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Crônica do viver baiano seiscentista - a cidade e seus pícaros - briga, briga

Índice OS SEUS DOCES EMPREGOS
ESTA SATYRA DIZEM QUE FEZ CERTA PESSOA DE AUCTORIDADE AO POETA, PELO
TER SATYRIZADO, COMO FICA DITO, E A PUBLICOU EM NOME DO VIGARIO
LOURENÇO RIBEYRO.
ESCANDALIZADO O POETA DA SATYRA ANTECEDENTE, E SER PUBLICADA EM
NOME DO VIGARIO DE PASSÉ LOURENÇO RIBEYRO HOMEM PARDO, QUANDO
ELLE ESTAVA INNOCCENTE NA FACTURA DELLA, E CALLAVA PORQUE ASSIM
CONVINHA: LHE ASSENTA AGORA O POETA O CACHEYRO COM ESTA PETULANTE
SÁTIRA.
RESPOSTA DO VIGARIO LOURENÇO RIBEYRO ESCANDALIZADO DE QUE O POETA
Ó SATYRIZASSE DO MODO QUE FICA DITO.
A CERTO FRADE QUE SE METTEO A RESPONDER À HUMA SATYRA, QUE FEZ O
POETA, ELLE AGORA LHE RETRUCA COM ESTOUTRA.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
9 - BRIGA, BRIGA
pois sabe, que hás de apanhar mais de quatro bordoadas Pe. Lourenço Ribeiro, vigário de Passé Ilustre e reverendo Frei Lourenço, Quem vos disse, que um burro tão imenso, Siso em agraz, miolos de pateta Pode meter-se em réstia de poeta?
ESTA SATYRA DIZEM QUE FEZ CERTA PESSOA DE AUCTORIDADE AO POETA, PELO TER SATYRIZADO, COMO FICA DITO, E A PUBLICOU EM NOME DO VIGARIO
LOURENÇO RIBEYRO.
1 Hoje a Musa me provoca, a que bem pelo miúdo nada cale, e diga tudo, quanto me vier à boca:
como digo, hoje me toca meter minha colherada, que nem sempre ter calada a boca parece bem:
mas não o saiba ninguém.
2 Parece, que já começo a dizer alguma cousa, e para que o mundo me ouça, já mil atenções lhe peço:
que não sou sábio, confesso, para falar elegante;
porém digo, andando avante, que vejamos o desdém;
mas não o saiba ninguém.
3 Conheça toda a Bahia, quem é o sátiro magano, que lhe há feito tanto dano desonrando-a cada dia:
pois sem ser de estrebaria, mais do que um burro esfaimado, se jacta de grão letrado, sendo asninho parlafrém:
mas não o saiba ninguém.
4 Ser a todos preferido no saber, é, o que pertende:
porém quem se não entende, mal pode ser entendido:
mas se é sábio, e advertido, como em vez de achar ventura foi topar na cornadura, que demasiada tem:
mas não o saiba ninguém.
5 Quis por ser em tudo novo, que é somente o que ele quer, ter consigo uma mulher, que é também de todo o povo:
eu só nesta parte o louvo de discreto, e de entendido, pois que quis ser seu marido juntamente com mais cem;
mas não o saiba ninguém.
6 Como cão, que acha dinheiro, se contentou da consorte, que merecendo-lhe a morte, existe a puta em viveiro:
imaginou ser primeiro, porém outros antes dele lhe tinham surrado a pele, que ele rói d'aquém d'além:
mas não o saiba ninguém.
7 Por segundo caracol se deve já conhecer, porque lhe há posto a mulher os cornos, que deita ao sol:
por tal o tenho em meu rol para o meter em dous fornos, porque lhe aqueçam os cornos, e se lhe contem também:
mas não o saiba ninguém.
8 De Vulcano sei, que herdou o saber mui bem malhar, não a Bártolo ensinar, como sei, que se gabou:
se dissera; que o forjou seu Avô estando malhando, crédito lhe iria dando, segundo aqui se contém:
mas não o saiba ninguém.
9 Nunca soube fazer veso, senão como tiririca, porque como ela é, que pica, e corta todo o universo:
pica a todos por perverso;
mas foi ele bem picado, conforme nos hão contado, os que de Lisboa vêm:
mas não o saiba ninguém.
