleno direito.
Ou então, atendendo a considerações de ordem elevada e para ativar aquele resultado, seja pelo Poder Legislativo definitivamente separado em duas vastas zonas, ambas com sobejos elementos de engrandecimento e que de certo progredirão mais ou menos rapidamente: uma ao sul, em contato com a prosperidade de S. Paulo: outra ao norte, por meio de navegação dos rios Araguaia e Tocantins.
V
O sistema hidrográfico goiano.
O que pode dar a navegação fluvial Depois daquela bela e inesperada transmutação de região metalúrgica em zona meramente agrícola, como causa principal do estado estacionário e de desalento em que
6 Atual Tocantinópolis, no Estado do Tocantins. ainda se acha a província, assinalam-se as distâncias enormes que se interpõem entre qualquer de seus pontos e o animado litoral do oceano Atlântico.
Quantos, porém, conhecem o seu sistema hidrográfico ponderam conceituosamente “que a natureza parece ter-lhe preparado meios de comunicação, que tão-somente esperam por população mais condensada para fazer florescer o comércio o permitir-lhe enviar seus produtos às duas extremidades do Brasil”, de um lado pela navegação dos rios Meia Ponte, Turvo, dos Bois, Paranaíba e Rio Grande ou Paraná; do outro pelo Araguaia e Tocantins, até a capital do Pará.
Estas linhas fluviais são com efeito de espantoso desenvolvimento; mas, cumpre dizê-lo, cheias de obstáculos, canseiras e perigos, que, se não impediram sua completa exploração, fizeram pelo menos desacoroçoar quantos as seguiram depois dos primeiros descobridores, necessitando em muitos pontos dos melhoramentos embora não custosos da arte.
A do sul, que, pelo Tietê, pôde levar ao coração da província de S. Paulo, foi ardida e desastradamente encetada por Estanislau Gutierres em 1808; depois, com melhor êxito levada em 1816 à conclusão pelos intrépidos José Pinto da Fonseca e João Caetano da Silva, alcançando este com relativa facilidade o povoado de Piracicaba, em S. Paulo.
No ano de 1824, Antônio Leite, desceu os rios Turvo e dos Bois, entrou no Paranaíba e, navegando-o águas acima, foi, depois de subir durante seis dias o rio das Velhas, ter à povoação de Santa Ana, na província de Minas Gerais.7 Ultimamente, em fins de 1873, um juiz de direito, o dr. Aguiar Whitaker, explorou o rio Meia Ponte, que na ocasião pela extrema seca não dava navegação, mas que, em tempo de cheias presta-se perfeitamente ao movimento de vapores. Entrou no majestoso Paranaíba, subiu os rios dos Bois e Turvo, que dão ótimo trânsito em qualquer tempo e voltou ao Paranaíba, cujo curso sulcou a montante e a jusante. Diz ele:
Em nenhum ponto por onde passei deixa esse grande rio de dar fundo para uma nau, nem tão pouco o canal se estreita a menos de vinte braças. A não ser em alguns lugares sinuoso e rápido, fora de navegação franca e cômoda, circunstância, porém, que não impede de modo algum a passagem de embarcações menores e de fácil governo. Principalmente para cima pode-se estabelecer sem risco nem incômodo algum uma linha de vapores desde o canal S. Simão até a cachoeira Dourada, 25 a 30 léguas.

7 Na época, o topônimo rio das Velhas era usado para diversos cursos d´água. Na região, designava tanto um afluente do Paranaíba como outro do rio Grande, ambos em Minas Gerais . Só serão, contudo, devidamente auferidas todas as vantagens dessas largas vias de comunicação, depois de melhoradas e apropriadas ao comércio, quando uma estrada de ferro tiver, como eu já disse, alcançado ou a barranca direita do rio Grande ou a vila de Santa Ana do Paranaíba.8 A linha fluvial do norte consta de dois gigantescos caudais, que, depois de colherem o tributo de inúmeros confluentes, vão em comum levar as águas ao Guajará, braço mais meridional do grandioso Amazonas.
Para o incremento do Norte da província de Goyaz, e reflexamente de toda ela, bastará a navegarão seguida e fácil de um só desses dois rios; mas a natureza, parecendo pródiga em suas dádivas, salpicou-os ambos de tantas cachoeiras, itaipavas e penedias, que só a poder de muita constância e perícia podem ser aproveitados.
Apesar de tudo, tem sido essa navegação de todo o tempo considerada como um dos mais valiosos elementos da prosperidade da terra goiana e representa uma soma enorme de esforços feitos pelos homens que consagraram e consagram àquela bela província amor e interesse.
Afluente do Tocantins, nasce o Araguaia (ou Ara-raguaya), aos 19 graus de latitude S. na serra do Caiapó, corre mais de 200 léguas de S.S.O. a N.N.E. e antes de perder, talvez injustamente, o nome, absorve o contingente de 16 caudalosos rios e de um sem-número de tributários de menor importância.
O Tocantins, primitivamente chamado Paraopeba, e formado de três grandes ramos – o Uru, o das Almas e o Maranhão – recebe, no seu curso de 370 léguas, o cabedal de 40 grossos feudatários, alguns dos quais imensos como o Paraná,9 o do Sono, o Manoel Alves, etc.; toma por algum tempo direção quase paralela ao Araguaia;
inclina-se depois como que a formar um ângulo agudo e afinal descreve um extenso arco de círculo, que vai findar no ponto de confluência, onde se levanta o presídio10 de S. João das Duas Barras.11
8 Atual cidade de Paranaíba, no Mato Grosso do Sul.
9 Trata-se na verdade do rio Paranã.
10 Nesta acepção designa sede de guarnição militar.
11 Atual São João do Araguaia, no Estado do Pará. VI
A navegação do Araguaia e do Tocantins.
Primeiras expedições fluviais. Esquisita pretensão de Castelnau Deixando de lado a singular pretensão de Castelnau,12 que, por ter viajado o rio Araguaia no ano de 1844, como que chama a si as glórias de primeiro explorador, a ponto de declará-lo à peu près inconnu13 e querer batizá-lo, vemos que sua navegação, com fins de buscar ouro ou catequizar indígenas, data dos tempos dos mais remotos descobrimentos na zona central do Brasil.
Em 1669, Manoel Brandão e Gonçalo Paes, vindos do Pará, subiram o Tocantins e, vencendo os óbices da zona encachoeirada, entraram no Araguaia, cujo curso, porém, só foi conhecido até a ilha do Bananal, depois da viagem do capitão Diogo Pinto de Gaya, em 1720.
Com vistas comerciais foi o Tocantins o primeiro navegado, pois em 1772 o governador de Goyaz, José de Almeida e Vasconcelos,14 incumbiu Antônio Luiz Tavares Lisboa de levar um carregamento de gêneros de permuta a Belém.
Concluída a arriscada empresa, viu-se Lisboa, contra suas esperanças, maltratado pelo governador do Grão-Pará, ficando-lhe terminantemente proibido voltar por onde viera, o que o obrigou a passar para o Maranhão, donde por terra seguiu para Goyaz.
Entretanto, só no ano de 1791 foi que Tomás de Souza Villa Real desceu, no governo de Tristão da Cunha e Menezes,15 o Araguaia, com destino a trocar na praça do Pará alguns couros, e muitas arrobas de cristal de rocha.
Desta vez, porém, o fato pareceu de tal importância e tamanhas as conseqüências, que o governo português por carta régia de 1798 recomendou ao capitão
12 Francis Castelnau (1812-1880), naturalista francês. Viajou por Goiás entre fevereiro e dezembro de 1844, autor de Expedition dans les parties centrales d l´Amérique du Sud, publicado em Paris em 1850. Veja também bibliografia no final.
13 Em francês: meio desconhecido.
14 Governador da capitania de Goiás de 26 de junho de 1772 a 17 de maio de 1778.
15 Governador da capitania de Goiás de 27 de junho de 1783 a 25 de fevereiro de 1800. general nomeado para Goyaz, d. João Manoel de Menezes,16 se dirigisse em pessoa pelo rio Araguaia a tomar conta da administração em Vila Boa de Goyaz, o que na verdade foi cumprido.
Apesar da expressa indicação real para favonearem-se aqueles ardidos cometimentos e de algumas tentativas feitas no sentido de ajudá-los eficazmente, quem procurou dar verdadeiro impulso à navegação do Araguaia e Tocantins, desviando ainda mais os povos do mister ingrato da mineração para incliná-los ao moralizador empenho do lavramento das terras, foi sem dúvida alguma d. Francisco de Assis Mascarenhas,17 posteriormente Conde e Marquês de S. João da Palma.
Achando no desembargador Joaquim Teotônio Segurado,18 primeiro ouvidor da comarca de S. João das Duas Barras, um auxiliar precioso, encarregou-o do promover o aproveitamento do rio Tocantins e voltou exclusivamente sua atenção para o Araguaia, em cujo vale enxergava auspicioso futuro.
Para realizar seus planos escreveu antes de tudo ao governador do Grão-Pará, pedindo-lhe auxílios e cooperação.
Não teve resposta, ou se a teve foi seca e desanimadora. Malgrado tal frieza, mais um empecilho aos tantos com que lutava; malgrado um naufrágio no rio do Peixe ou Tesoura, que lhe ia custando a vida, não sentiu arrefecidos os impulsos do zelo, e, em maio de 1806, conseguiu fazer partir do porto de Santa Rita uma monção de cinco canoas, a que se agregaram mais quatro pertencentes a particulares, tripuladas por 94 pessoas, e levando um carregamento de 1.640 arrobas em açúcar, couros, algodão, quina, fumo e vários outros gêneros.
No ano seguinte, pela mesma época, novo comboio, com carga quase igual, foi despachado para o Pará, a cujo governador, d. Francisco, como prova do quanto interessava à população de todo o interior do Brasil o prosseguimento regular dessas expedições, escreveu extensa carta, na qual se liam as seguintes linhas:
Esta capitania toda de Goyaz tem colocado única e exclusivamente as esperanças de seu futuro melhoramento na adoção dos planos oferecidos por mim ao ministério, porém unanimemente aprovados pelos interessados deles.

16 Governador da capitania de Goiás de 25 de fevereiro de 1800 a 27 de fevereiro de 1804.
17 Governador da capitania de Goiás de 27 de fevereiro de 1804 a 28 de novembro de 1809.
18 Autor de Memória econômica e política sobre o comércio ativo da capitania de Goyaz, publicado na cidade de Goiás em 1806. Em 1808 ainda saiu outra esquadrilha, mas já com muito menor carregamento, e, o que mais triste era, levando em seu seio o desânimo e o receio. Os riscos da navegação eram avultados, exagerados ainda mais pelos tímidos e descontentes; as cachoeiras extensas; as itaipavas contínuas; as febres mortíferas e as margens numa extensão de mais de 300 léguas completamente desertas ou antes cheias de traições e ocultos perigos, pois não raro se transformavam os selvagens, de índole embora pacífica, em denodados defensores da ínvia região para onde haviam sido rechaçados.
Além disto nenhuma das risonhas e um tanto precipitadas previsões de d.
Francisco se tinha realizado. Como dantes continuaram despovoadas as vizinhanças do grande rio; ninguém as procurou para fixar residência; nenhum núcleo de população corajosa e trabalhadora se formou, ficando sem execução as bondosas promessas da carta régia de 7 de janeiro de 1806, a custo alcançada, que por dez anos isentava de todos os dízimos a quantos fossem organizar lavoura nas margens do Tocantins, Maranhão e Araguaia.
Também a 26 de novembro de 1809, de Goyaz partia d. Francisco de Assis Mascarenhas para tomar as rédeas do governo de Minas Gerais, e a navegação do Araguaia, que jubilosamente sobressaltara o coração dos goianos, caiu novamente no círculo das grandes empresas tão ambicionadas quão difíceis de ser realizadas.
VII
Ainda a navegação do Araguaia.
Reforma dos hábitos das populações E o que fizeram os sucessores de d. Francisco? – pergunta Alencastre na sua história da província de Goyaz.19 Quase nada, para destruir os preconceitos populares, para prosseguir com coragem na obra tão bem começada, e dar-lhe o último remate: o que estava feito, desapareceu. O governo matou a navegação do Araguaia, condenando-a por impossível; o povo repetiu o anátema, e os selvagens, mansos e pacíficos nas suas aldeias, nunca mais viram nessas águas descer as canoas dos ousados aventureiros carregadas de mercadorias, nunca mais foram perturbados em seu tranqüilo repouso.

