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Crônica do viver baiano seiscentista - a cidade e seus pícaros - Cota

Índice OS SEUS DOCES EMPREGOS
A HUMA DAMA POR NOME MARIA VIEGAS, QUE FALLAVA FRESCO, E CORRIA POR
CONTA DO CAPITÃO BENTO RABELLO SEU AMIGO.
ANATOMIA HORROROSA QUE FAZ DE HUMA NEGRA CHAMADA MARIA VIEGAS.
A MESMA MARIA VIEGAS SACODE AGORA O POETA ESTRAVAGANTEMENTE, PORQUE SE ESPEYDORRAVA MUYTO.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
2 – COTA
Por nome Maria Viegas, fallava fresco e corria por conta do Capm. Bento Rabello Manuel Pereira Rabelo, licenciado Meus recados à Velhinha, outros tantos à Mulata à Negrinha da corrente e às vossas Damas pintadas A HUMA DAMA POR NOME MARIA VIEGAS, QUE FALLAVA FRESCO, E CORRIA
POR CONTA DO CAPITÃO BENTO RABELLO SEU AMIGO.
Senhora Cota Vieira, Deus me não salve a minha alma, se vós não me pareceis uma linda, e gentil dama.
Tão risonha como a Aurora, tão alegre como a Páscoa, mais belicosa, que o fogo, e mais corrente, que a água.
Picará como nascida na picardia da França, e assim francesa nas obras, Portuguesa nas palavras.
Tudo chamais por seu nome tão propriamente, tão clara, que ao cono lhe chamais cono, chamais caralho à caralha.
Malditas da maldição de Deus sejam as tavascas, que de surradas nas obras põem de bioco as palavras.
Há cousa como chamar, o que uma cousa se chama, porque sirva de sustento à luxúria, que desmaia.
Há cousa como falar, como o Pai Adão falava, pão por pão, vinho por vinho, e caralho por caralha.
Quem pôs o nome de crica à crica, que se esparralha, senão nosso Pai Adão quando com Eva brincava?
Pois se pôs o nome às cousas o Pai da nossa prosápia, porque Deus lho permitiu, nós por que hemos de emendá-las?
Mas tornando ao vosso garbo, sois, Maricas, tão bizarra, que estive nem mais nem menos por vos dar a piçalhada.
Tive debaixo da língua o pedir-vos uma lasca da nata do vosso cono, se é, que tem côdea essa nata.
Quando a culatra vos vi tão tremenda, e rebolada, meti logo a mão à porra, e estive saca, não saca.
Mas reverente adverti, que ali o Capitão estava senhor das minhas ações e dono da vossa casa.
Porque inda que sempre diz, que assentou convosco a espada, eu creio, no que Deus disse, não no que um berrante fala.
Quem, o que deve a um amigo em respeitos lhe não paga, não é amigo, nem homem, é uma besta assalvajada.
Mas andar, foda ele embora, isso não importa nada, teremos amores secos, seco é o biscouto, e campa.
Falaremos sempre aos molhos, e riremos às canadas, folgaremos, que amor seco sem molhar beiço se passa.
Irei conversar convosco, e a reverenda Madrasta entre os pontinhos que der meta sua colherada.
Assim se passa uma vida tão santa, e tão ajustada, que ganharemos o céu na sacra via às braçadas.
Meus recados à Velhinha, outros tantos à Mulata, à Negrinha da corrente e às vossas Damas pintadas.
ANATOMIA HORROROSA QUE FAZ DE HUMA NEGRA CHAMADA MARIA VIEGAS.
1 Dize-me, Maria Viegas qual é a causa, que te move, a quereres, que te prove todo o home, a quem te entregas?
jamais a ninguém te negas, tendo um vaso vaganau, e sobretudo tão mau, que afirma toda a pessoa, que o fornicou já, que enjoa, por feder a bacalhau.
2 Se tu sabes, o que é o teu vaso furta-fogo, como tens tal desafogo, que te pespegas em pé?
dizem, para Marapé fugira o triste Silveira está tão correspondente ao vaso, que juntamente serra uma, e outra fronteira.
3 Tu, me dizem, que fretaste ao galante de antemão, e que na tal ocasião também foste, a que o chamaste:
o teu intento lograste:
mas podias advertir, que não era bem dormir (sendo tu ruim) com quem te cataneasse bem, como podes inferir.
4 Vendo-se tão perseguido o pobre do pecador, não deixou de ir com temor por ver, que tens vaso ardido:
e assim de pouco sofrido, vendo-se quase atolado se safou desesperado, e diz, que tem grande mágoa, que havendo nele tanta água, sempre esteja emporcalhado.
5 Diz, que achou tal apicu tão tremendo, e temerário, que só membro extraordinário abalaria esse cu:
com guelras de Baiacu (diz) que se farta o teu Tordo, e assim que vaso tão gordo, tão grande, e com tal bocaina busque maior partezaina, que eu por isso é, que vos mordo.
6 Diz, que sois como um champrão que nem esporas de pua farão bolir tal charrua com vezos de galeão:
se fincas o cu no chão, como, puta, te ofereces?
e se a todos ruim pareces, deixa já de fornicar, que se eles te vão buscar, é porque os favoreces.
7 Diz mais, que quando acabaste, deste peidos tão atrozes, que começou a dar vozes por ver, que te espeidorraste:
e que também lhe rogaste, depois de se ter tirado, te fornicasse virado, pois de costas não podia, porque, quem tanto bolia, era força estar cansado.
8 Saíste toda com susto, e vendo ao triste queixar, te puseste a escutar, pois se queixava tão justo:
nada tem ele de injusto, antes a metade cala, e só a mim me regala dizer, que atolava inteiro, se a um ramo de araçazeiro se não pegara por gala.
9 Guardaste triste merenda para o triste do coitado, que ficou tão enjoado, que promete ter emenda:
e com tão grande Calenda se veio de ti queixando, que toda a gente pasmando está de ver, que o teu vaso é a fonte do Parnaso nas águas, que está manando.
10 Ao burlesco será cono, ao tudesco chancarona, c'uma crica de azeitona, onde encrica todo o mono:
daqui a razão entono para te satirizar, e se outra vez pespegar quiseres, busca, garoupa, quem no vaso entupa a roupa, se a roupa o pode entulhar.
11 Anda a triste fralda tal, tão hedionda, e molhada, que só pode ser coroada com fogo de São Marçal:
considere cada qual, o que o Moço passaria ao ver-se na estrebaria daquele tremendo vaso, que joga rasteiro, e raso tão nojenta artilharia.
12 Não terás vergonha, puta, de com tão ruim pentelho, sobre seres vaso velho, tomes a capa de enxuta?
és puta tão dissoluta, que diz o Moço enjoado, que já ficou ensinado, e nunca mais te veria, porque sempre d'água fria há medo o gato escaldado.
A MESMA MARIA VIEGAS SACODE AGORA O POETA ESTRAVAGANTEMENTE, PORQUE SE ESPEYDORRAVA MUYTO.
1 Dizem, que o vosso cu, Cota, assopra sem zombaria, que parece artilharia, quando vem chegando a frota:
parece, que está de aposta este cu a peidos dar, porque jamais sem parar este grão-cu de enche-mão sem pederneira, ou murrão está sempre a disparar.
2 De Cota o seu arcabuz apontado sempre está, que entre noite, e dia dá mais de quinhentos truz-truz::
não achareis muitos cus tão prontos em peidos dar, porque jamais sem parar faz tão grande bateria, que de noite, nem de dia pode tal cu descansar.
3 Cota, esse vosso arcabuz parece ser encantado, pois sempre está carregado disparando tantos truz:
arrenego de tais cus, porque este foi o primeiro cu de Moça fulieiro, que tivesse tal saída para tocar toda a vida por fole de algum ferreiro.


Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos,
3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.


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