10 Com levar tantos vaivéns ficou com cara mui leda letrado de três a moeda, ou de três por dous vinténs:
só lhe dão os parabéns outros asnos como ele, como se ele fosse alguém:
mas não o saiba ninguém.
11 Que fora Juiz, se alista este burro, este asneirão, e com tal jurisdição nada teve de Jurista:
e por mais que ser insista Juiz, como significa, então maior asno fica, dos que vão, e dos que vêm:
mas não o saiba ninguém.
12 Mui contente, e muito ledo mostra, que não tem mais trato, do que arranhar como gato no Parnaso de Quevedo:
traz o mundo em um enredo com sátiras tão malditas, que achando-as em livro escritas se admiram todos, que as vêem:
mas não o saiba ninguém.
13 Todas as tenho contadas neste Parnaso das Musas, que ficaram mui confusas, vendo, que as tinhas furtadas:
ao português retratadas no castelhano as acharam, e como mudas ficaram posto que não vai, nem vem:
mas não o saiba ninguém.
14 A todos sátiras fez, sem ninguém excetuar, porém não lhe há de faltar, quem lhe faça desta vez:
se eu estou bem nos meus três, agora fica talhado, pois o corte, que lhe hei dado, parece, que lhe está bem:
mas não o saiba ninguém.
15 Que fora Juiz de fora, diz, que passa na rivera, mas que fora de Juiz era, afirmarei eu agora:
porque em seu peito não mora, nem justiça, nem razão, pois não está em sua mão jamais poder falar bem:
mas não o saiba ninguém.
16 Mui caro lhe tem custado o mais do que tem escrito, pois o não livrou seu dito, dos que lhe haviam jurado:
o muito, que tem falado, (se acaso me não engano)
me fez ouvir, que a Fulano mataram, e eu direi quem:
mas não o saiba ninguém.
17 Por debaixo de uma amarra na Nau, em que se embarcou, este magano escapou té sair fora da barra:
e por ver já cousa charra, o não ter ele vergonha, é razão, que o descomponha de quanto à boca me vem:
mas não o saiba ninguém.
18 Boca, que males há feito, bem é, que males se faça, boca, que para mordaça só parece, que tem jeito:
eu se isto tomar a peito, juro a Deus onipotente, não lhe deixar um só dente, pois que morde, e diz a quem:
mas não o saiba ninguém.
19 Já que a todos descompõe, quis agora por meu gosto, que ele fosse o descomposto, para ver se se compõe:
mil males sobre si põe, quem de todos fala mal, e assim que já cada qual me pode dizer amém:
mas não o sabia ninguém.
20 De Cristão não é, senão de herege, tudo, o que obra, pois nele a heresia sobra, e lhe falta o ser cristão:
remetê-lo à Inquisição já uma vez se intentou, mas bem veis, quem atalhou, senhores, tão grande bem:
mas não o saiba ninguém.
21 Digo-te já de enfadado, que se fores atrevido, não só te há de ver perdido, mas sim de todo acabado:
olha, que o que tens falado, é mui bastante motivo para te não deixar vivo, do teu falar mal te vem:
mas não o saiba ninguém.
22 Não cuides me hás de escapar por mais oculto que estejas, para que magano vejas, Há, quem te possa ensinar:
emenda esse teu falar, corta essa língua mordaz, vê, que este aviso te faz, quem ela mordido tem:
mas não o saiba ninguém.
ESCANDALIZADO O POETA DA SATYRA ANTECEDENTE, E SER PUBLICADA EM
NOME DO VIGARIO DE PASSÉ LOURENÇO RIBEYRO HOMEM PARDO, QUANDO
ELLE ESTAVA INNOCCENTE NA FACTURA DELLA, E CALLAVA PORQUE ASSIM
CONVINHA: LHE ASSENTA AGORA O POETA O CACHEYRO COM ESTA
PETULANTE SÁTIRA.
1 Um Branco muito encolhido, um Mulato muito ousado, um Branco todo coitado, um canaz todo atrevido:
o saber muito abatido, a ignorância, e ignorante mui ufano, e mui farfante sem pena, ou contradição:
milagres do Brasil são.