19 Veja bibliografia no final. A censura não cabe a quem a faz, pois José Martins Pereira de Alencastre, quando presidente da província de Goyaz,20 voltou, durante o proveitoso período de sua curta administração, as vistas para o Araguaia e Tocantins, devendo-se às suas perseverantes reclamações o restabelecimento do presídio de Santa Maria,21 cuja destruição importara o total abandono da navegação para o Pará.
A quem cabe, porém, a glória incontestada de ter completado a obra de d.
Francisco, conseguindo mais do que ele, mais do que ninguém, é ao dr. José Vieira Couto de Magalhães, um dos nomes mais justamente conhecidos e populares não só no interior do país, como em todo o Brasil.
Tomando a navegação do Araguaia, desde os dias de sua presidência (1863-
1864)22 em Goyaz, para motivo de constante e verdadeiro apostolado: arriscando por vezes a vida nos inúmeros parcéis dos dois grandes rios; viajando de contínuo e sempre a estudar, ora as raças aborígines, seus costumes, índole, tradições, ora os meios mais certos de desenvolver a grande zona central deste Império; fazendo entusiástica propaganda já na Corte, já no fundo dos sertões, teve por fim a felicidade de ver coroados tantos esforços, tanta dedicação e fadiga pelo decreto legislativo de 20 de agosto de 1870, que autorizou o governo para mandar estudar a região encachoeirada do Araguaia e Tocantins e abrir estradas marginais, auxílio poderoso à navegação a vapor que, apenas estabelecida, foi subvencionada com a quantia anual de 73:000$000, dos quais 40:000$000 fornecidos até 30 anos, pelo cofre geral, sendo o resto preenchido pelos do Pará e Goyaz.
Esta província, ao receber tão assinalado beneficio, cuidou chegada a hora da ressurreição. O porto de Leopoldina,23 sito na confluência do Araguaia e do rio Vermelho e a 29 léguas da capital, manifestou vivo incremento; os presídios todos, de Itacaiúnas, Monte Alegre, Santa Maria, S. José dos Martírios e S. João das Duas Barras, estabelecidos à margem do grande rio, só reanimaram; a catequese tomou impulso novo, e a vida como que se infundiu naqueles inanimados desertos.
Ainda porém desta feita os resultados ficaram muito aquém da expectação.

20 Entre 21 de abril de 1861 e 26 de junho de 1862.
21 Atual Araguacema, no Estado do Tocantins.
22 Couto Magalhães foi presidente da província de 8 de janeiro de 1863 a 5 de abril de 1864. É autor de Viagem ao Araguaia, publicado na cidade de Goiás em 1863. Veja também bibliografia no final.
23 Atual Aruanã. Embora fosse o silvo dos vapores acordar os ecos daquelas impenetráveis solidões, tão difíceis de serem devassadas, embora lutasse pertinazmente o dr. Couto de Magalhães, escassearam as viagens; as sezões assolaram tudo; apagou-se o curto entusiasmo; os carregamentos faltaram e, mal encetada a carreira comercial entre Goyaz e Pará, ficou ela interrompida por mais de três anos.
É o que nos diz o último relatório do atual presidente, o dr. Antero Cícero de Assis,24 o qual, tendo necessidade de formar um comboio para o Pará, viu-se em sérias dificuldades para achar quem o dirigisse, conseguindo a custo fazer partir, a 29 de março de 1875, diminuta esquadrilha que, além de cargas do governo e passageiros, levava 28 animais muares, 400 couros de boi e 650 arrobas de cristal de rocha.
Sem dúvida alguma a navegação do Araguaia é um grande passo, mas ao mesmo tempo medida parcial e que não se prende a um sistema bem travado de indispensáveis providências. No estado de completo abandono em que jaz a imensa bacia daquele caudal, no pé desordenado dos presídios militares que são núcleos de vícios e desmandos e nunca centros de onde possa irradiar população amiga do trabalho, cumpriria concomitantemente tratar de colonizar o ubérrimo vale, de atrair gente e prendê-la à terra.
A linha do Alto Tocantins, seguida, se não ativamente, pelo menos quase sem interrupção, desde que foi explorada, por iniciativa particular e sem auxílios nem melhoramentos, essa linha que tende a desenvolver-se apesar de muito mais penosa pelas cachoeiras e itaipavas, além de escassez de pescado, é prova evidente de que, apenas se congregue alguma população na bacia do Araguaia, serão derrocados todos os tropeços e devidamente utilizadas as facilidades que oferece em seu longo curso.
De importação estrangeira não se formarão decerto os pontos coloniais.
Será preciso reunir com jeito e persistência, dirigir e educar com firmeza e benevolência, a gente esparsa, inativa, indolente, que é uma das pragas do interior do Brasil e de Goyaz; essa gente que, como diz Cunha Matos, tem os paióis debaixo da cama, que é numerosa, superior a todo cômputo. Será preciso ativar a catequese, aproveitando a brandura natural dos índios e ensinando-lhes outros hábitos de existência, e, antes de tudo, reformar a organização das colônias militares, conservandoas para segurança da vida e bens dos raros que já por lá se acham e dos muitos que talvez forem se estabelecer, mas modificando radical e salutarmente o plano que as
24 Presidente da província de Goiás de 25 de abril de 1871 a 25 de junho de 1878. criou, e cortando de raiz as conseqüências perniciosas que gradualmente se originaram do isolamento e da impunidade.
VIII
Couto de Magalhães – Pereira do Lago, dois beneméritos de Goyaz E como conseguir isto?
De um único modo.
É o governo imperial entregar a tarefa a meia dúzia de homens patrióticos, inteligentes, de reconhecida prática, de energia comprovada, acostumados às labutações do sertão, fornecer-lhes meios amplos, atender a todos os seus pedidos e neles depositar durante convencionado prazo, ilimitada confiança.
Um, o país em peso o aponta; é o dr. Couto de Magalhães.
Outro, se me fora dado indicá-lo, o major Antônio Florêncio Pereira do Lago.
Na escola destes dois homens da luta, verdadeiros guerreiros, pois a existência para eles tem sido um perene labutar, formar-se-iam quantos fossem precisos.
O major Florêncio do Lago foi o engenheiro encarregado de estudar a zona encachoeirada do Tocantins e Araguaia; preparou os belíssimos desenhos e projetos que, expostos na seção de obras públicas da Exposição Nacional, tem merecido o aplauso dos entendidos; palmeou aqueles lugares dois anos e meio; possuiu-se do valor agrícola e produtor daqueles vales, e com o espírito prático de que é dotado calculou os meios que deveriam concorrer para torná-los dos mais ricos em todo o Brasil.
No ponto a que cheguei, se bem veja alongar-se esta ligeira notícia de sua natureza deficiente e resumida, não posso ter mão25 no desejo de tirar do relatório, importantíssimo e ainda inédito,26 daquele meu distinto amigo e companheiro, vários e curiosos dados sobre o Araguaia e Tocantins, considerados como vias de comunicação.
Servirá de desculpa à transcendência do problema para o engrandecimento e felicidade da província de Goyaz.

25 Ter mão no desejo = conter o desejo.
26 O relatório foi publicado em 1931, na 2ª edição de Goyaz, como se pode ler no prefácio àquela edição.
IX
A navegação do Araguaia.
As duas seções do grande rio Em sua linha de navegação oferece o Araguaia duas seções; uma franca, excelente, nuns 1.040 quilômetros desde Itacaiú, presídio mantido pela província de Mato Grosso e situado 5l quilômetros acima do de Leopoldina, ponto mais próximo da capital de Goyaz, até a colônia militar de Santa Maria, outra desde aí, mais ou menos encachoeirada, nuns 600 quilômetros até ao ponto de confluência com o Tocantins, em S. João das Duas Barras.
Unidos os dois rios, continua o Tocantins, já na província do Pará, cheio de cachoeiras, por 448 quilômetros até próximo a Santa Helena de Alcobaça, que dista de Belém 279 quilômetros e donde pode começar uma linha regular de vapores.
Em toda esta região encachoeirada, o leito do rio é de pedra xisto argilo-talcosa e gneiss, diz Castelnau, e cortado de travessões perpendiculares à correnteza, que têm a denominação local e particular de itaipavas, palavra que substitui perfeitamente o termo técnico francês barrage.
Esses bancos de rochas são de origem eruptiva, de cor verde-escura, consistência tenaz e compostos de diorito e fonólito, de onde lhes vem tal ou qual sonoridade. São prolongamentos das colunas, que se levantam de um lado e dentro da corrente e formam um sistema orográfico, talhado em direção perpendicular pelas águas a buscarem o mais fácil declive para seu escoamento. Nessa imensa sucessão de extensíssimos e suaves degraus originam-se perigosos rápidos ou corredeiras, quedas, rebojos, contracorrentes e maresias, onde as ondas se encapelam furiosas.
Entre as águas baixas e altas é a diferença em todo o rio extraordinária, pois não raras vezes sobe a 10,17 m.
Em duas seções divide-se também a região encachoeirada do Araguaia e Tocantins.
Uma, da colônia militar de Santa Maria ao Seco de S. Miguel, menos penosa e cortada de nove cachoeiras, que se transpõem sem perigo; outra, desde aquele ponto até ao entroncamento dos rios e Santa Helena de Alcobaça, na província do Pará, na qual se amiúdam as dificuldades e em muitas ocasiões correm iminente risco as vidas dos viajores.
Em primeiro lugar apresenta-se a carreira Comprida, de 9.246 metros de extensão, toda pejada de cachopos e pontas de rochedos, de encontro às quais arrebentam as águas em espumantes cachões, cujo estrondo e alvura deslumbram e tonteiam o inexperiente viajante, ao passo que os pilotos, proeiros e remadores das canoas, a poder de varejões e sirgas, fazem prodígios de perícia, destreza e sangue frio.
Depois se alcança o tão falado ponto dos Martírios, onde o perpassar da correnteza em rochas estratificadas deixou curiosos lavores, em que os primeiros navegantes e a imaginação do povo viram os emblemas sagrados do sacrifício divino.
Estreita-se o rio numa linha de 6 léguas e leva à cachoeira Grande, cuja violência e vertiginosa carreira põem em prova o valor das tripulações e a solidez das canoas, não raro irresistivelmente impelidas contra grandes penedos. Em seguida é varada a corredeira de S. Bento dividida em dois sinuosos canais e mais além a itaipava do Carmo.
Dominado pelo presídio de S. João do Araguaia ou das Duas Barras, o qual certamente pertence a Goyaz, mas está ocupado por gente do Pará, e salpicado de ínsuas e coroas de areia, é o ponto de junção do Araguaia com o Tocantins, que desemboca por três braços.
Pouco abaixo da confusão das águas, fica o seco de Mãe Maria, adiante o Tauirizinho, o seco Grande e a cachoeira de Tauiri, a qual obriga a três descarretos em uma extensão de 14 léguas e é vencida ao descer, em 10 horas e, subindo, em 12 dias.
Então vão crescendo os óbices, que preparam o navegante para os três saltos do canal ocidental do furo de Itaboca – a cachoeira Grande e as do Portinho e de José Correia.
Aí de altura imensa atira-se a massa principal do rio, formando temerosa catadupa, que já foi contudo transposta por homens de modo milagroso e em circunstâncias terrivelmente dramáticas.
Em uma viagem de descida o capitão de dragões da província Miguel de Arruda e Sá teve graves desavenças com o seu primeiro piloto, a quem por vezes maltratou.
Este, sopitando os ímpetos da cólera, guardou a ocasião da passagem da Itaboca para exercer vingança certa: e, no momento crítico, em lugar de tomar o canal lateral, dirigiu a canoa que montava para o centro da grande correnteza. Mas Arruda, de pronto, conheceu-lhe o negro desígnio. Antes que se atirasse a nado, precipitou-se sobre ele, subjugou-o, puxou pela espada e pondo-lha aos peitos, intimou-o que voltasse. Já era, porém, tarde.
O barco, envolvido no torvelinho de medonhos redemoinhos, girava vertiginosamente. Impelido aqui, acolá, pelo desencontro das correntes, de repente disparou como seta desferida de possante arco e desapareceu no nevoeiro que envolve a catadupa.
O pulo foi enorme: a salvação espantosa, atribuída logo à proteção especial dos céus.