2 Que um Cão revestido em Padre por culpa da Santa Sé seja tão ousado, que contra um Branco ousado ladre:
e que esta ousadia quadre ao Bispo, ao Governador, ao Cortesão, ao Senhor, tendo naus no Maranhão:
milagres do Brasil são.
3 Se a este podengo asneiro o Pai o alvanece já, a Mãe lhe lembre, que está roendo em um tamoeiro:
que importa um branco cueiro, se o cu é tão denegrido!
mas se no misto sentido se lhe esconde a negridão:
milagres do Brasil são.
4 Prega o Perro frandulário, e como a licença o cega, cuida, que em púlpito prega, e ladra num campanário:
vão ouvi-lo de ordinário Tios, e Tias do Congo, e se suando o mondongo eles só gabos lhe dão:
milagres do Brasil são.
5 Que há de pregar o cachorro, sendo uma vil criatura, se não sabe da escritura mais que aquela, que o pôs forro?
quem lhe dá ajuda, e socorro, são quatro sermões antigos, que lhe vão dando os amigos, e se amigos tem um cão:
milagres do Brasil são.
6 Um cão é o timbre maior da Ordem predicatória, mas não acho em toda história, que o cão fosse pregador:
se nunca falta um Senhor, que lhe alcance esta licença a Lourenço por Lourença, que as Pardas tudo farão:
milagres do Brasil são.
7 Já em versos quer dar penada, e porque o gênio desbrocha, como cão a troche-mocha mete unha e dá dentada:
o Perro não sabe nada, e se com pouca vergonha tudo abate, é, porque sonha, que sabe alguma questão:
milagres do Brasil são.
8 Do Perro afirmam Doutores, que fez uma apologia ao Mestre da poesia, outra ao sol dos Pregadores:
se da lua aos resplandores late um cão a noite inteira e ela seguindo a carreira luz sem mais ostentação:
milagres do Brasil são.
9 Que vos direi do Mulato, que vos não tenha já dito, se será amanhã delito falar dele sem recato:
não faltará um mentecapto, que como vilão de encerro sinta, que dêem no seu perro, e se porta como um cão:
milagres do Brasil são.
10 Imaginais, que o insensato do canzarrão fala tanto, porque sabe tanto, ou quanto, não, senão porque é mulato:
ter sangue de carrapato ter estoraque de congo cheirar-lhe a roupa a mondongo é cifra de perfeição:
milagres do Brasil são.
RESPOSTA DO VIGARIO LOURENÇO RIBEYRO ESCANDALIZADO DE QUE O
POETA Ó SATYRIZASSE DO MODO QUE FICA DITO.
1 Doutor Gregório Guaranha, pirata do verso alheio, caco, que o mundo tem cheio, do que de Quevedo apanha:
já se conhece a maranha das poesias, que vendes por tuas, quando as emprendes traduzir do Castelhano;
não te envergonhas, magano?
2 Cuida o mundo, que são tuas as sátiras, que acomodas, suponho que a essas todas pode chamar obras suas:
os rapazes pelas ruas o andam publicando já, e o mundo vaia te dá, quando vê tal desengano não te envergonhas, magano?
3 O soneto, que mandaste ao Arcebispo elegante é do Gôngora ao Infante Cardeal, e o furtaste:
logo mal te apelidaste o Mestre da poesia furtando mais em um dia, que mil ladrões em um ano:
não te envergonhas, magano?
4 Cuidas, que os outros não sabem?
O que sabes, é mui pouco, e assim te gabas de louco temendo, que te não gabem:
só nos ignorantes cabem as asneiras, que em ti vemos, pelas quais te conhecemos seres das honras tirano:
não te envergonhas, magano?
5 Não há no mundo soldado, cavalheiro, homem ciente, que tu logo maldizente não deixes vituperado:
porém dizes mal do honrado ou por ódio, ou por inveja, ou porque o teu gênio seja fazer aos honrados dano:
não te envergonhas, magano?
6 Dizes mal alguma vez, dos que não procedem bem;
mas dirás, que não convém, por serem, como tu és:
dize do Pai, que te fez, que bem tens, que dizer dele o mal, que há na tua pele, já que ninguém te acha humano:
não te envergonhas, magano?