Após Itaboca, em que se gastam quatro dias de insana canseira, apresentam-se as cachoeiras do Tortinho e Arrependidos, o seco de Canaúa, novas cachoeiras de Tacamanduba, Oronhangüera e afinal, a última, de Vitam Eternam, que pelo nome expressivo parece resumir em si todas as fadigas da viagem, preparando o exausto navegante para a tranqüilidade da existência que não tem fim.
Depois chega-se a Santa Helena de Alcobaça ou a Arroios, que lhe fica fronteira, e daí o rio Tocantins corre largo e desimpedido até ir se lançar no grande Oceano, a não querer considerá-lo como tributário do Amazonas, com o qual, por meio de largos canais mistura as volumosas águas.
X
A navegação do Alto Tocantins.
Os trabalhos de Pereira do Lago A navegação do Alto Tocantins é feita numa extensão de 1.218 quilômetros desde a cidade da Palma27 até sua junção com o Araguaia. Em todo aquele desenvolvimento há só duas porções de mais cômodo trânsito: 154 quilômetros do ponto da confluência à vila da Imperatriz, na província do Maranhão, e 174 quilômetros da cidade de Boa Vista, cabeça da comarca goiana do mesmo nome, à cidade da Carolina, no Maranhão.
O mais é una série de cachoeiras, rápidos, corredeiras, torvelinhos, rebojos, maresias, saltos, um fervedouro sem fim de águas, uma arrebentação de furiosas ondas, um lutar incessante, um fugir perene de cachopos, uma fadiga insana de todas as horas,
27 Atual Paranã, no Tocantins. todos os minutos.
É de ver-se a intrepidez com que são superados tão terríveis obstáculos.
O piloto, de quem tudo depende, leva a frágil embarcação ao meio das embravecidas águas. Atento aos menores indícios, ora parece atirá-la sobre as rochas, das quais de repente se desvia com admirável rapidez, ora a mantém no eixo da corrente, cuja violência é tal que a vista se turva e o vento açoita dolorosamente o rosto.
Os proeiros, vigilantes ao mais leve aceno, manejam pesados varejões e, segurando em grossos cabos, ora se lançam à água, ora galgam ligeiros os cabeços das penedias.
Em relação às possibilidades, não são os naufrágios freqüentes; entretanto às vezes é acima das forças humanas impedir que a canoa vá despedaçar-se em mil fragmentos de encontro a grandes rochedos. A tripulação, arremessada violentamente ao rio, nada, mergulha, agarra-se às pedras e, caso não haja algum baque mortal, é logo recolhida pelos companheiros dos outros botes, tratando todos em comum – ímprobo serviço! – de salvar o carregamento, que se afundara num borbulhar de espumas.
Apesar de tudo isto, apesar de não se haver nunca tratado de melhorar tão fadigosa navegação, nem ainda quebrado uma só pedra em tantas cachoeiras, o trânsito, como acima indiquei, não tem cessado desde 1774, em que foi encetado.
Presentemente o número de barcos que nele se empregam é de 40 a 45, podendo alguns carregar mais de 25.000 quilogramas e entretendo uma tripulação superior a 700 homens. O tempo de viagem redonda ao Pará é, para os pontos situados acima de Carolina, de 3 a 6 meses e para os outros até a cidade de Palma, de 8 a 11.
É o que tanto anima em relação ao Araguaia; é o que deve ser, à saciedade repito.
Se a linha do Alto Tocantins é tão freqüentada, guardadas as proporções com os recursos do seu vale, malgrado os obstáculos que parece deveriam desalentar os mais pertinazes, o que não será da bacia do Araguaia, logo que se forem estabelecendo em suas margens alguns núcleos de laboriosa população?
O relatório do dr. Florêncio do Lago aponta todas as providências que mais depressa poderiam trazer aquele resultado. Para citá-lo, fora necessário reproduzi-lo. A
linguagem é a do homem do trabalho: concisa e seca. Não há palavra que desperdiçar.
E bem patentes deixam sua energia e amor à luta as seguintes frases, quando trata da salubridade da zona, que estudara:
Por certo o solo, coberto de dunas ou de rochedos graníticos e revestido de alguma vegetação, traz clima saudável, porém ninguém irá colonizar agricolamente um lugar desses, unicamente por ser conveniente à saúde dos emigrantes.
Em conclusão, parece claro que o engrandecimento progressivo de Goyaz por meio do Araguaia e Tocantins, embora custoso e demorado, será seguro e amplamente compensador de todos os sacrifícios.
Cumpre aproveitar as grandes despesas feitas nestes últimos anos; sustentar com perseverança a carreira já iniciada de vapores; proteger eficazmente a quantos se estabeleçam naqueles pontos; ajudá-los com algum dinheiro e privilégios; enviar missionários para moralizar a gente que se diz civilizada e chamar ao grêmio da religião e do trabalho as 25 hordas de selvagens que se ocultam nas matas; empregar os catecúmenos em serviço brando e prontamente remunerado; regularizar as relações dos brancos com os indígenas, vítimas aí como em Mato Grosso, como em qualquer parte onde existam, da prepotência, da má-fé e da ganância; melhorar os presídios e colônias militares; fundar outros; dar-lhes organização mais consentânea com o fim proposto;
manter barcos de passagem nos lugares em que as estradas cruzam os rios; conservar os 387.497 metros de caminho marginal que o dr. Florêncio do Lago abriu para desvio das grandes cachoeiras, que importaram em 134:000$000 e que o mato vai invadindo e fechando; ligar pontos do Alto Tocantins com outros do Araguaia e estes com o Coxim, no entroncamento do Taquari, a fim de entrelaçar o comercio goiano com o do grande rio Paraguai, impedindo, enfim, patrioticamente e com medidas relativamente de ordem inferior, que fiquem totalmente perdidos os esforços já feitos, que tanto custaram, mas também tanto conseguiram a bem do porvir daqueles belos, vastos e fecundíssimos vales.
XI
A fauna de Goyaz.
O grande rebanho da província Indicadas as causas da modéstia e escassez dos produtos naturais e de indústria remetidos pela província de Goyaz, naquilo mesmo que ela conseguiu reunir e enviar ao palácio da Exposição Nacional, podia, sem dúvida alguma, o observador atento encontrar assunto não limitado para interessantes e seguidos estudos. Na ala esquerda do edifício do Ministério da Agricultura ocuparam esses produtos, em número superior a 170, nove prateleiras de uma das salas do primeiro pavimento, na qual se viam também representadas duas grandes e adiantadas províncias do Império, de modo, porém, tão falto e descuidoso, que ressaltava logo um confronto, em todas as hipóteses, favorável à longínqua terra goiana.
Não querendo, entretanto, fazer cabedal da vantagem de comparação entre coleções incompletas e deficientes, qualquer que fosse o motivo, convém agora examinar e apreciar um tanto individuadamente o que foi exposto em nome de Goyaz.
Como mostra de sua fauna de ordem mais elevada, vieram nove peles, das quais três indicadas no catálogo da exposição debaixo da especificação comum de onças.
Uma mereceria, contudo, assinalamento especial, pela valiosa razão de que pertence a um dos animais mais raros das florestas brasileiras; e como evidente prova aparece única em seu gênero nas profusas coleções de peles que as vinte províncias remeteram.
É a da onça preta, mais particular e comumente chamada tigre, variedade da onça ou jaguar – variedade acidental, diz Cuvier28 – fera de difícil caçada, pela raridade, e muito temida pela braveza e ferocidade dos instintos.
Relata Azara29 que “na costa superior do rio Paraná, em quarenta anos, só duas tinham sido agarradas”, e na própria província de Goyaz, onde há ainda extensas e mal devassadas matas, não podem ser encontradas senão nos lugares mais ínvios e recônditos dos vales do Araguaia e Tocantins.
A pele exposta tem 1,58 m de comprimento fora a cauda. À primeira vista d’olhos é uniformemente preta, mas, fitada com atenção e, sobretudo de encontro à luz, mostra malhas miúdas, anulares, simetricamente dispostas e de um preto carregado e luzidio, que sobressaem em fundo todo escuro, mas com reflexos ligeiramente alourados.
Embora não esteja perfeita, faltando-lhe pelo em alguns pontos, merece de certo
28 Georges Cuvier (1769-1832), zoólogo, um dos criadores da anatomia comparada, defensor da invariabilidade das espécies. Suas teorias eram contrárias ao evolucionismo, defendido entre outros por Saint-Hilaire e mais tarde por Darwin.
29 Dom Félix de Azara (1742-1821), espanhol, viajou a América do Sul, principalmente o vale do Prata. Publicou várias obras com suas observações, entre as quais Viajes Alrededor del Mundo y por la América Meridional. Incentivador da ocupação espanhola da região, fundou a cidade de São Gabriel, hoje no Rio Grande do Sul. a honra de ser enviada a Filadélfia, como espécime único da primeira e menos abundante das cinco castas em que, segundo Ayres do Casal,30 se dividem as onças do Brasil, a saber:
Tigres – Completamente negros ou malhados.
Onças ou panteras – Têm pintas simétricas sobre fundo branco ou amarelo.
Leopardos – Têm malhas miúdas.
Canguçus – Têm malhas grandes e a cabeça mais desenvolvida do que as outras.
Suçuaranas – São avermelhadas, puxando para louro; têm o lombo preto e dimensões menores.
Diz Castelnau que em Cuiabá viu uma pele de tigre mais larga que o maior couro de boi, e que o limite meridional, da habitação dessa fera, de que os índios têm muito receio, é aos 18° de latitude, ficando encerrada nas zonas mais quentes, ao passo que se encontram onças até na Louisiania [nos Estados Unidos] e o puma ou leão da América do Norte, do Canadá ao estreito de Magalhães, na Patagônia.
À pág. 59 do 2º volume de sua obra sobre o Brasil, refere o dr. Pohl31 a respeito deste animal:
Foi-me descrito como muito feroz, mas nunca o vi com vida. Pela bondade do padre vigário de Traíras e mais tarde pela de um franciscano que curei de uma febre, recebi peles, nas quais ainda se achavam a cabeça e os pés e que, devidamente preparadas, figuram hoje no Museu RealImperial (de Viena). Sou do parecer que esta espécie dada por nova pelo príncipe de Neuwied e por ele denominada Felis brasiliensis é a mesma já desenhada na Zoologia de Pennat. Julgo-a tão somente variedade da Felis onça, porque sobre o pelo escuro que a reveste, enxergam-se as pintas comuns às onças. Em todo o caso é dos mais raros animais do Brasil, não tendo o sr.
Natterer,32 apesar da longa residência, tido a felicidade de conseguir um único vivo. Disseram-

30 Manuel Ayres de Casal, autor de Corografia brasileira. Veja também bibliografia no final.
31 Johann Emmanuel Pohl (1782-1834), médico e naturalista austríaco. Viajou por Goiás entre dezembro de 1818 e junho de 1820. Autor de Reise im Innern von Brasilien. Veja também bibliografia no final.
32 Johann Natterer (1787-1843), naturalista austríaco que viveu no Brasil entre 1817 e 1836, integrante da missão oficial austríaca que acompanhou a futura imperatriz Leopoldina em sua vinda para casar-se com Pedro I. Responsável pela maior coleção de animais brasileiros da época, levada para o Museu Imperial de História Natural de Viena, é tido como um dos pesquisadores mais profícuos e importantes do século XIX no Brasil. Sua morte prematura em 1843 não permitiu que concluísse seu diário de viagem, cujos manuscritos foram queimados num incêndio em Viena em 1848. Sobreviveram poucos artigos científicos, em que discute e descreve alguns animais brasileiros. Veja também bibliografia no final. me que é mais freqüente para o norte e mais bravia e perigosa que a Felis onça.
À pág. 269 adita contraditoriamente:
Em Arraias procuraram, a instâncias minhas, apanhar uma onça preta (tigre). Com certeza não é ela, como aqui se julga, variedade da Felis onça. A cor da pele é escuro-pardacenta e nela facilmente se distinguem as malhas próprias da raça, mas o corpo é mais alongado. Seu aparecimento em regiões completamente incultas, sua ferocidade e robusta constituição merecem mais detida investigação. Consegui, principalmente no norte de Goyaz, ver muitas peles que de nada serviram para o fim que eu tinha em vista.
Dos outros animais indígenas não mandou Goyaz senão insignificantes espécimes; entretanto possui quantos são peculiares à natureza do Brasil, parecendo confirmar o princípio, um tanto arriscado, de Agassiz,33 que a divisão das províncias zoológicas do globo provém não tanto da temperatura, como da correspondência com os tipos humanos, devendo pois as regiões ocupadas primitivamente por homens da mesma raça ter todas idêntica fauna.
Ora, como se verifica facilmente, os xavantes, xerentes, jês, acroás, apinagés, otogés, noraquagés, e, segundo alguns, caiapós e bororos, que formam numerosas tribos da zona goiana, descendem diretamente do tronco geral dos tupinambás, pertencente à raça Tupi, que se estendia por todo o Brasil.
Outra regra, mais de acordo com os fatos da observação, explica a variedade, riqueza e abundância da fauna daquela província: é que a progressão zoológica depende da diminuição de latitude e do aumento de temperatura.
Assim, pois, naqueles centros achará o naturalista farta seara em qualquer dos ramos a que mais particularmente se queira aplicar.
As matas que orlam os caudais, os cerrados dos chapadões, os extensos campos de capim barba-de-bode (Panicum campestre), os capões, principalmente, em que denso arvoredo cobre quase sempre límpido manancial, e, mais do que tudo isso, os barreiros, onde a água salina ou salitrosa, retida em poços rasos, atrai toda a sorte de animais, desde os maiores e mais temíveis, como onças e sucuris, até aos mais imperfeitos bichinhos, estão cheios de mamíferos, aves, répteis, sáurios, ofídios, batráquios, quelônios, articulados, insetos etc., próprios do Brasil.

33 Jean-Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873), naturalista suíço, naturalizado norte-americano, viajou pelo Brasil entre 1865 e 1866. Autor de Voyage au Brésil. Veja também bibliografia no final.
Quanto aos rios, uns, contendo espécies particulares como o saboroso tucunaré, o matrinxã ou jurupensém, são em extremo piscosos, por exemplo: o Araguaia e seus afluentes; outros menos, como o Tocantins e em geral as correntes daquele lado.
Entre os mamíferos avultam as numerosas espécies de macacos – guaribas, coxiús, de cheiro, sauís, – as onças, guarás, gatos monteses ou maracajás, guaracães, guaraxains, guaraximins, iraras, jaraticacas, também chamadas cangambás ou zorrilhos, os quatis, quatipurus com lindo pelo e vistosa cauda, os gambás, os anfíbios – cachorros d’água, ariranhas, escuras e com uma coleira branca, lontras, maiores e pretas, – o inocente proboscidiano brasileiro, a anta, os porcos-do-mato (queixadas e caititus), os tamanduás, tatus, preguiças, os mocós e capivaras, as quatro34 espécies de veados (galheiros ou cerros, campeiros, catingueiros, e mateiros), etc.
Convém não esquecer entre os mais daninhos os morcegos, que em muitos pontos do norte de Goyaz e principalmente a vizinhança dos grandes rios aparecem em bandos numerosíssimos, verdadeiras nuvens, destroem grande quantidade de gado vacum, cavalar e suíno e sangram os próprios homens.
Assevera Cunha Matos que esses sanguisedentos quirópteros haviam principalmente concorrido, até à época de sua passagem por aqueles termos, para o abandono de mais de 400 importantes fazendas do vale do Tocantins.
Contou-me também o meu amigo dr. Florêncio do Lago que os homens da sua comitiva, apesar do cuidado e do nojo que tinham, amanheciam sempre picados e que um deles esteve até em perigo de vida pelas contínuas e largas sangrias que à noite lhe faziam os morcegos.
Em aves abundam: nos accipitres, 35 muitos urubus, alguns totalmente brancos, chamados urubutingas, gaviões e até águias, acauãs, caracarás ou ximangos, etc.; nas trepadoras, as araras-azuis, vermelhas e roxeadas ou araraúnas, que só se encontram no interior do Brasil; os tucanos-de-papo-branco, menos comuns do que o outro amarelo (Ramphastos discolor), de bico preto, muitos papagaios, periquitos, araçaris, pica-paus, etc. Entre os pássaros há bandos imensos de melodiosos caraúnas, encontros, muitos sabiás, viúvas, bem-te-vis, etc.

34 Ayres de Casal conta cinco, porque considera o suçuapara como espécie distinta; entretanto esse é o nome que no sertão dão à fêmea do galheiro, a qual é de menor tamanho e não tem galhada.
MARCAR ESTA NOTA (34) COM ASTERISCO, SEM NUMERAÇÃO SEQÜENCIAL.
35 Em latim: gaviões. Usado como sinônimo de acipitrídeos. Nos campos, ao menor alarme disparam tropas de emas e seriemas, ao passo que os pios das perdizes e codornas erguem-se de todos os lados.
Nas matas dos rios pousam os jacus, jacutingas, mutuns, aracuãs, correm os jaós e inhambus, e nas margens ou nos banhados habitam muitas espécies de pernaltas:
anhumas (Palamedea cornuta}, jabirus, socós, quero-queros, garças etc., bem como infindo número de palmípedes.
Entre os sáurios avultam os jacarés, em geral pouco temidos, com exceção dos de-papo-amarelo, teiús, etc.
Nas praias dos grandes rios há muita tartaruga, nos cerrados áridos os jabotis.
Nos ofídios, pelas dimensões merece especial menção a sucuri, que freqüenta mais os afluentes e bandas do Paraná, do que os do Paraguai e Amazonas, e pela virulência do veneno a cobra cascavel (Crotalus horridus) cuja mansidão contrasta com a terrível arma de que dispõe.
O caso é não ter a infelicidade de pisá-la. Num ponto de Goyaz, chamado Tapera, nossos soldados camaradas, roçando o lugar do acampamento, mataram em menos de meia hora sete grandes cascavéis.
Quando passei pelo sertão de Santa Ana do Paranaíba deixei de pernoitar no excelente pouso do Coletor e já sobre tarde continuei viagem, por haver ali sido, dias antes, picado e fulminado um alferes de cavalaria. O desgraçado tivera a desdita de ir sentar-se meio despido em um monte de folhas secas que cobria uma cascavel!
Entre os insetos: nos himenópteros contam-se muitas melíponas, cujo mel é saborosíssimo, especialmente se for da manduricão, caxeta e jataí. Nos heteróginos a formiga-carregadeira (Atta cephalotes) faz muitos estragos nas videiras, que em Goyaz podem dar excelente vinho, quando feito da uva da seca.
No Araguaia e afluentes há grandes moluscos, cuja concha é revestida internamente de madrepérola.
Todos os animais domésticos se aclimaram perfeitamente em Goyaz.
O gado vacum é abundantíssimo, volumoso, alto, de chifres grandes e abertos nas pastarias do sul, menor nas do norte. Este é levado para o mercado do Pará; aquele vem para o sul e abastece em parte o matadouro do Rio de Janeiro, apesar do exorbitante imposto de l$000, que por cada vez paga o boiadeiro para poder fazê-la atravessar a nado o rio Paranaíba, divisa de Goyaz com Minas Gerais.
Os cavalos criam-se perfeitamente. Embora freqüentes, nestes últimos anos as comunicações com o sul da província de Mato Grosso, onde desde 1855 grassa, vinda da Bolívia, a fatal peste de cadeiras, e sobre a qual nenhuma providência foi ainda tomada, não entrou a enzootia na província de Goyaz, e a comarca do Rio Verde, limítrofe com aqueles pontos, tem boa e robusta criação.
Do mesmo modo propagaram-se as cabras, carneiros, ótimos em Porto Imperial,36 porcos, galinhas etc.
O comércio de peles e couros que a província entretém é importante e escoa-se principalmente pela linha do Tocantins. Para o Pará seguem grandes carregamentos, ou curtidos, para o que empregam o angico e o barbatimão (Strypnodendron barbatimão)
ou em bruto. Não se exporta couro verde, pelo alto preço do sal.
Por uma estatística feita já de alguns anos vê-se que nos distritos de Meia Ponte,37 Corumbá, Bonfim,38 Santa Luzia,39 Santa Cruz, Catalão, S. José do Tocantins,40 Cavalcante, Conceição,41 Palma, Arraias, Anicuns, Rio Verde, Curralinho42 trabalhavam 297 curtumes, que por ano preparavam 8.410 meios de sola e 15.350 peles de animais.
XII
A flora goiana. Sua magnificência e exuberância.
Riqueza de essências Da magnificência e exuberância de sua flora nas três grandes classes fitológicas tinha a província de Goyaz profusos elementos para apresentar as mais belas e completas provas, mas na impossibilidade de o fazer, que fora tarefa quase sobrehumana, buscou, como minguado atestado de sua ainda não-explorada riqueza florestal, remeter algumas amostras de árvores sobremaneira abundantes nas suas matas, principalmente do sul, e próprias para a construção e variados trabalhos da indústria.

36 Atual Porto Nacional, no Estado do Tocantins.
37 Atual Pirenópolis.
38 Atual Silvânia.
39 Atual Luziânia.
40 Atual Dianópolis, no Estado do Tocantins.
41 Atual Conceição do Tocantins, no Estado do Tocantins.
42 Atual Itaberaí. Neste empenho modesto esbarrou ainda com o óbice terrível, que se chama falta de dinheiro, que peia a mais decidida boa vontade, esteriliza os mais valentes esforços, e na vida individual, como na dos Estados e províncias, traz invencíveis desânimos.
Para organizar uma coleção de madeiras de lei capaz de impressionar o observador e de exprimir a grandeza, valor e força da vegetação, convém do tronco dos mais corpulentos tipos da zona que se quer representar tirar grandes taboões, cortar grossos toros nos dois sentidos, latitudinal e longitudinal, e mostrar o durâmen nos quatro estados, bruto, falquejado, serrado e afinal envernizado, como mais ou menos fizeram os expositores das Alagoas e Paraná.
Por que preço, porém, ficaria, o transporte desses pesadíssimos volumes desde a capital de Goyaz até ao porto mais próximo, o porto de Santos?!
Reduziram-se, pois a delgadas lâminas o que na natureza é agigantado e daí provém o sentimento de insignificância que produz a exposição, ainda por cima muitíssimo deficiente, das madeiras de Goyaz, sentimento não modificado pela excelência de suas qualidades.
Quarenta amostras enviou a comissão da capital, composta dos dignos srs.
desembargador João Bonifácio Gomes de Siqueira, dignitário da Rosa43 Antônio Pereira de Abreu, cirurgião-mor de divisão dr. Francisco Antônio de Azeredo, capitão de engenheiros dr. Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim e alferes João José Corrêa de Moraes. O sr. coronel Francisco José da Silva, de Bonfim, expôs um bonito pedaço de gonçalo-alves.
Entre as primeiras figuraram, como é natural, em maior número as leguminosas, que compreendiam:
O angelim do gênero Andira, e, pela cor avermelhada, talvez espécie rosea. As sementes dessas árvores operam como poderoso vermífugo e podem produzir envenenamentos.
O angico-de-cortume (Acacia angico), cuja casca, contendo muito tanino, serve para curtir couros e peles, e no comércio tem o nome de casca brasileira. Abunda em todo o Brasil e no Paraguai, onde é denominado curupay. Dá uma goma que Ayres do Casal qualifica de alambreada. Há também o angico-preto e o vermelho, sendo a madeira deste amarela, listrada de encarnado e daquele de um amarelo carregado,
43 Membro da Ordem da Rosa, confraria da qual Taunay também fazia parte. uniforme.
O bálsamo (Myrospermum peruiferum), também chamado em algumas províncias cabreúva e óleo vermelho e em outras jacarandá-cabiúna, comum no Brasil, bem como na Guatemala, no Peru, na República Argentina, onde é impropriamente apelidado quina-quina, e no Paraguai, ibacy. De seu tronco distila uma resina fragrante denominada cabuericica e conhecida no mercado por bálsamo-do-peru, que se confunde com o de Tolu.
O jacarandá-preto ou cabiúna (Dalbergia nigra), usado debaixo da especificação de palissandre ou palissandre-de-Sainte-Lucie na indústria francesa, muitíssimo antes que lhe conhecessem a família e o gênero, por ter sido com mistério explorado na Guiana Holandesa.44 O jatobá do gênero Hymenaea, que encerra muitas espécies, das quais é a mais freqüente a curbaril, donde provém a goma-copal. Árvore abundantíssima em todo o Brasil, conhecida também por jetaí, jataí, jataíuva, jetaíba, jitaipeba, abati-timbaí, muito vulgar nos cerrados de Goyaz e Mato Grosso, quer áridos e arenosos como os de Baús45 e Santa Ana do Paranaíba, quer alagadiços como os do rio Negro.46 A folhagem é muito característica: folhas alternas, cada uma delas composta de dois folíolos articulados e tão profundamente cortados, que parece formarem um par de folhas simples: donde provém a referência ao himeneu. O legume é indeiscente e contém de quatro a seis sementes, metidas dentro de uma massa farinácea, pulverulenta e amarela, a qual pode servir, mais ou menos, para alimentação.