7 Se com sátiras tu só a todos desacreditas, trazendo sempre infinitas no forge de teu Avô:
como não temes, que o pó te sacuda algum bordão:
pois sabes, que a tua mão não pega obras de Vulcano!
não te envergonhas, magano?
8 Sendo Neto de um Ferreiro trazes espada de pau, nisso fazes, berimbau, o adágio verdadeiro:
porém se em nada és guerreiro, para que te chamas guerra, e a fazes a toda a terra co'a língua, que é maior dano?
não te envergonhas, magano?
9 Tua Avó, de quem tomaste de Guerra o falso apelido a um, e a outro marido lhe fez de cornos engaste:
se temes, que te não baste por agora, o que ela fez, na tua cabeça vês milhares deles cada ano:
não te envergonhas, magano?
10 Sendo casado em Lisboa, achava logo qualquer remédio em tua mulher, e se provou, era boa:
a fama desta outra soa não menos que na Bahia;
sendo tua não podia deixar de ter gênio humano:
não te envergonhas, magano?
11 Pois é cousa bem sabida, que o teu casamento sujo veio por um Araújo, que a tinha bem sacudida:
casou contigo saída da casa dele, onde esteve por sua amiga, e não deve dizer alguém, que te engano:
não te envergonhas, magano?
12 Fazes, o que fez teu Pai, porque a mesma fama cobres, que por fazer bem a pobres amou muito à tua Mãe:
na tua progênie vai herdado como de ofício, pois toma por exercício dar carne ao gênero humano:
não te envergonhas, magano?
13 Tuas Irmãs se casaram publicamente furtadas, e há, quem diga, que furadas d'outros, que se não declaram:
oh se as paredes falaram!
inda hoje bem poderias ouvir várias putarias de tanto caminho lhano:
não te envergonhas, magano?
14 Teu Pai foi outro Gregório no pouco asseio, e limpeza, de cuja muita escareza, se lembra este território:
que andou roto com notório escândalo, até fazer o luto, que quis trazer por certo Rei em tal ano:
não te envergonhas, magano?
15 De teus Irmãos te asseguro, que têm sido na Bahia um labéu da companhia, outro sequaz do Epicuro:
mas ambos juntos te juro, que em nenhum vício te igualam;
oh que de causas se falam, e todas tanto em teu dano!
não te envergonhas, magano?
16 Dizes, que dos Pregadores o sol é teu Irmão, quando Vieira está-se aclamando pelo melhor dos melhores?
dizes, que aos esfregadores pode dar ele lições;
não sabes quantos baldões tem sofrido pelo cano?
não te envergonhas, magano?
17 Diga esse Frade maldito, se injuriado ficou, quando co'a negra se achou na mesma cama do Brito:
sei, que se ria infinito, quando o Pintor lhe quis dar depois de o injuriar, vendo-o com a amiga ufano:
não te envergonhas, magano?
18 O que se riu numa festa, dando ele satisfação d'alma daquele sermão publicou, que era mai besta:
e se tudo isto não presta, para maior glória sua, veja-se amando a Perua que diz, que Eusébio é seu mano:
não te envergonhas, magano?
19 Se teu Irmão este é, como é sol dos Pregadores?
e se tens erros maiores, que nome é bem, que te dê?
lembra-te o quanto na Sé escandalizou a todos o pícaro dos teus modos, arnando sempre o profano:
não te envergonhas, magano?
20 Por não querer confessar-te, o Cura te declarou, e esta Quaresma tornou o Vigário a declarar-te:
da Igreja o vi lançar-te em uma solene festa;
mas tu de uma acção como esta não te corres, sendo humano:
não te envergonhas, magano?
21 Tens mudado mais estados, que formas teve Proteu, não sei, que estado é o teu, depois de tantos mudados:
sei, que estamos admirados de te vermos rejeitar a murça capitular, para casar como insano:
não te envergonhas, magano?
22 A nenhum jurista vês que logo não vituperes, chamando-lhe néscio, e queres contradizer, quanto lês:
eu sei, que mais de uma vez disseste já na Bahia, que Bártolo não sabia, e que era um asno Ulpiano:
não te envergonhas, magano?
23 Arrezoando em um feito, por mofar do Julgador, fizeste do mal pior, fazendo torto o direito:
porém se no teu conceito todos os mais sabem nada, tua ciência é palhada, se se vê com desengano:
não te envergonhas, magano?