Todo expedicionário de Mato Grosso tem obrigação de olhar com reconhecimento para essa árvore, pois foram seus frutos providencialmente de uma profusão espantosa, que, durante muitos dias, exclusivamente sustentaram a coluna brasileira, quando ela, em maio e junho de 1866, achou-se, depois de chuvas extraordinárias, retida e ilhada
44 Atual Suriname.
45 Cidade situada no divisor de águas entre o Paraguai e o Paraná, vizinha ao Parque Nacional das Emas, hoje no Mato Grosso do Sul. Foi importante centro de distribuição de provisões e armamentos na Campanha do Paraguai.
46 Afluente do rio Paraguai, no Mato Grosso do Sul. no rio Negro, bem no meio dos pantanais que medeiam entre Coxim e Miranda.
Quando faltava a parca distribuição da simples ração de carne, metiam-se os soldados pelos cerrados inundados e de lá voltavam com sacos e sacos de vagens do jatobá. Da massa faziam bolos e pãezinhos, que, se não eram saborosos, pelo menos mitigavam a fome e impediam a morte à mingua. O abuso, porém, produziu logo obstruções e várias qualidades de moléstias.
As amostras expostas eram de jatobá-da-mata, de-folha-larga, e docampo, este último com cerne vermelho carregado.
A maria-preta (Melanoxylon braúna) tem o lenho de um escuro amarelado com veios largos cor de vinho. A casca tinge de vermelho. A
árvore chamada maria-preta-da-campina ou pau-cavalo é um Vitex e pertence então à família das verbenáceas.
A sucupira (Bowdichea major, Mart. Ormosea coccinea, Jacq.) dá madeira rija, pesada, de grande duração e cor amarela desmaiada, com largas zonas pretas. Tem bastante aplicação na medicina. O dr. Agostinho Vieira de Matos, hoje falecido, e um dos médicos que mais conheciam as propriedades terapêuticas da flora brasileira, preconizava o uso da sucupira contra a sífilis e moléstias cutâneas.
O pau-d’óleo, do gênero Copaifera, abundante em todo o Brasil, muito comum em Goyaz.
O pau-ferro-branco (Caesalpinea ferrea), cujo cerne não e tão apreciado como o vermelho escuro, apesar das propriedades de rijeza e duração.
O pau-roxo (Peltogynea guarubu), conhecido logo pela cor especial. Em algumas províncias, é chamado guarubu, em outras buxinho. Nos cerrados de Goyaz os há muitos, mas de desenvolvimento raquítico, expandindo-se então nas matas dos caudais.
O vinhático (Echyrospermum balthazarii. F. All.). Árvore muito freqüente, colossal em bons terrenos; nos cerrados menos possante, mas sempre de viso notável. Observei que as abelhas mandori afeiçoam fazer seus cortiços nesse pau, na dicotomia do tronco. Há diversas espécies de vinhático. O do-mato tem cerne amarelo, puxando para vermelho, listrado de largos veios pretos; o do-campo é, de cor uniforme amareloavermelhada.
Em alguns pontos de Goyaz chamam também este último de tamboril. A
amostra, porém, enviada desta denominação distingue-se pela leveza e cor amarela e preta.
Não podia de certo deixar de figurar na coleção a cedrelácea, tão espalhada em toda a América Meridional e conhecida por cedro (Cedrela brasiliensis) cujo cerne corado e cheiroso fez-lhe dar por extensão o nome sânscrito de kádru, que pertence à célebre conífera, empregada na construção do grande templo de Jerusalém.
Das bignoniáceas vieram os seguintes representantes:
O pau-d’arco, do gênero Tecoma, 47 também chamado ipê ipê-uva ou simplesmente piúva, como é mais conhecido no interior. O roxo tem durâmen que com o tempo escurece muito; o mestiço o tem todo riscado de traços paralelos. Na República Argentina é denominado lapacho e no Paraguai tayí ou tají.
A peroba, do gênero Aspidosperma, tem lenho amarelado. A que tem flores roxeadas dá-se o nome de roxa.
O jacarandá-pardo (Machaerium). No sertão tem a qualificação de jacarandás ou carobas certas árvores, umas elevadas, outras de menor viso, cujas folhas e casca possuem grandes propriedades medicamentosas.
Pela beira das estradas de Goyaz vê-se a carobinha (Jacaranda procera), que substitui toda a folhagem por uma copa admirável de flores azul-celestes.
Nas terebintáceas e anacardiáceas, notaram-se:
O nó-de-porco (Bursera gommifera) de lenho esbranquiçado.
O belo gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium) de cerne listrado de veios pretos, amarelos e vermelhos, e porções quase brancas, muito pesado e estimado na marcenaria.
O pau-pomba.
A aroeira-vermelha (Schinus aroeira) madeira de extrema rijeza,
47 Hoje Tabebuia. incorruptível dentro da água ou enterrada, muito vermelha, comum em todo o interior, onde serve para os esteios principais das casas: gasta rapidamente os machados. Durante a retirada da Laguna, por ocasião da transposição de um ribeiro avolumado das chuvas, bastou um tronco não grosso de aroeira para que uma ponte malsegura desse passagem a toda a artilharia e carros de bagagem. No Paraguai tem o nome de urundey.
Na pequena família das rizobóleas apareceu:
O pequi (Cariocar brasiliensis) ou em certas províncias pequiá, nome que em outras é aplicado a indivíduos de família diferente. Os frutos amarelos, lisos e bonitos de aspecto, são por alguns apreciados, sobretudo cozidos com carne ou dentro do arroz. Convém, porém, ter cuidado com os agudos espinhos que lhes traspassam a polpa. De uma das espécies (Butyrosum) extrai-se o óleo chamado manteiga de pequi.
Da família das eritroxiláceas, à qual pertence a decantada coca peruana, veio um representante:
O sobraji ou sobrasil (Erythroxilon areolatum), também conhecido por fruta-de-pomba. Talvez seja com mais razão da espécie citrifoliun, a qual Saint-Hilaire encontrou com abundância nas vizinhanças da cidade de Goyaz.
Das clusiáceas:
O landi ou lantim ou olandi (Callophylum brasiliense, S. H.) de lenho denso e cor uniforme. É árvore possante, da qual escorre uma resina balsâmica dotada de qualidades terapêuticas.
Representaram as lauráceas:
A conhecida canela (Nectandra) e a raiz de sassafrás (Nectandra ou Ocotea cymbarum) grande árvore aromática.
Nas outras amostras, cuja classificação científica é mais difícil, ou melhor quase impossível o querer fazê-la com rigor, pela confusão de nomes vulgares e carência dos meios de elucidação, como sejam folhas, flores e frutos, viam-se:
O cabrito: lindíssima madeira de amarelo ligeiramente avermelhado e toda achamalotada.
O sobro ou capororoca: clara e escura com traços paralelos.
O atambu: cor uniforme amarela.
O chifre-de-veado: de amarelo desmaiado, com peso muito sensível. Findo este ligeiro estudo sobre as madeiras que expôs Goyaz, resta assinalar uma falta tão sensível, um descuido tão flagrante, que deles decorre merecida increpação.
É a ausência de alguns espécimes do tão apreciado sebastião-de-arruda, madeira preciosa, assinalado por Ayres do Casal como especialmente peculiar à flora de Goyaz, classificada por Pohl debaixo da denominação de Physocalimna florida e pertencente à família das salicáreas. O cerne é de um belo cor-de-rosa, todo listrado de riscas umas carmíneas, outras azuis, outras vermelhas.
Desta notável árvore, que parece ser dióica, não se viu senão uma única amostra da Bahia em toda a coleção de madeiras reunidas no palácio da Exposição Nacional!
XIII
Plantas úteis têxteis. A árvore-do-papel.
A flora medicinal. O fumo e o algodão.
Os cereais e o café. Árvores frutíferas Entre os outros produtos fitológicos e de origem vegetal expostos, devia, antes de todos, merecer atenção a árvore-do-papel ou pau-do-papel, cujas amostras consistem em dois pedaços de ramos, um deles esgalhado, ambos de mais de polegada de diâmetro, secos e com a casca facilmente separável do lenho. A epiderme, composta de densa camada de lâminas papiráceas extremamente finas, pode esfoliar-se toda, dando tiras de aspecto e consistência que de pronto lembram o papel.
A cor delas é, segundo o dr. Weddel,48 de admirável alvura; segundo SaintHilaire, perfeitamente branca. Talvez seja assim na árvore em vida, mas nos espécimes que se viram na exposição distinguem-se logo três camadas de coloração diferente. As de cima são de um amarelo-canário pálido; as do meio um tanto pardacentas; as de baixo então bastante alvas e mais adelgaçadas.
Observando-se com algum cuidado o tecido, notam-se muitos pontinhos salientes, e aqui, acolá, com tal ou qual profusão, como que círculos em ressalto, uns
48 Henry Weddel , médico inglês que viajou o interior da América do Sul entre 1843 e 1847 e fez extensas pesquisas com plantas da região. juntos, dois a dois, outros separados. Será a impressão ou molde deixado pelos estomas das camadas superficiais?
A lâmina de papel não é muito rúptil. Pode-se até escrever nela com pena de aço, melhor ainda umedecendo-a. Recebe a tinta, mas não a chupa. N’água custa mais que o papel a impregnar-se de umidade.
Esfregada entre os dedos, deixa uma sensação passageira de resina. Queima com rapidez, depositando cinza que, comprimida, reduz-se a pó sutilíssimo.
Segundo ensaios que fiz, é indiferente à tintura de tornassol, mas amarela muito na de violeta. Não é atacada nem pelo ácido azótico49 nem pelo clorídrico; tratada, porém, pelo sulfúrico, precipita-se sob a forma de pó pardacento, desprendendo-se durante a reação bastante calor.
O dr. João Emmanuel Pohl, que viajou na província de Goyaz em 1819, classificou esta curiosa árvore entre as me1astomáceas, família característica do Brasil, o à qual pertencem os paus-de-quaresma,50 cujas flores roxas, brancas e cor-de-rosa, conforme as variedades, tanto realce dão, nos meses de fevereiro e março, às matas dos arredores do Rio de Janeiro, principalmente da Tijuca. O gênero é Lasiandra, a espécie papyrus.
Saint-Hilaire, que naquele mesmo ano de 1819 a viu, não pôde determinar o grupo de plantas a que pertencia, por estar então completamente despida de folhas.
Bastara, contudo, uma única delas para logo denunciar-lhe a família, uma das mais naturais do reino vegetal, clara e perfeitamente diferençada pela disposição longitudinal das nervuras e fácies daqueles órgãos.
À pág. 397 do 1o volume da sua obra Reise im Innern von Brasilien, 51 diz Pohl o seguinte:
Também achei nesses campos algumas plantas raras, principalmente uma nova espécie do gênero Lasiandra, outrora Rhexia, que denominei Lasiandra papyrus. O povo a chama árvoredo-papel por crer que das brancas camadas da casca, que se separa (abloset) do mesmo modo que a nossa bétula, pode-se fazer papel.
Eis a descrição científica:
L. arborea, trunco tereti, epidermide lutescente niveae secedente obducto; ut in
49 O mesmo que ácido nítrico.
50 Quaresmeiras.
51 Veja informações sobre a edição brasileira na bibliografia. Betula alba; ramis teretibus, junioribus subtetragonis, setoso-hispidis; foIiis petiolatis, oblongo-ovatis, acutis, mucronaiis, quinquenerviis, superno setoso scabris, subtus tomentosis; nervis setis rigidis adpressis obductis; pedicellis axilIaribus unifloris racemosis, calici tubo campanulato setoso, lobis longiore.
Há na China e no Japão uma árvore do gênero Broussonnetia e da família das urticáceas, que tem também a qualificação de papyrifera, o que fez com que o padre Manoel da Silva, tratando dos produtos naturais de Goyaz, dissesse: “A árvore-dopapel, de que os asiáticos o formam e lhe dão o nome de moreira, há na serra Dourada”.
O modo por que se extrai papel da Broussonnetia é, porém, muito diverso.
Depois de macerada a casca em banho alcalino, forma-se espessa massa que, diluída em água de arroz e imprensada, dá por fim aquele teçume delicado, no qual fazem os artistas chineses prodígios de paciência à ponta de pincel.
Por que razão declara peremptoriamente Weddel que as lâminas da árvore-dopapel não podem ter aplicação útil?
Exclusivamente numa área muito limitada de Goyaz é ela encontrada. Só na chapada da serra Dourada, a qual passa a 5½ léguas sul da capital e, a rumo de nordeste a sudoeste, vai se ligar à de Caiapó, só aí foi que a viram os naturalistas Weddel, Pohl e Saint-Hilaire.
Há de necessariamente provocar curiosidade e interesse na Filadélfia.
Depois da árvore-do-papel, vejamos mais alguns produtos vegetais da exposição goiana.
Entre as resinas figuraram:
A de jatobá, também conhecida por goma-copal ou resina animada, e de grande utilidade na indústria dos vernizes e na medicina. A verdadeira copal, denominação de origem mexicana que se tem aplicado a muitas resinas, provém de uma Hymenaea de Madagáscar, mas não da espécie courbaril, como é esta, a qual dá o âmbar-branco do Brasil ou copal tenro.
A de cajueiro, naturalmente o silvestre ou bravo (Trichospermum lichen)
tão comum nos chapadões áridos de Goyaz.
A do pinheiro, com a qual se fazem umas espécies de bengalas.
A de mil-homens, cuja procedência parece incerta. Por aquele nome se conhecem umas plantas muito freqüentes nos campos e distintas pelas formas singulares de suas flores, mas estas são tênues trepadeiras.
Destilarão resina, ou em Goyaz haverá outro vegetal com aquela especificação?
Muitas províncias expuseram borracha de mangabeira, árvore que não desmente a família – apocynea – pois deita abundante suco leitoso, mal seja ferida.
As amostras do fumo foram muito limitadas e infelizmente, porque já no mercado do Rio o tabaco goiano é procurado com lisonjeiro empenho.
Diz o catálogo da exposição que no ano de 1873-1874 a província exportou 9.478 quilogramas, no valor de 4:745$000. A informação ficou muito aquém da verdade. De um mapa estatístico, feito há alguns anos e com cuidado, vejo que a produção anual do tabaco em 15 municípios subia a 106.050 quilogramas, dos quais 46.652 eram exportados. O ramo de comércio tem tomado extensão justamente pela procura do gênero, mas, aceitando ainda que se conservasse estacionário, ter-se-ia em todo caso uma saída, de 33:000$000.
O fumo mais estimado é o amarelo de Jaraguá, também chamado cheiroso pelo aroma valente que possui e que entontece a quem, apesar de fumante, dele usa pela primeira vez. As sementes desta variedade têm sido inutilmente plantadas em outras zonas: nasce o pé de tabaco, mas a qualidade do fumo é a comum.
Outras interessantes amostras em seguida se apresentaram, mas não podendo nem devendo ir por demais alongando esta notícia que já muito além passou dos limites que eu em mente delineara, não farei senão considerá-las muito por alto.
Trigo: Plantado outrora com vantagem em Santa Luzia e Meia Ponte, dele só se colhem hoje uns centos de alqueires, isto mesmo de qualidade inferior. No Norte era cultivado em Cavalcante e na chapada de Traíras.
O café, que em Goyaz começou a ser conhecido em 1819, vinga excelentemente. Nos quintais da capital ha muitas pessoas que de alguns pés tiram para uso próprio a preciosa baga. Vi em Santa Marta um cafeeiro que tinha o viso de bela laranjeira e estava carregado de frutos.
Com certeza será um dos mais profusos gêneros de exportação, logo que se facilitem os meios de ligação com a extrema dos caminhos de ferro de S. Paulo. Há ali verdadeira reserva para o futuro da prosperidade do Brasil. Faz dez anos, a produção anual era de 259.490 quilogramas, a exportação de 132.945, e desde aquela época a cultura não tem declinado.
O algodão é de superior qualidade, tanto no norte, margens do Araguaia e Tocantins, como no sul, onde a produção, pelo documento já citado, chegava anualmente a 180.595 quilogramas, dos quais tinham saída 15.495.
O milho, o feijão e o arroz deram sempre tanto, desde os primeiros períodos da desalentada agricultura goiana, que o alqueire, em que eram e são ainda medidos para a venda, é o dobro em capacidade do de Minas Gerais ou Mato Grosso.
As videiras em algumas comarcas crescem e engrossam singularmente.
Proporcionam dentro do ano duas colheitas, se houver o cuidado de podá-las, depois da primeira, que é em fevereiro. Com a uva chamada daseca, faz-se vinho tão puro e perfumado que Saint-Hilaire o julgava no caso de vir ao mercado do Rio de Janeiro competir com certos de procedência estrangeira e afugentá-los; com a uva-das-águas muito bom vinagre se fabrica.
Vê-se por este resumido quadro que o solo de Goyaz só pede amanho.
Muito além das esperanças recompensa, não já quantos o reguem com o custoso suor de insano labor, mas simplesmente aqueles que lhe consagrarem no dia algumas horas de boa vontade e animado trabalho.
Em plantas medicinais quase nada mandou Goyaz, do muito que podia ter remetido.
Num pouso chamado Buracão e em terras da província, observei um dia por indicações do prático, que então tinha a coluna expedicionária de Mato Grosso, um sr.
Ferrugem, extraordinária quantidade desses úteis vegetais dentro de restrito círculo. Era uma verdadeira flora medicinal.
Havia muito velame (Croton fulvus), lindíssima plantinha de folhas prateadas; a curraleira (Croton anti-syphiliticum), excelente diurético; a douradinha (Palicurea aurata): a lixeira miúda (Dilleniacea) de ótima aplicação nas orquites; a contra-erva (Dorstrenia), preconizada nas disenterias; a jarrinha (Aristolochea galeata), com suas flores de um amarelo-sujo-esverdeado e de curiosas formas imitativas aconselhada contra mordeduras de cobras; o ruibarbo-do-campo e muitos outros.
Na exposição figuraram: a sucupira, a quina-do-campo também chamada paratudo (Strychnos pseudoquina), favas-de-santo-inácio (Anisosperma passiflora) empregadas contra dispepsias e também chamadas nhandirobas, raízes de sassafrás, maririçó e sândalo, poaia, batatas de Amaro Leite,52 etc.
É de sentir, e a falta foi geral em todas as províncias, não ver uma só coleção dos frutos do sertão, ou conservados por algum processo ou secos.
Ter-se-iam: a tão falada mangaba (Hancornia speciosa), o profuso murici (Byrsonima verbascifolia), o marmelo-do-campo, as guabirobas (Eugenia sp.) a saborosa guavira, o belíssimo pêssego-do-campo (Eugenia dysenterica), o suculento fruto-de-veado, a rubra uralha, o umbu, os araticus, cajás, pitombas, maracujás, tarumãs que os índios tanto apreciam, sapucaias, araçás, goiabas, o lindo e gostoso cajuí (Anacardium humile) cujos pés baixinhos e viçosos cobrem largas extensões, as inúmeras qualidades de cocos, etc.
Na província já foi muito cultivado o marmelo, principalmente em Santa Luzia e hoje ainda o é bastante. Dele e da goiaba fazem-se doces em massa, dos quais foram enviadas algumas amostras. Era um dos gêneros de maior lucro que em 1865, 1866 e 1867 de Goyaz iam para as forças expedicionárias do Mato Grosso. No mercado improvisado do Coxim subiram as caixinhas de goiaba a 12$000 e 14$000; nos do Taboco, Miranda e Nioaque baixaram algum tanto em preço, pela concorrência e tabelas de preço que se organizaram, mas tinham sempre rápida extração, ainda que muitas e muitas vezes fosse a pretendida goiabada feita da insípida, embora inocente, fruta-delobo (Solanum lycocarpum), como era corrente. O sabor contudo, ou igual ou quase aproximado, não fazia queixosos.
Diz Cunha Matos:
Enfim, a província de Goyaz é extremamente produtiva de vegetais, tanto para alimentos, como para curativo; e se não se encontram em maior abundância, atribua-se a culpa aos homens e não às terras, porque estas são ubérrimas, enquanto aqueles, descuidados ou contentes com os meios de sustentação, trabalham quanto basta para conservar a vida sem aspirarem a superfluidades.
XIV
Riqueza mineralógica. Jazidas minerais.
Os magníficos cristais
52 Atual Mara Rosa. A coleção mineralógica que ocupava as duas primeiras prateleiras da exposição goiana, bem que incompleta em todos os sentidos, ainda assim era digna sem dúvida de exame um tanto detido.
Viam-se amostras bastante volumosas de minérios ferruginosos; pequena de ferro especular; lâminas quadradas, bem cortadas e perfeitas de mica branca e preta;
alguns pedaços de mármores; bonito espécime de serpentina; engrupações de quartzo hialino; belo cristal de rocha pouco límpido, mas puro nas formas geométricas; outro afumado; várias ágatas; hiálito; larga folha de itacolomito ou pedra elástica; cristais de carbonato calcário; algumas piritas de ferro; grande bloco de asbesto; ardósias; um pau de oca, etc.
Adiante, dentro de uma redoma de vidro, cujas bordas aderiam à mesa por meio de tiras de papel colado, e entre trabalhos de crivo e bordados à mão, de valor inferior, estavam em tubozinhos vários diamantes miúdos e ouro em palhetas, em pó e pepitas.
Em garrafinhas, ao lado, ficaram os cativos, pedrinhas roliças, umas pretas e redondas, outras aciculares e finas, que nas lavras denunciam a presença da mais procurada e perfeita das gemas.
O ferro é abundantíssimo em Goyaz. Ou forma conglomerados e em vastas áreas constitui as camadas superiores dos terrenos, ou acha-se naquela terra que produz o terrível e insinuante pó vermelho das estradas do sertão do interior, terra sulcada de veios vivamente corados, que em S. Paulo tem o nome de terra roxa e é o tipo dos solos fecundos, maravilhoso às vezes em sua força de produção. De mistura com areias quartzosas, cobre, como em Minas Gerais observou o dr. Lund,53 vales extensos e montes de altura considerável.
Quanto a depósitos que se prestem com vantagem a fáceis trabalhos metalúrgicos, os há na província muitos: por exemplo, em Aranha, Traíras, S. José de Tocantins e S. Félix, onde já se fabricaram excelentemente ferro e aço, vendidos a 300 réis a libra, até para exportação. Como no mais, veio, porém, o desânimo, e em todo o Goyaz não se viu, durante lustros inteiros, um só objeto desse metal, uma enxada, um machado, que não tivesse vindo do Rio de Janeiro, depois de meses de morosa viagem, ficando, portanto, o preço do instrumento do trabalho onerosamente gravado do custo do transporte da matéria-prima.

53 Peter Wilhelm Lund, naturalista dinamarquês. Viveu em Lagoa Santa (MG) a partir de 1835, e foi um dos precursores da arqueologia no Brasil. Felizmente raia agora uma esperança. Além de forjas pequenas, mas que podem prestar ótimos serviços, estabelecidas há pouco tempo em dois ou três pontos longínquos da província, o último relatório do digno e atual presidente, o dr. Antero Cícero de Assis, traz a grata notícia de já se achar em atividade, a légua e meia da capital e no lugar chamado Areias, uma fábrica de fundição, que se inaugurou no dia 25 de abril do ano passado.
Seja coroada, do mais amplo e proveitoso resultado tão benéfica iniciativa, filha unicamente do esforço e de capitais particulares, a fim de com largueza dotar Goyaz desse grande impulsor do progresso, desse indispensável auxiliar da atividade humana:
o ferro!
Lâminas de mica: As expostas mereceram o aplauso dos que as observaram mais atentamente. Eram brancas e de cores, largas, perfeitamente transparentes, muito finas e com superfície lisa e brilhante.
De aspecto metalóide, têm estes minerais uma composição muito complicada, em que entram como constantes a sílica e alumina, variando a potassa, ferro e magnésia e mais ou outras substâncias. Apresentam-se comumente debaixo de duas formas: ou lamelífero pulverulento ou foliáceo, podendo neste caso destacar lâminas delicadíssimas de muitos metros de extensão. Têm também o nome de vidros de Moscóvia por serem empregados na Rússia, vindos da Sibéria, nas vidraças de casas e mais particularmente de vasos de guerra, pois, pela elasticidade que lhes é própria, resistem a à pressão do ar atmosférico por ocasião das seguidas descargas de artilharia.