24 Lembra-te, quando o Prelado pelas tuas parvoíces decretou, que te despisses do hábito atonsurado:
não ficaste envergonhado, porque não há, quem te ponha na cara alguma vergonha ante o Povo Baiano:
não te envergonhas, magano?
25 Vieste de Portugal acutilado, e ferido, e do Burgo socorrido, a quem pagaste tão mal:
essa sátira fatal te desterrou a esta terra, mas cutiladas em guerra sempre as de o valor humano:
não te envergonhas, magano?
26 Admira excessivamente, que mandando-te apear certo homem para te dar disseste "não sou valente":
mas se és galinha entre gente, assim havias fazer, cacarejar, e correr, que em ti é ofício lhano:
não te envergonhas, magano?
27 Fala de ti, que bem tens, que falar de ti, Gregório, e a todo o mundo é notório, que tens males, e não bens:
não queiras pôr-te aos iténs, com quem sobre castigar-te sei, que há de esbofetear-te, e com este desengano, não te envergonhas, magano?
28 Vê, que te quero cascar por outra sátira agora, pois nem a ver o sol fora, queres à porta chegar:
pois sabe, que hás de apanhar mais de quatro bordoadas, e com maiores pancatas, que as do teu papel insano:
não te envergonhas, magano?
A CERTO FRADE QUE SE METTEO A RESPONDER À HUMA SATYRA, QUE FEZ O
POETA, ELLE AGORA LHE RETRUCA COM ESTOUTRA.
Ilustre, e reverendo Frei Lourenço, Quem vos disse, que um burro tão imenso, Siso em agraz, miolos de pateta Pode meter-se em réstia de poeta?
Quem vos disse, magano, Que fará verso bom um Franciscano?
Cuidais, que um tonto revestido em saco O mesmo é ser poeta, que velhaco?
Seres mestre vós na velhacaria Vos vem por reta via De trajar de burel essa libréia, E o ser poeta nasce de outra veia;
Não entreis em Aganipe mais na barca, Porque nela co'a mesma vossa alparca Apolo tem mandado, Que vos espanquem por desaforado.
Não sabeis, Reverendo Mariola, Remendado de frade em salvajola, Que cada gota, que o meu sangue pesa Vos poderá a quintais vender nobreza?
Falais em qualidade, Tendo nessas artérias quantidade De sangue vil, humor meretricano, Pois nascestes de sêmen franciscano, E sobre vossa Mãe em tempos francos Caíram mil tamancos, De Sorte que não soube a sua pele, Se vos fundiu mais este, do que aquele:
E nem vós, Frei Monturo, ou Frade Cisco, Sabeis se filho sois de São Francisco, Porque sois, vos prometo, Filho do Santo não, porém seu neto.
Quem vos meteu a vós, vilão de chapa A tomares as dores do meu mapa, Se no mapa, que fiz não se esquadrinha Linha tão má, como é a vossa linha?
Mas como comeis alhos, Vos queimais, sem chegares aos burralhos;
E se acaso vos toca a putaria, Que ali pintou a minha fantesia, Não vos canseis em defender as putas, Pois sendo dissolutas, Não vos querem soldado aventureiro, Querem, que lhe acudais com bem dinheiro;
E querem pelo menos, Frei Bolório, Que os sobejos lhe deis do refectório, Que as dádivas de um Frade sobejos são da leiga caridade.
E se acaso esforçastes a ousadia À vista de uma larga companhia, Ides, Frei Maganão, muito enganado, Que o capitão pretérito é passado:
Não é cousa possível, Que vos livre de trago tão terrível;
Tornai em vós, Frei Burro, ou Frei Cavalo, Que cair sobre vós pode o badalo De algum celeste signo, que vos abra, E sem dizer palavra Vos leve em corpo, e alma algum demônio Por mau imitador de Santo Antônio;
Confessai vossas culpas, Frei Monturo, Que anda a morte de ronda pelo muro, E se na esfera vos topar a puta, Vos heis de achar no inferno a pata enxuta.


Texto-fonte: Obra Poética, de Gregório de Matos,
3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.


Domínio Público Gov.BR


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