A indústria utiliza-se da mica para diversos fins; entretanto não tirou ainda todo o proveito desejável dessa bela substância, tão flexível e transparente, inalterável ao fogo e à água e sobremaneira maleável, sem perder nunca tenacidade.
Em S. José do Tocantins e Traíras extraem-se grandes folhas de mica ou malacacheta. Na cidade de Bonfim todas as casas têm dessas vidraças; na capital as há nas divisões interiores. O preço durante muito tempo foi de 280 réis por quinze vidros de seis polegadas de lado.
Em quartzos apareceram diversas engrupações de cristal de rocha, uns claros, outros leitosos ou afumados, dois belos tipos isolados; ágatas e um pedaço de hiálito.
Em cristal de rocha é a província de Goyaz tão rica, que, segundo Cunha Matos, poderia abastecer as manufaturas do mundo inteiro. A serra dos Cristais, ramo quase perpendicular da do Albano e 12 léguas mais ou menos distante da divisa de Minas Gerais, está salpicada deles, havendo principalmente, a uma légua para oeste, diversos núcleos e uma gruta de onde foram extraídos em quantidade prodigiosa. Explorada com imperícia e sofreguidão, alagou-se, logo nos primeiros tempos, com as águas de um riacho que desajeitadamente desviaram de seu curso.
A cada passo aí ao viajante se deparam vistosos cristais, uns amarelos, dos chamados topázios de Goyaz, outros roxos (ametistas), avermelhados ou mais freqüentemente brancos, tendo alguns fragmentos destes muitas arrobas de peso, de maneira que Pohl diz que com o que está fora de terra esparso aqui e acolá, poder-seiam carregar algumas centenas de carros.
Dentre os já muito apreciados de coloração amarela são raros os cor-de-vinho, e ainda mais os colofônios.
O comércio dessas pedras já foi bastante ativo, entretido quase todo pelas cidades de Paracatu e Formiga, em Minas Gerais, as quais mandavam tropas de mercadorias até Santa Luzia, a 5½ léguas da serra, para voltarem com carregamentos de cristais. Pohl cita o fato de um tenente de Paracatu que, encetando com poucos meios este gênero de negócio, em três anos ajuntou uma fortuna de 30.000 cruzados, o que de certo é de contentar aos mais ambiciosos.
Este movimento entre Santa Luzia e Formiga, muito seguido, segundo informações do meu amigo o sr. major João Teixeira de Carvalho, até ao ano de 1840, e ainda hoje existente, faz-me com tal ou qual convicção de certeza acreditar que os dois imensos cristais de mais de duas arrobas de peso que se viam na exposição de Minas Gerais, como vindos da Formiga, tenham sido trazidos de Goyaz e da serra dos Cristais.
Pedra laminosa elástica: Era o mais raro e interessante tipo da coleção e foi enviado pelo virtuoso prelado que com tanto amor e carinhosa solicitude dirige a diocese de Goyaz.
Considerada a principio como fóssil, a pedra luminosa tomou seu lugar entre as rochas, sendo também conhecida em geologia sob as seguintes denominações: grés xistoso elástico, grés clorítico, grés-de-vila-rica, grés-da-serra-do-frio, itacolomito e grés flexível do Brasil.
O povo desde muito lhe chamava pedra elástica.
Como seus componentes principais entram o quartzo, em estado de decomposição muito saliente, e o talco. A textura é laminosa e granular, o que conjuntamente com a grossura das folhas, cor e unctuosidade, a afasta da mica, com a qual tem aliás muitos pontos de contato.
O itacolomito costitui montanhas inteiras. Grandes zonas de Goyaz o apresentam com abundância, mais ou menos modificado em seu aspecto e formas, conforme o predomínio do talco, ou do quartzo e mistura de outros elementos minerais.
A formação geológica do terreno em que assenta a capital é toda dessa rocha, alterada aí pela presença da mica e pela sobrepujança do talco, que se torna às vezes isolado e forma as chamadas pedras de sabão.
Lomonosov,54 poeta e mineralogista ao mesmo tempo, quis considerá-lo matriz do diamante, mas foi-lhe com razão objetado que, sendo o grés uma rocha de transporte, a presença daquela gema podia ser meramente acidental.
O quartzo no itacolomito é quase sempre branco, raramente escuro ou avermelhado; o talco, no mais das vezes branco, vermelho e verde.
Como minerais estranhos pode conter: quartzo comum e branco, cristal de rocha, mica, talco, esteatita, feldspato comum, ouro, enxofre, piritas de ferro, sulfureto de arsênico, e ferro oligisto.
As lâminas sólidas de itacolomito são aproveitadas em Goyaz para cobrir muros e separações de quintais, e para lajedos, como se vê na cidade de Meia Ponte.
A variedade elástica é usada, em lugar de chapas de ferro, nos fornos de tocar e serrar farinha de milho e mandioca.
XV
Ouro e diamantes. Mármores e serpentinas Continuando no exame dos minerais enviados de Goyaz, notavam-se:
Mármores e serpentinas: As amostras calcárias não pareciam de má qualidade, com quanto fossem de cores vulgares. A de serpentina, que é um mármore talcoso, pois mármore é toda pedra susceptível de tomar polimento, apresentava bonitos veios verdes sobre fundo um tanto escuro. Com os mesmos elementos que o talco, dele se distingue
54 Mikhail Vassiliévitch Lomonosov (1711-1765). Poeta e gramático russo, defendia o conhecimento científico como parte imprescindível na formação do gosto artístico e presente na própria gênese da poesia de qualidade. Estudou ciências naturais, história e filosofia e foi um dos idealizadores da Universidade de Moscou, que leva hoje seu nome. por conter sílica e água em maior proporção: é infelizmente muito mole, podendo ser facilmente riscada pela unha e esfoliando-se toda em laminazinhas, o que a torna imprópria para a decoração monumental. Toma todavia verniz, ficando um pouco mais dura e com as cores mais vivas. Abunda nos arredores da capital; transformação, como já ficou dito, do itacolomito; assim nas margens do rio Vermelho a N.O. da cidade e no outeiro distante umas 300 braças, sobre o qual se ergue a pitoresca ermida de Santa Bárbara.
Havia ainda um espécime de pequenos cristais de carbonato de cal, agrupados em drusa; algumas lâminas de ardósia; piritas, salitre refinado e um pedaço de amianto.
A este cabia melhor a denominação de asbesto, reservada para as variedades do anfibólio que se mostram debaixo da forma de filamentos aglutinados paralelamente e dotados de tal ou qual rijeza, e não como o amianto que os tem flexíveis e acetinados.
Diamantes: Os que foram descobertos até agora em Goyaz pertencem quase exclusivamente à bacia do Araguaia e mais particularmente aos rios Caiapó e Claro, e seus afluentes. No ano de 1746 deram-se os primeiros achados, sendo então fundado o arraial do Senhor do Bonfim ou de Pilões, hoje do rio Claro, a 20¾ léguas da capital.
Destruído três anos depois pelos índios caiapós, impôs o governo português em 1749 aos dois irmãos Joaquim e Felisberto Caldeira Brant, que haviam arrendado as lavras do Tijuco,55 na província de Minas Gerais, a obrigação de enviarem para as margens do rio Claro um serviço diamantino de 200 escravos.
Depois disto, ficou durante quarenta anos rigorosamente proibida qualquer mineração naquela zona, até que em 1801 d. João Manoel de Menezes, capitão do regimento de Freire de Andrada e governador da província de Goyaz, permitiu aos povos a abertura de lavras, sendo estabelecido no arraial, que novamente se ergueu em 1804, um registro para verificar a identidade dos passageiros de Cuiabá, fazer a permuta do ouro e arrecadar, mediante prêmios estabelecidos, os diamantes.
De muito boa água e peso notável os tem o rio Claro, cuja límpida linfa favorece o trabalho, o da Fartura, de Pilões, Três Barras, Desengano e Caiapozinho.
Também no tempo seco, de julho a setembro, nos arredores só ajunta muita gente, para mais de 700 forasteiros, que vêm formar garimpos, acima e abaixo do arraial.
Muitos deles só querem diamantes: não desperdiçam o tempo em catar o ouro
55 Atual Diamantina, em Minas Gerais. que abunda no cascalho.
Para procurá-los, usam no geral da canoa, da cuiaca e da bateia, sendo este meio mais especialmente empregado pelos trabalhadores isolados e pobres ou faiscadores.
De diversas qualidades são os cativos ou pedrinhas roliças e muito polidas que indicam sempre a presença das ambicionadas gemas: há os pingos-d’água e palha-dearroz que são pedacinhos de quartzo; ferro oxidado que tem o nome de fava preta, agulha siricoria, etc. Desses indícios precursores do mineral que Plínio chamou “a mais preciosa de todas as produções da natureza”56 vieram também algumas amostras.
Ouro: Diz Eschwege na sua bela e erudita obra Pluto brasiliensis:
57 De todo o Brasil, a província de Goyaz é uma das mais ricas em ouro. Suas montanhas não foram ainda escavadas; quando muito em alguns lugares arranhou-se-lhes tão-somente a superfície. [...] No dia em que a população for mais densa e que os brasileiros souberem explorar suas minas de modo regular, hão de auferir vantagens que hoje só seriam possíveis com imensos sacrifícios.
Por toda a parte, com efeito, contém ouro o solo do Goyaz. Na antiga comarca do Sul, todos os arraiais lhe deveram a fundação, e mais tarde os do Norte, onde também é espalhado com extraordinária profusão.
A principio tirado às arrobas das tênues camadas exteriores, escasseou rapidamente; obrigou a grandes trabalhos, mas por estar ou em pontos por demais áridos ou em outros exageradamente fartos de água, tanto que passou em anexim dizer-se que a água de mais ou de menos em Goyaz não deixa fazer fortuna, o certo é que trouxe grandes malogros e produziu esse abatimento fatal, que a província a custo sacudiu.
Entretanto, é fora de dúvida que nas entranhas da terra jazem ainda ocultos verdadeiros tesouros de Aladim.
Manuel Correia, o primeiro paulista que pisou o território hoje de Goyaz,58 da sua arrojada excursão voltou a Piratininga59 com dez oitavas de ouro, com as quais concorreu para um diadema destinado à imagem de Nossa Senhora da Ponte de
56 A citação é retirada da Historia naturalis, enciclopédia das ciências naturais em 37 volumes, publicada em 77 AD, do autor romano Plínio, o Velho (23/24-79).
57 Riqueza brasileira, obra publicada em 1823, em que o naturalista alemão Wilhelm von Eschwege descreve ocorrências minerais do território brasileiro. Veja bibliografia no final.
58 Em 1647. Entretanto, sabe-se hoje que desde o século XVI as atuais terra de Goiás já vinham recebendo expedições saídas de S. Paulo, como a de Sebastião Marinho em 1590.
59 Antigo nome da Capitania de S. Paulo. Sorocaba.
Bartolomeu Bueno, o Anhangüera, trouxe já muito maior porção; mas seu filho, depois da segunda e longa peregrinação, pôde doar o governador geral de S. Paulo com 8.000 oitavas.
Nomeado por isto capitão-mor regente das terras de Goyaz,60 continuou a enriquecer, até que, chegando a hora da desgraça, perdeu tudo quanto tinha ganho e viuse na contingência de receber, por empréstimo, de d. Luís Mascarenhas61 uma arroba de ouro. Tendo sido tal despesa reprovada pelo governo português, caiu Bueno na maior miséria, vendeu todos os bens, até jóias da mulher, e, acabrunhado de desgostos, morreu no arraial da Barra que fundara e onde tivera começo sua vertiginosa fortuna.
Depois destes, milhares de ousados exploradores alcançaram grandes cabedais;
milhares pereceram à mingua; milhares só colheram desenganos; milhares se viram repentinamente arruinados, quando em si supunham cumulados os favores da sorte.
No Sul de Goyaz o terreno é copiosíssimo em ouro de primeira qualidade: assim o solo da capital, o de Ferreiro a uma légua E.N.E., o de Ouro Fino a três léguas, o de Santa Rita a 14, o de Pilar a 33, cuja montanha Muquém é da maior riqueza, o de Boa Vista, onde trabalharam já 9.000 escravos, o de Bonfim, a 38 léguas, em cujas vizinhanças vêem-se grandes escavações, o dos arraiais, outrora florescentes, hoje tão completamente extintos que nem sinais ficaram, do Buriti Queimado, de Calhamares e d. Miguel de Tesouras.
Em Anicuns, a 13½ léguas S.E. da capital, as pedreiras descobertas só no ano de 1809 em pouco tempo produziram 200.000 cruzados (Memórias goianas)
62 de ouro de 18 quilates, mas como os poços foram mal-cavados, depressa as águas correram para eles e os alagaram todos. Cessaram em conseqüência os trabalhos até 1821, data em que se organizou uma sociedade para esgotar as inundações e continuar a mineração com mais método e cautela. O fundo da associação foi de 256 ações, devendo cada sócio entrar com 12$500 em dinheiro e um escravo vestido e ferramentado, conforme diz a letra do compromisso.
Começaram então as obras com vigor e animação, dessecando-se os poços e
60 Em 14 de março de 1731.
61 Luís de Assis Mascarenhas, entre 12 de fevereiro de 1739 e 24 de agosto de 1748 governador da capitania de S. Paulo, à qual pertenciam as Minas de Goyaz.
62 Trata-se provavelmente de Memória estatística da província de Goyaz, obra do cônego Luiz Antônio da Silva e Souza publicada no Rio de Janeiro em 1832. Veja bibliografia no final. construindo-se entre duas montanhas um bicame ou aqueduto de madeira para levar água às máquinas. Não tardaram, porém, a avultar as despesas; morreram muitos escravos; só se passaram 54 ações, de modo que, arcando a companhia com mil embaraços, em breve achou-se desamparada, com pouco crédito e empenhada em 18.000 cruzados, o que pôs definitivo termo às suas tentativas.
XVI
O ouro no Norte de Goyaz. Extensão da mineração.
Futuro da zona setentrional No lado setentrional da província não são menos deslumbrantes as notícias históricas do começo de suas povoações e seu fugaz florescimento, nem menos rápidas e contristadoras as de sua decadência e definhamento.
Riquíssimos foram S. José e sobretudo Água Quente, onde chegaram a trabalhar nas minas 16.000 escravos, e se acharam folhetas do peso, uma de quase arroba e meia, outras de seis a dez libras e muitas de 30 oitavas, e que assenta a curta distância do grande confluente do Tocantins, o rio Maranhão, cujas águas rolam ouro a rodo.
Com efeito, a meia légua do arraial, no lugar chamado Machadinho, o desviaram numa ocasião do curso natural, o que chamam virar, por meio de um dique ou açude que poucas horas pôde durar, e assim mesmo o trabalho ficou compensado, pois a quantidade de metal recolhido nas areias do álveo foi computada em 900 oitavas.
Nessa penosa e mortífera lida de desvio das águas do Maranhão é que sobretudo se empenharam os exploradores, malgrado as epidemias, sezões e maleitas que na estação das chuvas de uma feita destroçaram 12.000 trabalhadores, matando-os aos 50 por dia.
Quando não lhes era possível virar a corrente, buscavam as intaipavas ou travessões naturais de pedra que ligam uma margem à outra, e da rocha viva arrancavam o ouro com o auxílio de um alvião de ferro, chamado almocafre. Esse meio violento de mergulho era quase sempre substituído por outro mais suave, o qual consistia em arrastar pelo leito do rio um saco de couro preso à extremidade de comprida vara e ao lado de um ferro de ponta, que, com o movimento que lhe imprimia o operário, ia revolvendo a terra do fundo. Riquíssimos foram o arraial do Cocal, o qual teve 17.000 escravos e 1.400 livres, em constante serviço; o da Natividade, em cujas cercanias contavam-se para mais de 40.000 cativos;63 o de S. Félix com suas valiosas minas de Carlos Marinho; o de Cajazeiros e o de Arraias que dava o ouro chamado podre, em razão da cor parda que tinha. Ali de uma só bateada tiraram-se de uma vez 60 oitavas, e numa única noite certos ladrões conseguiram de um vieiro extrair três arrobas.
O quinto que o governo português levantava em Vila Boa de Goyaz para a parte meridional e em S. Félix para a setentrional, apesar do contrabando e das sonegações, chegou em 1755 a render 169.080 oitavas, no sul, e 59.596, no norte, o que perfaz a soma de 352:914$000, moeda antiga, variando naquele tempo a oitava de 1$200 a 1$800.
O decrescimento do pesado imposto foi rápido: no ano de 1805 não produziu em Vila Boa de Goyaz senão 12.308 oitavas e em S. Félix 3.300, ou ao todo 23:412$000.
Daí por diante diminuiu cada vez mais, tanto que a casa de fundição de S. Félix passouse para Cavalcante, e em 1807, por ordem do Conde da Palma, foi afinal fechada e extinta.
O ouro que nos nossos dias se extrai na província de Goyaz é para glória e felicidade sua, quase nenhum, devendo quantos amam aquela bela região fazer votos para que não voltem os tempos da exploração, senão debaixo de muito método, ordem e moralidade.
Atualmente não passará de 5.000 oitavas a quantidade em pó que se tira em todos os municípios do norte e sul, sendo os do Pilar, S. José de Tocantins e Carmo que entram com maior porção, o primeiro deles com 1.500 oitavas.
Daí não provirá de certo a desgraça da província. Os terrenos que ela possui,
63 Estes dados são tirados da Corografia histórica da província de Goyaz, escrita pelo marechal Raimundo José da Cunha Matos e impressa no tomo XXXVII da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Consultei também as obras de Saint-Hilaire, Martius, dr. Pohl, Natterer, Castelnau, Eschwege, Silva e Souza, Alincourt [veja bibliografia no final] e vários relatórios de presidentes da província. Corre por conta de todas essas autoridades, sobretudo da primeira, o que me parece haver de exageração em tais números.
Pelo imposto da capitação, sabe-se que com tal ou qual certeza que em meados do século passado havia em Goyaz 31.500 escravos empregados na mineração. Cunha Matos faz ascender o número deles a mais de 100.000.
USAR ASTERISCO PARA ESTA NOTA (63)
cobertos de fecundo húmus, não devem ser imprudentemente golpeados, desordenadamente revolvidos e a esmo esterilizados. O que cumpre, muito pelo contrário, é arroteá-los com cuidado, abrir em sua superfície os sulcos benéficos da cultura, ligando-se cada vez mais o homem à terra que o viu nascer, que ele conheceu infeliz, arredada de todos e desconsolada, mas que com seu trabalho, sua perseverança, sua confiança na boa vontade e eqüidade de todos os brasileiros, sua índole ordeira e pacífica, há de ir e tem ido gradualmente se erguendo do abatimento a que a haviam reduzido circunstâncias aniquiladoras.64 Aí é que está a verdadeira mina: o vieiro de imensas riquezas. Penetre-se cada goiano da necessidade de trabalhar com vigor e constância, sem desânimos nem ambições repentinamente exageradas; melhore os produtos que já tem; cultive outros;
procure para eles escoadouro; resista com valor ao desalento e, dentro dos limites do restrito dever, com um contingente relativamente mínimo, concorrerá para grande e auspicioso resultado.
Com uma população que em 1801 na sua Memória estatística65 o padre Luiz Antônio da Silva e Souza calculava em 50.135 indivíduos, dos quais 19.285 escravos;
que em 1809 O Patriota66 elevava a 50.365, entre os quais 20.027 cativos; Pizarro67 a 53.422; o general Cunha Matos em 1824 a 62.518; Kitter68 em 1845 a 97.572 e que a
64 De nove qualidades eram os impostas que pagava Goyaz: 1) Direito de entrada; 2) Dízimos; 3)
Passagem de rios; 4) Arrematação de ofícios; 5) Imposto sobre a venda de carnes verdes; 6) Décimas, selos e sizas; 7) O quinto do ouro; 8) Rendimentos de coletores; 9) Imposto sobre casas de negócio em favor do Rio de Janeiro.
O primeiro, que gravava as mercadorias importadas, antes de 1738 de três em três anos produziu 8 arrobas de ouro; de 1762 a 1765, 40 contos e tantos mil réis; de 1765 a 1774, 96:000$000; de 1774 a 1782, 26:000$000. decrescendo sempre até os princípios deste século.
Em 1823 as rendas todas da província só deram 21:000$300, subindo a despesa a 53:080$325.
A receita orçada para o exercício de 1875-1876 é de 133:996$707 e a despesa em 201:099$261, havendo pois o déficit de 70:102$537.
USAR ASTERISCO PARA ESTA NOTA (64)
65 Memória Estatística da província de Goyaz, publicada em 1832. Veja bibliografia no final.
66 Jornal publicado no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX.
67 José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, mais conhecido como monsenhor Pizarro. Veja bibliografia no final.
68 Trata-se provavelmente do missionário metodista norte-americano Daniel Kidder, que percorreu o interior do Brasil a partir dos idos de 1830 com o intuito de difundir a Bíblia. Veja estatística de 1874, ainda aquém da realidade, fez subir a 108.929 almas, sendo tão somente 10.548 escravos, com uma população dessas, que vai aumentando sempre, Goyaz não deve ter receios do futuro.
XVII
Necessidade da instrução.
Perspectivas de futuro notável No estado atual das coisas, o primeiro e mais veemente empenho da província deve ser ver derramada a instrução por todas as classes de sua sociedade, difundidas quanto possível por todos os pontos de seu vastíssimo território as luzes do espírito, que, abrindo horizontes novos à inteligência, firmando melhor a doce e imprescindível imposição da moral, e alargando as raias da iniciativa, aviventam no coração humano o amor da família e da pátria, e no cidadão exaltam esses sentimentos nobres e dignos, que todos derivam da consciência de si o do valor da personalidade.
Possuídos desta verdade, já de muito se esforçam os filhos de Goyaz por poderem, como hoje fazem, com justo orgulho e depois de muitos sacrifícios, proclamar que em sua terra não há localidade, por mais insignificante, que não tenha uma escola freqüentada por numerosas turmas de educandos.
Convém, ainda mais, cuidar, sobretudo, na parte meridional, das estradas abertas, conservá-las com zelo, rasgar outras conforme as necessidades das povoações;
nos rios mais fundos e caudalosos lançar pontes; regularizar os meios de transposição dos rios mais largos, e abaixar os impostos do pedágio, preparando assim todos os meios de comunicação, como que à espera do momento em que sibilar a primeira locomotiva naqueles distantes centros.
Tem sido, faça-se justiça, um dos mais constantes e louváveis cuidados do íntegro e atual presidente, o sr. Antero Cícero de Assis, a execução desse programa, e com leal satisfação, com viva e grata surpresa verifica, o viajante a sensível diferença que presentemente existe entre as estradas de Goyaz e as outras províncias confinantes.
Também não podia o respeitável e estimado administrador encontrar mais ativo
bibliografia no final. e inteligente auxiliar do que o dr. Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim, diretor das obras provinciais e formado na escola militar do Rio de Janeiro, na qual ocupou como estudante em todos os anos do difícil e longo curso de engenharia um dos mais distintos lugares, sustentando sempre, a par de seu digno irmão, a honra do nome goiano.
Do quanto se aplica à sua especialidade nos lazeres que lhe deixam as continuadas viagens, do amor que vota ao torrão natal, bem clara prova deu com a organização de um belo trabalho – A carta da província de Goyaz –, o qual figurou também na exposição. Refundindo diversos mapas corográficos, cujo mais importante e copioso em informações é incontestavelmente a Carta plana da província de Goyaz e dos julgados do Araxá e Desemboque, levantada pelo eminente marechal Cunha Matos e publicada em 1830, aproveitando o conhecimento exato que tem das distâncias e povoados, retificando posições astronômicas, consultando todas as fontes de séria indicação, corrigiu o dr. Jardim muitos erros, preencheu muitas lacunas e apresentou um documento consciencioso, digno de si e de grande valor para os que se aplicam à geografia do Brasil.
Conclusão Terminada, embora imperfeita e desalinhadamente, a grave tarefa que voluntariamente me impus, resta-me exarar um voto partido do fundo da alma e oriundo de imensa gratidão: é que a província de Goyaz, a quem tanto devo, rompendo de todo as barreiras que se opõem ao seu progresso, grandeza e felicidade, utilizando os inúmeros recursos naturais que lhe constituem inexaurível cabedal, e pondo em ação o comprovado patriotismo de seus habitantes, alcance por fim, e em dia não muito afastado, o lugar que lhe compete entre as filhas desta grande pátria, a que todos pertencemos, o Império do Brasil!


Instituto Centro-Brasileiro de Cultura


Domínio Público Gov.BR


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